Um sujeito oculto na operação de resgate do Rolex dado a Bolsonaro pelos sauditas

PF consegue acesso aos dados de celulares apreendidos com Frederick Wassef

Wassef sonhava em ser famoso e acabou conseguindo…

Daniel Pereira
Veja

Em depoimento à Polícia Federal, cujo teor foi revelado com exclusividade por VEJA, Frederick Wassef, advogado de Jair Bolsonaro, disse que recomprou o Rolex de ouro branco dado ao ex-presidente pelo governo da Arábia Saudita, a pedido de Fabio Wajngarten, secretário de Comunicação da Presidência no governo passado e um dos advogados do ex-presidente no caso das joias.

Ele também detalhou o passo a passo da repatriação do bem. Segundo Wassef, depois de recomprar o relógio por 49 000 dólares numa loja no estado americano da Pensilvânia, ele ficou com o Rolex durante alguns dias em Nova York.

SERIA RECONHECIDO – Wajngarten teria lhe pedido para que embarcasse com o Rolex de volta para o Brasil, mas Wassef não aceitou sob a alegação de que era uma pessoa pública e poderia ser reconhecido. Ele acrescentou que, se embarcasse com o Rolex, entregaria o relógio à Receita Federal ao desembarcar.

Diante do impasse, Wajngarten acertou com Wassef que um brasileiro, conhecido do próprio Wajngarten, viajaria com o Rolex dos Estados Unidos para o Brasil.

À Polícia Federal, Wassef disse ter combinado com Wajngarten a entrega do relógio ao emissário do ex-secretário no estacionamento de uma loja Best Buy em Miami. Assim foi feito, e o encarregado trouxe o bem de volta ao Brasil.

NO SÍTIO DE ATIBAIA – No depoimento à PF, Wassef afirmou ainda ter recebido depois o relógio do tal emissário, que não soube dizer o nome, em seu famoso sítio em Atibaia, o mesmo em que foi preso Fabrício Queiroz, acusado ser o operador da rachadinha no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.

Poucos dias depois de receber o Rolex, Wassef repassou a encomenda a Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro — não na Hípica Paulista, como suspeitou de início a Polícia Federal, mas no aeroporto de Congonhas, momentos antes de o ex-ajudante de ordens embarcar para a Brasília.

Por orientação dos advogados do ex-presidente, o relógio foi devolvido ao poder público e hoje está hoje sob os cuidados da Caixa Econômica Federal.

CRIME E CASTIGO? – As defesas dos investigados pretendem contestar a tese da Polícia Federal de que houve crime na venda das joias. Alega-se, por exemplo, que não existe uma lei que defina de forma clara e cristalina qual presente deve ir para o acervo público e qual deve ir para o acervo pessoal do presidente (podendo ser vendido).

Um advogado familiarizado com o caso diz que, se for decidido que as joias não poderiam ser negociadas, haverá um esforço para diferenciar a conduta de quem comercializou o Rolex, e teria cometido um crime, de quem se esforçou para recuperá-lo e devolvê-lo ao patrimônio público, que não estaria sujeito a punição.

Por esse raciocínio, nem Wassef nem Wajngarten seriam condenados pela Justiça. Procurados, os dois não quiseram comentar o caso porque corre em sigilo.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
É tipo Piada do Ano, Tanto dinheiro gasto em investigações, a Polícia Federal recorreu até ao FBI, que deu uma bela ajuda, e tudo isso foi feito sem se saber se era crime vender o presente dos sauditas. Enquanto isso, Lula meteu no pulso o Piaget que ganhou dos franceses, anda com ele para cima e para baixo, e ninguém se interessa, porque não se sabe se é crime ou não. São coisas do Brasil. (C.N.)

Com Dino no Supremo, Lula escancara que a Corte se tornou um órgão político

Tribuna da Internet | Congresso está correto em tentar conter os exageros  que o Supremo vem cometendo

Charge do Bier (Arquivo Google)

William Waack
Estadão

Além do reconhecimento explícito de que o STF é uma instância política, a indicação de Flavio Dino como mais novo integrante da corte tem um simbolismo mais abrangente. porque Lula está reconhecendo que o Supremo é mesmo supremo, como instituição política.

Nesse sentido, as duas indicações – um novo ministro e um novo procurador-geral da República – são uma operação casada, que se ancora na compreensão que os ministros do STF têm do próprio papel e da instituição. Embora neguem, os integrantes da Corte acabaram se tornando agentes políticos com posturas “políticas” também no sentido mais amplo (no sentido de que se julgam intérpretes do que seriam consensos na sociedade).

