Samuel Pessôa
Folha
Meu colega André Roncaglia, que ocupa este espaço às sextas-feiras, na coluna passada demonstrou entusiasmo com a política pública de aumentar a tarifa de importação de carros elétricos para estimular a produção local.
Há duas condições necessárias, mas não suficientes, para que a política tenha alguma chance de funcionar. Primeira, que ela tenha data para terminar. Segundo, que tenha metas de exportação.
QUESTÃO DE DEMANDA – A produção de um bem somente é sustentável se conseguimos atingir um mercado muito maior do que o brasileiro. Em particular, uma linha de produção de automóvel somente será competitiva se a produção for em torno de 300 mil unidades por ano.
Devido à diversidade da demanda, o mercado brasileiro exclusivamente não sustenta uma indústria competitiva: nosso mercado é de 3 milhões de unidades, e a demanda é muito mais diversa do que somente dez modelos.
Tradicionalmente, a grande crítica que se faz aos esforços da política industrial (PI) é que um burocrata não consegue escolher os vencedores. O que funcionará? Não é possível saber de antemão.
NA INCERTEZA – No entanto, em um recente trabalho, “The new economics of industrial policy”, Réka Juhász, Nathan Lane e Dani Rodrik lembram que a exigência sobre o gestor público é menor. Segundo os autores: “Na presença de incerteza, tanto sobre a eficácia das políticas quanto sobre a localização/magnitude das externalidades, o teste final não é se os governos podem escolher “vencedores”, mas se eles têm (ou podem desenvolver) a capacidade de deixar os “perdedores” irem embora.
Ou seja, o desenho da política pública precisa prever a possibilidade de a política não funcionar. O setor público precisa ser capaz de se desapegar da política.
POLÍTICA INDUSTRIAL – Essa é uma das maiores limitações para a prática da política industriaI por aqui. Como escrevi na coluna de 1º de outubro, quando nos comparamos aos países asiáticos, há três aspectos que dificultam o emprego de PI por aqui. Primeiro, temos escassez de capital humano e físico. Em geral, os setores que se deseja desenvolver usam intensamente fatores de produção escassos, o que encarece a política.
Segundo, o Estado brasileiro não tem demonstrado ter a capacidade da autonomia embutida — estar próximo ao setor privado, para ser capaz de destravar obstáculos, e, simultaneamente, ser independente dos interesses particulares.
Terceiro, temos enorme dificuldade de nos desfazer de políticas públicas. No Brasil, tudo se transforma em direito adquirido imediatamente. Uma política é iniciada e nunca nos desfazemos dela, mesmo que ela não tenha funcionado.
QUARTO ASPECTO – Como bem lembrado por Alex da Mata em um tuíte na semana passada, há uma quarta distinção quando nos comparamos aos países asiáticos.
Estes sempre valorizaram a abertura para o comércio internacional, fator essencial para que a industrial automobilística seja autossustentável.
Por exemplo, a política de desoneração da folha de salários foi iniciada em 2011, no governo Dilma, com o objetivo de ajudar setores da indústria de transformação na competição com a China. Era para ser uma política temporária até que a indústria brasileira absorvesse os efeitos do ingresso da China na OMC.
DESONERAÇÃO DA FOLHA – Com o tempo, inúmeros setores foram sendo incorporados, e hoje o foco da política são setores intensivos em trabalho que produzem bens para o mercado doméstico e que não sofrem concorrência externa, pois são bens não comercializáveis internacionalmente. Não há nenhum estudo sério que mostre que a política de desoneração da folha de salário gera empregos.
A desoneração da folha de salários se mantém como uma política pública somente devido à ação dos grupos de pressão que defendem o interesse localizado à revelia do interesse coletivo. Oxalá o presidente Lula vete a recente renovação da desoneração da folha.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Como o colunista iniciou o artigo discordando de André Roncaglia, podemos também discordar dele. Sua cota mínima de 300 mil veículos/ano não tem a menor sustentação na realidade. Quanto aos tigres asiáticos, Samuel Pessôa não menciona que são megacorporações apoiadas diretamente pelos respectivos governos, que funcionam como uma espécie de semiestatais. Assim, fica mais fácil, mas no Brasil a direita não deixa. O BNDES só conseguiu criar uma – a J&F – e é criticado por isso… (C.N.)
Comentário perfeito.
“A “Nova Era”, odeia e quer destruir a nossa civilização ocidental!”
https://www.espada.eti.br/n1106.asp
Data de publicação: 12/5/2001
Se a ditadura não tivesse vendido a FNM, hoje o Brasil estaria produzindo carros totalmente nacionais, sem
falar em carros fabricados por brasileiros que desistiram por não ter incentivo do governo.
Nunca é tarde para começar, se preciso for, o governo pode criar uma empresa de economia mista para fabricar carros totalmente nacionais, não vai faltar mão de obra especializada. O brasileiro é talentoso. Mais tarde com o crescimento da empresa, o governo pode vender sua parte para um ou grupo de brasileiros, rezando em contrato que não poderá ser revendida à estrangeiros.
Sempre defendi que o Brasil deveria ter sua indústria automobilística.
O lucro dessas empresas automobilísticas estrangeiras vão para matriz enriquecer outro país, São os lucros das empresas investido no país que geram o desenvolvimento.
Frutos de planos “khazarianos” por seus multilaterais para tanto alçados, DESDE SEMPRE!
PS. Como não despertar ao perceber essa escrachada realidade!?
A sutileza é quase imperceptível, gerando até “partidários”!
As parcerias como as idealizadas com transferência de tecnologia, parecem o melhor caminho. Tipo a aquisição dos caças Gripen suecos ou a parceria com a França no caso de submarinos, coisas que muitos combateram ou ainda combatem, sem pensar em longo prazo..
Um dos erros da ditadura foi fechar o país para tecnologias estrangeiras, enquanto países asiáticos fizeram justamente o contrário.. Parcerias com transferência de tecnologia. Além, é claro de subsidiar as suas empresas.