Carlos Newton
No estilo de Martinho da Vila — devagar, devagarinho — o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, está impondo a famosa Lei do Mais Forte à Justiça brasileira. Tem sido assim desde que começou a tocar a investigação sobre milícias digitais, a partir de indícios da existência de uma organização criminosa, de forte atuação digital, com a finalidade de atentar contra a democracia e o Estado de Direito no país.
Trata-se do inquérito 4.874, aberto por Dias Tofolli em 2021, quando presidia o Supremo e que depois passou a ser conhecido como “Inquérito do Fim do Mundo”, porque não termina nunca e vai crescendo e anexando novas investigações sem parar.
AUTORITARISMO – Dois anos depois, não há menor dúvida de que Alexandre de Moraes tem usado de autoritarismo na condução deste inquérito inacabável, ao qual foram anexadas as investigações sobre o caso da joias, fraude em caderneta de vacinação, disseminação de desinformação durante a pandemia, invasão dos três Poderes e tentativa de golpe de estado.
Em situação de normalidade democrática, jamais se viu nada igual na Justiça brasileira. No resto do mundo, também. E agora Moraes acaba de negar à defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro e da ex-primeira-dama Michelle o acesso ao depoimento prestado pelo tenente-coronel Mauro Cid à Polícia Federal.
A justificativa de Moraes foi a existência do acordo de delação celebrado por Mauro Cid com a Polícia Federal e homologado pelo ministro do STF no último sábado. Mas tal argumentação não procede, Moraes não pode trafegar à margem da lei.
DITADURA DO SUPREMO – Assim vai-se consolidando a sensação de que — devagar, devagarinho — estamos entrando na chamada Ditadura do Supremo, cujos integrantes cada vez mais se julgam no direito de infringir as leis, especialmente os ritos processuais.
A legislação é clara e repetitiva. Os advogados Paulo Cunha Bueno e Daniel Bialski, que defendem Bolsonaro e Michelle, têm direito de ter acesso a todas as provas documentadas em procedimento investigatório, seja ele sigiloso ou não, conforme a Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal.
Na petição direcionada a Moraes, os advogados afirmam que os depoimentos “constituem elementos já efetivamente documentados” e pedem “acesso imediato a esses documentos”, além de sua inclusão nos autos do processo.
GARANTIA DE JUSTIÇA – A divulgação dos atos processuais é mais que uma regra, é uma garantia importante para o cidadão, pois permite o controle da Justiça por qualquer indivíduo.
Tal regra está prevista na Constituição, em seu artigo 5º, dedicado às garantias individuais, e também tem previsão legal no Código de Processo Civil, nos artigos 155 e 444.
E não adianta alegar segredo de Justiça, porque a defesa tem direito a acesso ao inquérito que esteja em segredo de justiça há mais de 30 dias, e o Inquérito do Fim do Mundo já ultrapassou todos os limites, parece um imenso camburão, onde podem ser amontoados todos os tipos de suspeitos, já denunciados como réus ou não.
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P.S. 1 – Uma pergunta que não quer calar é simples. Até quando Moraes vai descumprir as regras processuais impunemente, e sob aplausos de seus companheiros do Supremo, pois todos parecem apoiar esses descaminhos judiciais, digamos assim?
P.S.2 – “Que país é esse?”, também perguntariam em uníssono o político Francelino Pereira e o cantor Renato Russo. E nós teríamos de responder: “Por um lado, é o país da impunidade criminal; por outro, é a meca de licenciosidade jurídica”. Desculpem o desabafo, mas alguém tem de dizer alguma coisa. (C.N.)