ESPAÇO POLÍTICO – Os ministros encabeçam uma corporação muito ciosa e bem organizada na defesa de suas prerrogativas e privilégios. E, ao que tudo indica, extremamente ciosos na garantia do espaço político conquistado com mais ênfase ainda no período de Bolsonaro na Presidência. Caso clássico de gênio que não volta mais para a garrafa.

O grande problema no exercício desse espaço “político-institucional” na recente era de embate político, no qual o STF foi peça fundamental, era justamente o Ministério Público. Em vários momentos os ministros “articuladores” no STF esperaram do Procuradoria um fogo de cobertura que nunca veio.

Ao contrário: o antigo PGR Augusto Aras desenvolveu por Alexandre de Moraes, o ponta de lança no embate político, o mesmo tipo de antagonismo que já existira em outros tempos entre Janot e Gilmar Mendes.

NOME PERFEITO – A operação casada no momento elimina o risco de o STF ficar “sozinho na chuva”, como se sentiu sob Bolsonaro. Nesse sentido, ao contemplar uma indicação para o PGR trazida por dois ministros centrais nas constelações do STF, Lula encontrou um nome técnico perfeito com excelente trânsito nas esferas dos tribunais superiores.

O problema do STF como instância política é sobejamente conhecido por Lula, mas ele considera que, no momento, essas circunstâncias jogam a seu favor. O risco é alto, pois o fator de “união” dos onze integrantes do Supremo – as depredações institucionais de Bolsonaro – deixou de existir, o que sugere que maiorias serão compostas de caso a caso.

Em relação ao Ministério Público, o que Lula terá de enfrentar é até mais abrangente do que ocorre com o STF como instância política. Trata-se de outra poderosa corporação que também não aceita perder privilégios e, principalmente, espaços de atuação. O ambiente sempre foi altamente politizado, e com peso na própria governabilidade da instituição. Às duas instituições Lula entregou o bem bolado que queriam. À espera de muita retribuição.

Proposta anarcodiplomática feita por Lula em Dubai é ruim e tem algo de ridículo

Lula: países ricos transferem aos pobres custo da transição ecológica

Lula reclamou dos países ricos e fez uma proposta patética

Elio Gaspari
O Globo/Folha

Javier Milei é classificado como um anarcocapitalista. Em Dubai, Lula lançou a sua anarcodiplomacia ao propor uma “governança global” para as questões ambientais. Algo como um superpoder mundial.

Nas suas palavras: “Nós precisamos ter uma governança global para ajudar a cuidar do planeta. Porque, se você toma uma decisão qualquer em benefício do mundo e ela tiver que votar internamente pelo seu Congresso Nacional, significa que ninguém vai cumprir”.

TESE DISPARATADA -Se a Liga das Nações naufragou no século 20, e a ONU não consegue impor suas decisões no 21, Lula quer resolver o problema com uma nova governança. Ele, que condena de maneira geral a aplicação de sanções internacionais a países que desrespeitam direitos humanos, quer uma nova governança para a defesa de vegetais e contenção dos gases.

O Sol vai congelar antes que cidadãos americanos, russos ou chineses aceitem que uma instituição supranacional se meta nas suas vidas. Lula, por exemplo, não é um aliado do Tribunal Penal Internacional.

O anarcodiplomata defende soluções fantásticas, sabendo que são inviáveis. Para um presidente que já defendeu votos secretos para ministros do Supremo Tribunal Federal, a proposta anarcodiplomática de Lula é ruim por inviável. Infelizmente, como as falas de Milei com seus cachorros, tem algo de ridículo.

LEMBRANDO KISSINGER – Henry Kissinger morreu aos 100 anos. Ele foi o primeiro em muitas coisas. Foi o primeiro professor de Harvard a se tornar um conselheiro de 12 presidentes americanos. Foi o primeiro alemão a se tornar secretário de Estado e foi o primeiro diplomata elevado à condição de celebridade pop.

Foi também o primeiro de sua espécie a conviver com a revelação dos segredos de sua diplomacia. Nisso, faltou-lhe sorte.

Num exemplo de jornalismo de alta qualidade, o repórter David Sanger dedicou-lhe um extenso obituário no New York Times, colocou cada pedra no seu lugar e encolheu-lhe o pedestal. Seu texto clama por alguém que o traduza para o português.

