Carlos Newton
Por mais que o ministro Alexandre de Moraes sonhe em prender Bolsonaro, acredita-se que não terá coragem para tanto, porque ainda não existe base legal. É público e notório que, em liberdade, Bolsonaro não representa ameaça de atrapalhar inquérito, muito pelo contrário. Livre, leve e solto, o ex-presidente é um risco muito maior para si mesmo, porque qualquer declaração sempre contribui para agravar sua situação como investigado.
Conforme já informei algumas vezes aqui na Tribuna, conheci Bolsonaro pessoalmente em 2007, quando tive uma importante reunião com ele na Câmara e lhe informei sobre uma grave ameaça à integridade territorial do Brasil. Apesar de ter explicado a situação duas vezes, pausadamente, tive certeza de que ele não compreendera meu relato. É justamente por causa dessa estreiteza mental que Bolsonaro sempre cria problemas para seus advogados, cada vez que tenta se defender.
IMPRESSIONANTE IGNORÂNCIA – Na entrevista que concedeu sexta-feira ao repórter Weslley Galzo, do Estadão, e que se tornou a principal matéria também no Jornal Nacional da TV Globo, Bolsonaro demonstrou sua impressionante ignorância acerca da legislação sobre presentes recebidos por presidentes da República, que até hoje dão problemas também a Lula da Silva e a Dilma Rousseff.
Na entrevista, disse ele, naquele seu atrapalhado linguajar: “A legislação é confusa. É de 1991, se não me engano. Tem uma portaria do final de 2018 no governo Temer, e ali está dito o que é personalíssimo, que quem disse que qualquer presente é personalíssimo ou não, é um órgão da Presidência. E tem começar por aí. Eu gostaria muito que vocês fizessem um jornalismo investigativo. Essa equipe que trabalha lá não é comissionada, são pessoas antigas”.
A legislação realmente era confusa e causou problemas. No caso de Lula, então, ele considerou como objetos personalíssimos também as estatuetas, espadas, adagas e outras peças valiosíssimas em ouro, platina e prata, com pedras preciosas e diamantes incrustados, e até hoje luta na Justiça para recuperá-las. Mas a legislação, desde 2018, com a Portaria 59 do governo Temer, não é mais confusa e define melhor que objetos são considerados personalíssimos.
DISSE BOLSONARO – Sobre a Portaria 59, opinou Bolsonaro: “Ela vale, pelo menos, até a data que ela ‘vigiu’. Agora, se eu tivesse má-fé, não teria… estaria preocupado com essa portaria”. E acrescentou: “Eu não vou entrar em detalhe. Quando a portaria é revogada, tem direito a uma vacância. O TCU fez um acórdão em 2016 que provoca o Parlamento para que uma decisão legislativa seja tomada para botar um ponto final nessas questões. Você pode ver, o Lula sofre até hoje com isso. Todos os ex-presidentes apanharam no tocante a isso aí. Eu tô nesse bolo”.
Uma bobagem atrás da outra, porque os conceitos da portaria continuam em vigor. Quando uma norma jurídica é revogada, sem que haja inconstitucionalidade, suas diretrizes continuam tendo efeito jurídico até serem substituídas. E ninguém informa Bolsonaro a respeito.
Outra asneira foi dizer que o TCU “provoca o Parlamento” para regulamentar a questão. Nunca houve isso. O TCU determinou que a “Casa Civil” baixasse portaria a respeito, e o governo Temer atendeu.
PERGUNTA CRETINA – Nesse ponto, vale indagar: Por que o governo Bolsonaro revogou a Portaria 59? Ora, foi apenas burrice, simplesmente isso. Como se sabe, sua gestão teve a pior assessoria jurídica da História Republicana. Desde o início, era comandada por Jorge Oliveira, um major da PM que se formou em Direito, mas nunca exerceu de fato a advocacia. No começo do governo, o Planalto nem sabia a diferença entre projeto, decreto e portaria, foi um vexame. Mesmo assim, com esses precários serviços prestados, Jorge Oliveira foi nomeado para o TCU, mas fez questão de continuar assessorando Bolsonaro informalmente.
Oliveira mandou revogar a importante Portaria 59, que define os presentes personalíssimos, mas não substituiu seus termos, que assim continuam tecnicamente em vigor. Portanto, está correta a afirmação de que Bolsonaro formou uma quadrilha para roubar o que já era seu, um típico caso policial de fazer inveja ao famoso inspetor Clouseau.
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P.S. – Se não tivesse tentado se apossar dos relógios, anéis, abotoaduras, colares, brincos, broches, canetas etc., que lhe pertenciam, pois tudo isso é considerado bens personalíssimos na Portaria 59, Bolsonaro estaria ainda mais rico e agindo dentro da lei, o que é novidade em sua carreira de rachadinhas e negócios em dinheiro vivo. Mas agora ele mesmo vem a público declarar que os bens não eram seus… Caramba! Quem é que pode entender um país como esse? (C.N.)