Jorge Béja
A talentosa jornalista Miriam Leitão passou a ter direito, líquido e certo, para ir à Justiça Comum do Rio (uma das Varas Cíveis, por residir no Rio, fato que torna competente a Justiça de seu domicílio) e pedir reparação por dano moral contra o deputado Eduardo Bolsonaro.
O fato que gera para Miriam a reparação do dano moral é o vil ataque que o deputado cometeu contra a jornalista, referindo-se à tortura que Miriam sofreu na ditadura e, grávida aos 19 anos, ainda foi sido colocada nua numa cela escura, junto com uma jiboia.
DANOS DE TODA ORDEM – Advoguei por mais de 40 anos, sempre em defesa de vítimas de danos de toda ordem. Talvez seja até o pioneiro na defesa da reparabilidade do dano moral, puro e autônomo, como este sofrido por Miriam Leitão.
A luta e o empenho que tive por tantas décadas foram compensadores. Veio a Constituição Federal de 1988, e o que antes era polêmico e duvidoso (a reparabilidade do dano moral, ainda mais na forma pura e autônoma) foi, enfim, inserido na Carta, conforme se lê no artigo 5º V (“é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”).
E ainda, no mesmo artigo, nº X (“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”).
DUPLA AUTORIZAÇÃO – Se constata que em dois momentos, em duas passagens, a Constituição Federal oficializa, constitucionaliza e autoriza a busca e a reparação por dano moral. Assim, o que antes era duvidoso, quase sempre negado e pouquíssimas vezes concedido, tornou-se norma constitucional.
E neste episódio do ataque, do vilipêndio de Eduardo Bolsonaro contra Miriam Leitão não se vê possibilidade de defesa para o parlamentar. A imunidade que detém, por ser deputado federal, é exclusivamente no âmbito penal e desde que o delito seja cometido no exercício do mandato. No âmbito cível — e ainda mais fora do exercício do mandato — não há defesa para Eduardo Bolsonaro.
E já está mais do que provado que a pena pecuniária é a mais eficaz. Supera prisão ou tornozeleira, não é mesmo, deputado Daniel Silveira? Desobediente à ordem assinada por ministro da Suprema Corte, que assim decidiu a pedido da Procuradoria-Geral da República e não, voluntariamente, Silveira resistiu o quanto pôde. Mas quando o ministro, em razão da recalcitrância de Silveira, expediu ordem que ia aos poucos esvaziando o bolso do deputado e suas contas bancárias. E vendo e sentindo que ficaria sem um tostão, rapidinho, rapidinho, Silveira deu o pé para a colocação da tornozeleira.
Indenização elevada – Miriam Leitão, que só conheci, pessoalmente, quando, à noitinha, fui até à redação do O Globo, chamado por Ricardo Boechat, e Miriam estava sentada ao lado da mesa do jornalista e ela e eu nos cumprimentamos.
Miriam não deveria deixar passar em branco o reavivamento, com carga de deboche, da sua dolorosa prisão e tortura. É preciso que se faça justiça. E a maneira mais eficaz é uma ação reparatória do dano moral. E que não será de baixo valor, considerando a projeção social e política do ofensor e da ofendida e, mormente, a intensidade da ofensa.
Nenhuma pessoa tem o direito de relembrar ao vitimado a tragédia que um dia, numa época, a pessoa passou na vida. O vitimado sabe. O vitimado nunca esquece e sempre sente a dor. Dor que até se transmite aos familiares, principalmente aos filhos. É covardia fazer isso.