Decisão de Lewandowski sobre estatais foi um retrocesso realmente inaceitável

O ministro Ricardo Lewandowski mudou a lei das estatais e volrou a permitir que politicos sejam contratados para as empresas

Antes de deixar o Supremo, Lewandowski fez a lambança

Merval Pereira
O Globo

A autorização do Conselho de Administração e da Diretoria da Petrobras para mudança no estatuto da empresa, destinada a facilitar a nomeação de políticos para cargos executivos, é um movimento que já estava em curso antes, desde que ministro Ricardo Lewandowski deu um voto monocrático mudando a lei das estatais, aceitando uma brecha ´para que políticos fossem indicados para cargos.

Foi um retrocesso, e indicava a intenção de voltar a ideia de que políticos devem ocupar diretorias, nas mesmo depois do que aconteceu no petrolão.

ESTRATÉGIA DO PT – Tudo é consequência desta estratégia, que o PT sempre defendeu. O partido jamais abriu mão de atuar nas estatais, especialmente, nos fundos de pensão dessas empresas, para controlar a direção e recursos financeiros, a fim de orientá-los no sentido partidário.

Não é uma novidade, é um retrocesso já previsto e lamentável. Lamentável que o PT continue com essa visão estadista que tem que controlar todos os setores da economia. Já deu errado e vai dar de novo.

A ideia de capitalismo de Estado é uma ideia do PT que não se coaduna com o ocidente, com a ideia de uma economia aberta.

OUTRO RETROCESSO – A divisão dos cargos entre os partidos da base aliada é outro retrocesso político violentíssimo, produzido pelo centrão, que controla o congresso e tem apoio do PT, que adota estas relações partidárias para governar.

É o famoso caso do ex-deputado Severino Cavalcanti, que disse que queria a diretoria da Petrobras “que fura poço”.

O pior é que essas coisas voltaram a acontecer e as pessoas defendem como se fossem a coisa mais natural do mundo. Perderam o pudor completamente. O final disso não é muito bom.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOGCorretíssimo o artigo de Merval Pereira,  Em decisão monocrática, Lewandowski fez uma tremenda lambança, para ajudar Lula e o PT. O Supremo deveria rever essa decisão monocrática, o mais rápido possível. O pior é que Lewandowski é cotado para ser ministro da Justiça, vejam a que ponto chegamos. Mas quem se interessa? (C.N.)

“Quem vai plantar o planeta outra vez?”, perguntavam Paulino Tapajós e Mú Carvalho

Paulinho Tapajós e Mú Carvalho (A Cor do Som) - Coisas do Coração - YouTube

Mú Carvalho e Paulinho Tapajós

Paulo Peres
Poemas & Canções

O arquiteto, produtor musical, escritor, cantor e compositor carioca Paulo Tapajós Gomes Filho (1945-2013), a música “Aos Povos da Florestas”, em parceria com Mú Carvalho, do Grupo A Cor do Som, gravada em 1976, já denunciava o aumento da perseguição às nações indígenas e a progressiva destruição do meio ambiente.

AOS POVOS DA FLORESTA
Mú Carvalho e Paulinho Tapajós

Por onde andam os índios desta terra?
O que era deles não é mais
Os homens invadiram as florestas
Como filhos que expulsam seus pais
Onde colher flores silvestres?
Queimaram os matagais
Secaram o chão
Prenderam águas, cachoeiras
Poluíram céu e mar
Sangraram o chão
O que será da terra?
O que será de nós?
Quem vai plantar o planeta outra vez?
Talvez os nossos peixes
Ou quem sabe os animais
Porque os homens só se esforçam por querer
Muita fama riqueza e poder
Sangraram o chão
O que será da terra?
O que será de nós?
Quem vai plantar o planeta outra vez?
Mas o verde vai voltar num sonho de criança
Que há de lembrar a cor da esperança 

PT entre solidariedade e silêncio diante das “rachadinhas” do deputado Janones

O deputado André Janones desistiu de se lançar como candidato a presidente em 2022 para apoiar Lula.

Janones teve forte participação da campanha de Lula

Francisco Leali
Estadão

O mais virulento e aguerrido aliado do presidente Lula da Silva durante a campanha de 2022 está nas cordas. O deputado André Janones (Avante-MG) foi acusado por ex-funcionários de cobrar parte do salário de quem trabalhava em seu gabinete na Câmara dos Deputados. No jargão político, praticou a “rachadinha”. O nome que serve de eufemismo para o ato de se apropriar de recursos de origem pública é carimbo que até agora só a família do ex-presidente Jair Bolsonaro carregava. Agora, Janones é que tem que se explicar.

