Charge do Céllus (Arquivo Google)
Carlos Newton
A grande imprensa exibe múltiplas versões sobre o comportamento dos militares no governo Bolsonaro. As diferenças de enfoque ocorrem entre comentaristas de direita e de esquerda. Como não há análises independentes de polarizações ou facções ideológicas, vamos tentar um exercício de teses inquestionáveis que possam conduzir a uma conclusão menos engajada, digamos assim..
1 A maioria dos militares detesta Lula da Silva, acha que é um enganador e mereceu as condenações por corrupção e lavagem de dinheiro.
2 Os militares apoiaram Bolsonaro por exclusão. Ficaram satisfeitos por ele ter contratado 6 mil deles para o governo, algo que não acontecera nem mesmo no regime de 64.
3 Bolsonaro lhes preservou a Previdência e elevou os salários às alturas. Diante desses benefícios, é óbvio, tinham de apoiá-lo.
4 Faziam restrições, é claro, às insanidades no combate à pandemia e nos erros da política externa, mas seguiam ao lado de Bolsonaro.
5 Ao mesmo tempo, não apoiavam as manobras do Supremo visando a libertar Lula e devolver-lhe os direitos políticos, para voltar à política.
6 Os militares apenas suportam Lula, cumprem as tarefas institucionais nos governos dele, mas têm o maior desprezo pelo petista.
###
MAIS TRÊS ITENS INQUESTIONÁVEIS
Foi nesse cenário que se travou a campanha eleitoral. Os militares não queriam Lula e a destruição da Lava Jato, com libertação até de Sérgio Cabral, como se não existissem limites para o Supremo, que agora quer cancelar as multas aceitas voluntariamente pelos empresários mais corruptos do mundo. O que os militares acham disso? Ficam indignados, é claro.
7 Na paranoia de enfrentar Lula, Bolsonaro passou o fazer campanha pelo voto impresso, que já fora aprovado três vezes no Congresso, mas o TSE derrubou uma das leis e o Supremo, as outras duas.
8 Esse argumento de Bolsonaro sensibilizava os militares e muitos civis, porque não há explicação para o repúdio do TSE e do STF ao voto impresso, não custava nada instalá-lo em parte das urnas, por amostragem.
9 Além disso, os países desenvolvidos continuam a desprezar a urna eletrônica, preferindo o voto impresso, o que sempre aumenta as suspeitas e desperta teorias conspiratórias.
###
CONFRONTO MILITAR COM O TSE
Até aqui, apresentamos nove teses inquestionáveis, não há como discuti-las. E com base nessas realidades, vamos seguir analisando a posição dos militares, a partir da fase em que Bolsonaro começou a temer pela derrota e passou a trabalhar a alternativa do golpe militar.
10 As críticas de Bolsonaro provocaram reações e o então presidente do TSE, Eduardo Fachin, convocou os embaixadores estrangeiros para denunciar que Bolsonaro ameaçava a democracia.
11 Essa atitude de Fachin não agradou aos militares e Bolsonaro fez o mesmo, convocando o corpo diplomático para falar mal do TSE e das urnas.
12 Para reduzir as suspeitas, o TSE, agora presidido por Luís Roberto Barroso, criou a Comissão de Transparência e incluiu representantes das Forças Armadas.
13 O Ministério da Defesa enviou uma série de perguntas ao TSE que foram sendo respondidas. Os técnicos militares não encontravam brechas e as relações se deterioraram.
###
PREPARAÇÃO PARA O GOLPE
A partir daí começa a preparação para o golpe, sem planejamento algum, no estilo faroeste caboclo. As adesões de generais da ativa eram mínimas. As trocas dos comandantes militares não deram resultado real, Lula venceu as eleições. O núcleo duro do Planalto então investiu na formação de acampamentos, as Forças Armadas permitiram essas manifestações, mas o golpe não evoluía no Alto Comando do Exército, que domina a situação. Quando ele se decide, Marinha e Aeronáutica apenas acompanham.
Com a derrota nas urnas. Bolsonaro saiu no país para fingir estar fora do golpe e temendo ser preso. Seus seguidores (Braga Netto & Cia) fizeram a primeira tentativa no dia 12 de dezembro. quando Lula foi diplomado. Mandaram os Kids Pretos invadir a sede da Polícia Federal, atacaram postos de gasolina, incendiaram carros e ônibus, caos nas ruas da capital, mas ninguém foi preso, o que mostra que a PM estava no esquema.
Depois, a ensandecida tentativa de explodir o caminhão de combustível no Aeroporto de Brasília, na véspera do Natal, mas fracassaram e foram presos.
###
NO DESESPERO, O VANDALISMO NOS PALÁCIOS – Veio o 8 de janeiro, os palácios foram invadidos e vandalizados. O presidente Lula não caiu na armadilha, desprezou a ajuda das Forças Armadas, e assim, sem decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), o golpe era natimorto.
Agora, querem punir os militares que participaram do planejamento do golpe que não houve. Ao invés de encerrar o episódio, como foi feito nas intentonas anteriores, desta vez querem punir os responsáveis, que são um grupo de generais de pijama já chegando e passando dos 70 anos e que não aguentam uma cuspida de bêbado.
Querem vingança, como se fosse justiça. Não percebem que essa insistência em prender os velhos generais pode não ser bem recebida pelos generais mais jovens, que nada têm a ver com o golpe. Por fim, o que o país ganha com a prisão dessas figuras sem honra, impiedosamente levadas ao ridículo, que é a pior das punições?
###
P.S. – As apurações precisam continuar, para aumentar a desmoralização desses falsos herois e divertir a plateia. Mas não é necessário haver prisão e acho que uma anistia futura cairia bem, na tradição brasileira, para tiraro da cadeia esses pés de chinelo. (C.N.)