
Eduardo Tagliaferro é um servidor de excelente currrículo
Renan Ramalho
Gazeta do Povo
Mensagens obtidas pela Polícia Federal na investigação sobre o perito Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Alexandre de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), revelam que ele temia ser preso por ordem do ministro, ou até morto, caso contasse publicamente o que sabia. Em conversas particulares que manteve ao longo do ano passado com sua mulher, Tagliaferro expressou muito medo do ex-chefe.
“Se eu falar algo, o Ministro me mata ou me prende”, escreveu o perito, em 31 de março de 2024, para a sua atual esposa, numa mensagem de WhatsApp. No diálogo, ele manifestou o desejo de “contar tudo de Brasília” antes de morrer. “Minha vontade, é chutar o pau da barraca, jogar tudo para o alto”, escreveu Tagliaferro.
ESTÃO NO INQUÉRITO – As mensagens, inéditas, foram capturadas pela Polícia Federal no inquérito contra Tagliaferro que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). A Gazeta do Povo acessou o histórico de conversas dele com a mulher pelo WhatsApp a partir de um relatório oficial da investigação. O inquérito é público e o documento pode ser acessado por qualquer pessoa cadastrada no sistema de consulta processual do STF.
O relatório, que também é público, contém a análise dos dados extraídos do celular de Tagliaferro e nele a PF inseriu link e endereço na internet onde estão arquivos com prints das conversas dele com a atual esposa ao longo de quase oito meses, entre março e novembro do ano passado, bem como mensagens trocadas com seu advogado.
Os diálogos, de 2024, ocorreram no ano seguinte à demissão de Tagliaferro do cargo que ocupava no TSE. O perito chefiou, entre agosto de 2022 e maio de 2023, a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED). Ele era o responsável pela elaboração de relatórios sobre políticos, ativistas e veículos que publicavam nas redes sociais críticas ou ofensas a Moraes, ao TSE ou ao STF.
RELATÓRIOS SOB MEDIDA – No último dia 2 de abril, a Polícia Federal indiciou Tagliaferro pelo crime de violação de sigilo funcional com dano à administração pública, por supostamente vazar à imprensa mensagens que ele trocou com outros auxiliares de Moraes. Essas mensagens, reveladas pela Folha de S.Paulo em agosto do ano passado, mostravam como Moraes, quando presidia o TSE, encomendava relatórios de Tagliaferro que depois eram usados pelo próprio ministro para bloquear perfis e remover postagens de críticos nas redes sociais.
As mensagens publicadas em agosto indicavam que Moraes tinha alvos pré-determinados. Na época da revelação das mensagens, o ministro afirmou que eram pessoas já investigadas no inquérito das fake news, no STF, e que, como presidente do TSE, Moraes também tinha poder de polícia para coletar provas contra os investigados.
As novas mensagens, de Tagliaferro com a atual companheira, mostram que ele não só temia o ministro, como tinha opiniões negativas sobre ele. Pelo WhatsApp, o perito desabafava com ela sobre o período em que trabalhou com Moraes, queixando-se do serviço que realizava e do ex-chefe, que chegou a xingar de “FDP”.
FOI DETIDO – Tagliaferro foi demitido da chefia da AEED por Moraes em 9 de maio de 2023, um dia após ser preso em Caieiras (SP). Na noite da véspera, em casa, durante um desentendimento com a ex-mulher (com quem convivia na época) e um amigo, sua arma pessoal disparou e ele foi detido por suposta prática de violência doméstica.
Nesta reportagem, selecionamos trechos das conversas com sua atual mulher, cerca de um ano depois, nos quais Tagliaferro menciona Moraes, o STF e o TSE.
“Se eu falar algo, o Ministro me mata ou me prende” – em vários diálogos, Tagliaferro e sua atual esposa conversavam sobre as dificuldades que ele enfrentou em Brasília. Em 31 de março de 2024, ele expressou o desejo de contar o que viu: “Mas antes de eu morrer/ Tenho que contar tudo de Brasília/ Só falta isso/ O resto, mesmo eu sofrendo, já coloquei cada um no seu lugar”, escreveu.
Depois, desabafou: “Sabe que hoje, se eu falar algo, o Ministro me mata ou me prende, ele é um FDP”. Em seguida, deu como exemplo o caso de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Bolsonaro. “Veja pelo Cid, falou em um grupo privado, algo que nem seria crime, somente comentou uma verdade, o FDP mandou prender ele de novo”.
Na sequência do desabafo com a atual mulher, Tagliaferro escreveu: “Parece que a vida é boa para quem é ruim/ Cheguei a essa conclusão”. Momentos depois, voltou a falar sobre a vontade de revelar o que sabia. “Minha vontade, é chutar o pau da barraca, jogar tudo para o alto”, escreveu. “Meter o louco e não fazer mais nada, mas não posso, tenho as meninas”, completou depois, em referência a duas filhas adolescentes.
Em 23 de abril de 2024, Tagliaferro travou um diálogo com a atual esposa que, segundo a PF, mostraria que ele teria vazado as conversas com a equipe de Moraes para a imprensa. Ele relatou ter falado com a Folha. “Estão investigando o ministro”.
Ela demonstrou preocupação: “Não falou besteira né?”. E Tagliaferro responde: “O necessário. Mas não serei identificado”. Depois, em tom de brincadeira, ele continua: “Se eu morrer, já sabe rsrs”.
Momentos depois, ele voltou a conversar com ela sobre o contato com a imprensa. “Pensando no que falei para Folha”. “Falou merda?”, perguntou a mulher. Ele respondeu: “Kkkk. A verdade”.
“As vezes a verdade não é uma boa opção”, comentou ela. Tagliaferro respondeu: “Eu sei/ Mas eu só trabalho com a verdade. Mesmo ela não sendo a melhor opção”. “Falei como a área funcionava”, escreveu depois.
NO SUPREMO – Sobre o andamento do caso de Tagliaferro no STF, no dia 2 de abril, no indiciamento dele, a PF não fez um pedido de prisão preventiva, apenas imputou a ele o crime de violação de sigilo funcional com dano à administração pública, cuja pena varia de 2 a 6 anos de prisão.
O relatório final da investigação foi enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR), a quem cabe agora decidir se denuncia o perito ou arquiva o caso, se entender que não há crime ou indícios suficientes de autoria.
O inquérito tramita na Corte, sob relatoria de Moraes. Para o ministro, estaria no “contexto de reiterados ataques institucionais ao Poder Judiciário” e o vazamento das mensagens teria “intuito de atribuir e/ou insinuar a prática de atos ilícitos por membros” do STF.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – No Brasil, a Justiça agora está sendo feita ao contrário. No banco dos réus, no lugar da Tagliaferro, quem deveria está sentado é o próprio ministro Alexandre de Moraes. Realmente há crimes nos autos, mas eles foram principalmente cometidos por Moraes, que determinava a seu subalterno Tagliaferro que os cometesse, criando provas quando elas não existissem. E ainda chamam isso de Justiça. (C.N.)