Arguto no linguajar das redes, ele anda tentando virar o jogo. Postou mensagens e até convocou seus “soldados” para defendê-lo. Uma busca por Janones em rede social, no entanto, só elenca torpedos vindos da oposição bolsonarista. O próprio ex-presidente já se encarregou de assumir a liderança no enfrentamento ao deputado mineiro propondo ação contra ele pela mesma prática criminosa de que os Bolsonaros já foram acusados.

LIGADO A LULA – A briga ficaria por ai, entre lados que se odeiam, se não fosse por um pequeno grande detalhe. Janones foi aliado de Lula na campanha e continua sendo aliado do PT. Os petistas, no entanto, parecem majoritamente calados. Deixam o deputado arder nas redes consumido pela acusação e pelo áudio em que aparece falando com assessores e cobrando a redivisão do salário pago pela Câmara para pagar dívidas.

O silêncio petista só não é total porque no topo da pirâmide do partido Janones tem sido acolhido. Coube à presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, sair publicamente em defesa do aliado. Fez isso mais de uma vez. Na última, disse que a “extrema-direita não perdoa” Janones por sua atuação política.

A solidariedade de Gleisi e o silêncio dos demais falam bastante. O PT é devedor do deputado que se encarregou de enfrentar, postagem por postagem, os conteúdos que Bolsonaro e os seus disseminaram na campanha. Em certo momento, a estratégia de Janones foi tão efetiva que era possível ver o jogo invertido com os bolsonaristas indo para defensiva diante do que o deputado também espalhava nas redes.

É RACHADISTA – Mas boa parte dos petistas, até agora, preferiu não entrar nessa. Quem ouviu a gravação de Janones falando com seus assessores não tem como não enquadrar o diálogo como um “rachadinês”.

Ainda que o deputado sustente que, na verdade, as despesas de campanha que queria saldar com a ajuda dos assessores foram contraídas pelos mesmos assessores que atuaram com ele em prol da sua eleição a prefeito em 2006, fica difícil de compreender.

Afinal, a fonte dos recursos é salário. Quem paga é a Câmara. E quando o chefe imediato pede de volta parte da remuneração tem-se a tal “rachadinha”.

Deputados querem criar uma comissão para acompanhar os presos por atos golpistas

Perfil: quem é Filipe Barros, deputado federal bolsonarista

Filipe Barros ficou impressionado com a morte de um presos

Karina Ferreira
Estadão

O deputado federal Filipe Barros (PL-PR) protocolou na quinta-feira, dia 30, um requerimento para a criação de uma comissão externa na Câmara dos Deputados, com o objetivo de verificar as condições dos suspeitos que foram presos por envolvimento nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Os detidos foram encaminhados para o Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília.

No pedido, o parlamentar cita como justificativa para instauração da comissão a morte de Cleriston Pereira da Cunha, de 46 anos, que estava preso na penitenciária desde janeiro por suspeita de participar dos ataques às sedes dos Três Poderes.

MAL SÚBITO – Cleriston Cunha unha morreu no dia 20 de novembro após sofrer um mal súbito enquanto tomava banho de sol na prisão. Sua defesa há tinha pedido diversas vezes a prisão domiciliar, devido ao precário estado de saúde, com risco de morte, a Procuradoria-Geral da República foi a favor, mas o relator Alexandre de Moraes não deu resposta.

O deputado Filipe Barros destacou ainda que recebeu diversas denúncias relacionadas a supostas violações dos direitos humanos contra os outros presos, situações que poderiam ser apuradas pela comissão da Câmara.

Outro requerimento já tinha sido apresentado pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), no último dia 21, à Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial.

REGIME DE URGÊNCIA , Nikolas Ferreira  e outros oito deputados pedem a realização de uma visita técnica, em regime de urgência, para apurar as condições de saúde física e psicológica dos presos.

No novo requerimento, também assinado por Nikolas, a comissão acompanharia os presos a longo prazo. Além dos parlamentares, assinaram o pedido os deputados André Fernandes (PL-CE), Mauricio Marcon (Podemos-RS), Rodrigo Valadares (União-SE), Alexandre Ramagem (PL-RJ) e Evair de Melo (PP-ES).

No último domingo, dia 26, centenas de bolsonaristas se reuniram na Avenida Paulista, em protesto em reação à morte de Cleriston. O ato foi convocado pelo pastor Silas Malafaia e pelo senador Magno Malta (PL-ES).

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
– É justo e necessário haver esse acompanhamento por uma comissão da Câmara. Depois da morte de Cleriston, o relator Alexandre de Moraes já soltou diversos presos. Ao que parece, o ministro reconheceu o erro e não quer repeti-lo. Então, que assim seja. Uma coisa é prender um suspeito; outra coisa bem diferente é condená-lo à morte antes de haver julgamento e sem que exista pena capital no país. (C.N.)

Enfim, existem decisões monocráticas de vários tipos, é questão de conversar…

Tribuna da Internet | Deputados compartilham por WhatsApp uma mensagem com  críticas ao Supremo

Charge do Tacho (Jornal NH)

Carlos Alberto Sardenberg
O Globo

Conta nossa colega Malu Gaspar, em seu blog no Globo, que o presidente Lula recebeu para jantar três ministros do Supremo na última quinta-feira. Assunto: a aprovação pelo Senado de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita a tomada de decisões monocráticas pelos juízes da Corte.

Os ministros detestaram a decisão do Senado. Querem manter seu poder. Obviamente estavam no Alvorada para reclamar da desarticulação do governo Lula, que era contra aquela PEC. Esses encontros e articulações são considerados normais em Brasília. Seriam?

PROMISCUIDADES – Os ministros do STF, Corte constitucional, a toda hora têm nas suas mesas temas que interessam ao governo, ao Congresso e aos políticos, como pessoas físicas. Tudo bem que se encontrem em jantares, festas e viagens?

Também se sabe que negociam projetos de lei, programas de governo, decisões judiciais. De novo, em Brasília se diz que simplesmente estão fazendo política. Mesmo?

É normal, republicano, que um ministro do STF proponha um projeto de lei a um parlamentar, sendo que esse projeto e o próprio parlamentar podem eventualmente cair nas barras da Corte? É verdade que o pessoal lá se acerta. Mudam de lado e de opinião com incrível facilidade.

CONVÉM LEMBRAR – Gilmar Mendes, decano do Supremo, estava no jantar de quinta-feira. O mesmo Gilmar que, anos atrás, em decisão monocrática, impediu que Lula assumisse o cargo de ministro da presidente Dilma. Se assumisse, provavelmente não teria sido preso, nem Dilma impedida. Depois, com forte impulso de Gilmar, o STF desmontou toda a Lava-Jato e pôs em marcha a onda de livrar todo mundo que havia sido condenado.

O motivo da recente crise política está justamente na PEC do Senado, que coíbe as decisões monocráticas. Ora, a limitação faz todo o sentido.

O escritor, advogado, jurista e ex-ministro da Justiça José Paulo Cavalcanti Filho nota que nosso STF é o único no mundo em que decisões monocráticas são normais. Pior, formam a maior parte das decisões.

NUMA CANETADA… – Dá nisso: um presidente da República, eleito regularmente, escolhe um ministro, e um juiz da Suprema Corte, um único, diz que não pode? Mais: Câmara e Senado aprovam uma lei, sancionada pelo presidente da República. E um único ministro da Corte cancela tudo numa canetada?

Tem de ser decisão colegiada, como é no mundo civilizado. Ocorre que os senadores não aprovaram a PEC com base nessas argumentações, afinal conhecidas e debatidas há muito tempo.

Aprovaram para dar um recado ao Supremo, um troco por entenderem que o STF se intromete demais nos assuntos do Congresso. O que também é verdade.

EIS AONDE CHEGAMOS – Uma roupagem solene, data venia pra cá, ex officio pra lá, escondendo conversas ao pé do ouvido em encontros longe, muito longe do distinto eleitor. Verdade que às vezes se excedem.

Gilmar chamou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um homem de quase 2 metros, de “pigmeu moral”. O senador rebateu, duro. Ficou ruim. Mas eles seguem os ensinamentos de Tancredo Neves, que recomendava: “Não guarde o rancor na geladeira, mas não esqueça”.

Aguardem os próximos embates. Tem mais. Segundo participantes do jantar de quinta-feira contaram a Malu Gaspar, o presidente Lula disse aos convidados (Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes, além de Gilmar) que não sabia de nada. Não sabia que a PEC tramitava, que fora aprovada, nem que o líder do governo, Jaques Wagner, votara a favor.

NÃO SABIA DE NADA? – O presidente dedica grande parte de seu tempo à busca de um protagonismo global — até aqui, aliás, sem sucesso. Mas, caramba, saber por último de uma treta Senado x STF?

E assim a PEC caiu no colo do presidente da Câmara, Arthur Lira, responsável por colocá-la em votação ou deixar na gaveta. Com que critérios decidirá? Lira tem pendências na Corte. Não faz muito, Gilmar Mendes, em decisão monocrática, livrou-o de um processo em que é acusado de corrupção. Não houve absolvição. O processo foi cancelado, argumentou o ministro, porque estava na instância errada.

Enfim, há decisões monocráticas para diversas serventias. É questão de conversar.

Lula pede mobilização contra o Congresso, por agir como “raposa no galinheiro”

Na COP28, Lula diz que Brasil participará da Opep+ para convencer  produtores que combustíveis fósseis chegarão ao fim | CNN Brasil

Lula ofendeu os parlamentares e pediu pressão sobre eles

Paula Ferreira
Estadão

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu que seu veto a trechos do projeto de lei que fixa o marco temporal das terras indígenas pode ser derrubado pelo Congresso. Em reunião com representantes de 135 entidades da sociedade civil brasileiras em Dubai onde participa da Cúpula do Clima (Cop-28,) Lula cobrou mobilização para evitar que “a raposa tome conta do galinheiro” no Legislativo e também no Executivo.

Durante o encontro, o presidente argumentou que é preciso que representantes dos movimentos sociais entrem na política para ocupar espaços de decisão. Lula fica em Dubai até a manhã de domingo (madrugada no Brasil), de onde segue para a Alemanha, onde encontra com o primeiro-ministro, Olaf Scholz, e com o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier.

“A gente tem que se preparar para entender que ou nós construímos uma força democrática capaz de ganhar o poder Legislativo, o poder Executivo, e fazer a transformação que vocês querem, ou nós vamos ver acontecer o que aconteceu com o marco temporal. Querer que uma raposa tome conta do nosso galinheiro é acreditar demais. E nós temos que ter consciência do papel da politica que a gente tem que fazer”, afirmou Lula.

CONTRA RETROCESSOS – Lula disse ainda que é preciso que a sociedade civil se mobilize no Congresso para barrar decisões que gerem retrocesso nas políticas públicas. O discurso do presidente ocorre em meio a dificuldades que o governo petista tem tido para fazer avançar suas pautas no Legislativo.

Lula já teve uma indicação para a Defensoria Público rejeitado pelo Senado. Agora, tem o nome de Flávio Dino para assumir vaga no STF e base de apoio trabalha para que o resultado não se repita. Levantamento feito pelo Estadão mostrou que na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Dino já tem apoio declarado de metade dos votos necessários.

A gestão petista também segue dependente dos movimentos do presidente da Câmara, Arthur Lira que anda disposto a incluir no orçamento mecanismo para assegurar que à cúpula da Casa maior ingerência sobre distribuição dos recursos do Orçamento da União.

CONTRA O MARCO – Em Dubai, o presidente voltou a citar o marco temporal como exemplo da dificuldade em ver pautas da esquerda avançarem e admitiu a possibilidade de derrubada de veto no Congresso. Além de Lula, também falaram na reunião quatro representantes da sociedade civil: Dinaman Tuxá, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib); Kátia Penha, ativista ambiental quilombola; Marcele Oliveira, que representou a juventude brasileira; e Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

“É só olhar a geopolítica do Congresso Nacional que vocês sabiam que a única chance que a gente tinha era o que foi votado na Suprema Corte. E é por isso que a gente corre risco de derrubar o veto”, disse.

O presidente vetou trecho de projeto de lei do Congresso que estabelecia a tese na qual os povos indígenas só teriam direito a terras que estivessem ocupadas na data da promulgação da Constituição de 1988. A tese foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro. O veto de Lula à parte da proposta já deveria ter sido apreciado pelos senadores, mas ainda aguarda o agendamento da sessão.

CONVENCER OS CARAS – “É preciso tentar convencer os caras a não derrubar o veto, deixem os nossos indígenas quietos, que eles só querem viver bem. Isso é negociação, vocês precisam ter noção do que a gente precisa fazer. E fazer a cada dia mais”, defendeu Lula.

Na volta da viagem ao exterior, o governo já conta com a votação do veto ao marco temporal. O tema está na pauta de sessão do Congresso. Essa sessão reúne deputados e senadores. Para a derrubada do veto presidencial são necessários os votos de 257 deputados e 41 senadores. Caso o veto seja derrubado no Legislativo, ainda caberia recorrer ao Supremo Tribunal Federal já que a Corte havia julgado o marco temporal inconstitucional.

No encontro com a sociedade civil, Lula foi cobrado por suas promessas aos povos indígenas. As lideranças têm reclamado que o presidente não está cumprimento com o ritmo de demarcações de terras.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Lula não está nada bem. Com essa entrevista, comprou desnecessariamente uma briga feia com o Congresso. Chamou os representantes do povo de “os caras” e completou: “Querer que uma raposa tome conta do nosso galinheiro é acreditar demais”. O que Lula pensa que pode ganhar ofendendo os parlamentares que compõem a base aliada e conclamando a sociedade civil a enfrenta-los? Usando o linguajar do socialista refinado, podemos dizer que “o cara pirou”. Depois voltaremos ao assunto, que é importantíssimo e pode agravar ainda mais a crise institucional. (C.N.)

Banco Mundial aponta os obstáculos que vêm atrasando o desenvolvimento do país

Ilustração de boletim do Banco Mundial

Ilustração do relatório do Banco Mundial

Shireen Mahdi
Folha

É difícil manter o olhar no horizonte quando sabemos que diversas armadilhas ameaçam nossos próximos passos. Esse é um dos dilemas enfrentados por formuladores de políticas públicas, que, muitas vezes, têm de se concentrar em questões urgentes e imediatas, que lhes deixam pouco espaço para se preparar para o futuro.

“O Brasil do Futuro”, uma publicação do Banco Mundial lançada este mês, pretende resolver essa questão ao adotar uma visão de longo prazo. Em reconhecimento do papel dos legados históricos na definição da configuração socioeconômica do Brasil de hoje, o estudo mantém o olhar num futuro mais distante e identifica algumas megatendências que impedem a plena realização do Brasil do futuro. Três dessas megatendências se destacam:

ENVELHECIMENTO – O Brasil corre o risco de envelhecer antes de enriquecer. A porcentagem de jovens no Brasil deve diminuir rapidamente nas próximas décadas. Em 1950, 52% da população brasileira tinha até 19 anos de idade, ao passo que, em 2020, essa parcela caiu para 28%, e deve chegar a 22% em 2042.

Em termos absolutos, isso representará um declínio de 13% da população jovem nos próximos 20 anos, o que gerará impactos profundos nos mercados de trabalho e nos sistemas previdenciário, educacional e sanitário.

A segunda megatendência tem a ver com as disrupções tecnológicas no mundo do trabalho. Cerca de 25% dos brasileiros ainda não tiveram acesso à Terceira Revolução Industrial e apenas 4% atuam em setores que já adotam tecnologias avançadas 4.0 —muito abaixo dos cerca de 20% observados em benchmarks internacionais.

GANHOS DE BEM-ESTAR – As mudanças tecnológicas podem acelerar os ganhos de bem-estar, se o acesso digital e as capacidades tecnológicas se tornarem mais acessíveis para todos, mas também podem agravar a desigualdade e a exclusão tecnológica se o acesso e as competências digitais não evoluírem a um ritmo muito mais rápido.

A terceira megatendência tem a ver com o impacto das mudanças climáticas nas famílias brasileiras. Cerca de três em cada dez indivíduos vivem numa situação de alta vulnerabilidade socioeconômica ou alta vulnerabilidade ambiental.

Aproximadamente 19% dos brasileiros residem em municípios considerados de alto risco ambiental. A agricultura e a energia hidrelétrica, dois setores cruciais para a economia nacional, também estão cada vez mais vulneráveis às mudanças climáticas, o que gerará impactos para as famílias.

FALTA CONFIANÇA – Essas megatendências (ou megarriscos, dependendo do ponto de vista) afetam as relações (e a confiança) entre os cidadãos e o Estado. O sistema de coesão social está sob pressão, tendo sofrido uma erosão significativa desde os “anos dourados” da década de 2000.

A polarização política atingiu novos patamares, ao passo que a confiança do público permanece baixa em comparação a padrões globais.

Vale lembrar que a confiança é fundamental para o planejamento futuro: as pessoas que confiam nas instituições públicas têm horizontes de planejamento de mais longo prazo. A ausência disso resulta numa base fraca para investimentos, tanto em nível individual quanto para a sociedade em geral.

MAIS DIFICULDADES – Os desafios enfrentados pelo Brasil evoluirão nas próximas décadas. Isso é natural. Todavia, se as políticas públicas não se concentrarem nos obstáculos de longo prazo, esses desafios também se tornarão mais profundos.

A sociedade deve buscar um equilíbrio entre o presente e o futuro para que o Brasil possa construir um círculo virtuoso duradouro rumo à produtividade, à inclusão e à sustentabilidade.

Além disso, é necessário reposicionar os debates políticos, que tendem a se concentrar em benefícios de curto prazo e, muitas vezes, respondem apenas às exigências e interesses de grupos específicos, em vez de ganhos de longo prazo.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Excelente análise. Shireen Mahdi é a economista responsável no Banco Mundial pelos estudos permanentes sobre o desenvolvimento brasileiro. (C.N.)

Eleição em São Paulo será uma “disputa de rejeições”, semelhante a Milei contra Massa

Greve vira munição de Nunes e vidraça de Boulos para 2024 - 04/10/2023 - Poder - Folha

Rejeição a Boulos e Nunes podera favorecer Tabata e Kim

Eliane Cantanhêde

A quem as greves de São Paulo ajudam? Olhando de fora, ao longe, parecem dar palanque ao governador Tarcísio de Freitas e a seu candidato à Prefeitura no ano que vem, o atual prefeito Ricardo Nunes. Uma coisa é certa: para o favorito na eleição, deputado Guilherme Boulos, que tem apoio da esquerda e do presidente Lula, é que não. Ao mesmo tempo, a também deputada Tabata Amaral vai treinando a voz e o discurso para entrar na campanha e o ex-ministro Ricardo Salles usa o momento para massificar seu nome.

Com as devidas vênias, todo respeito e as óbvias diferenças, a eleição na principal cidade do País pode repetir a Argentina, que viveu um festival de rejeição, com Sérgio Massa, justamente ministro da Economia em meio ao caos, contra Javier Milei, o neófito, que grotescamente pintou e bordou a realidade ao gosto do marketing e das pesquisas de opinião.

TUCANOS ÓRFÃOS – Em São Paulo, é quase um Massa X Milei, com um fator pairando no ar: a busca do eleitor órfão do PSDB, que está no alvo de Tabata e pode ir para um lado, para outro ou para lado nenhum.

Ricardo Nunes é um prefeito que caiu de paraquedas na chapa de Bruno Covas, assumiu com a morte dele e criou um “slogan” que ouvi de políticos, jornalistas, taxistas e porteiros: um prefeito que tem um caminhão de dinheiro em caixa, mas não tem um plano para gastar.

Já Guilherme Boulos tem uma boa história de vida, já foi testado em eleições e tem mandato em Brasília, mas é visto, inclusive pela mesma turma que critica Nunes, como um “esquerdista” um tanto juvenil, cheio de compromissos com sua turma e que vai, por exemplo, deixar a Cracolândia rolar.

ESTRANGULAMENTO – Esse Milei X Massa replica um estrangulamento do centro no mundo todo, o cansaço com os políticos tradicionais e um colapso de lideranças que se estende por todos os setores da sociedade, desde o Congresso até as finanças, o empresariado, a Igreja, as entidades representativas.

E aí chegamos a uma renovação curiosa, a comprovar que renovação não é sempre positiva. Quem Tarcísio e a direita têm em São Paulo além de Ricardo Nunes? E Lula, o PT e as esquerdas, além de Boulos?

Como regra, o interior do Estado é considerado “mais conservador” e a capital, “mais progressista”, e o principal fator da corrida municipal de 2026 continua sendo a polarização nacional e o embate entre esquerda e direita, lulismo e bolsonarismo. No Estado, a vitória foi de Tarcísio/Bolsonaro. E na capital? Tudo indica que vai prevalecer o embate entre rejeições, o voto “não”, contra um, contra outro.

MARCA NA CAMPANHA – É assim que, fazer greve a esta altura, parando trem e metrô, pode até não funcionar e impactar pouco a cidade, mas deixa marca na campanha. O eleitorado não ideológico não quer saber de direita ou esquerda, quer saber de ordem, das coisas funcionando e de chegar rápido em casa, no trabalho e nas lojas, com dezembro começando e o Natal logo ali.

A expectativa, ou temor, de que São Paulo parasse com a greve não se confirmou. Pelo contrário, o trânsito fluiu, as pessoas iam e viam e os tumultos foram pontuais.

Mas Tarcísio passou toda a terça-feira capitalizando, de entrevista em entrevista, a TVs, rádios, jornais, divulgando seu plano de privatização e deixando enraizar a percepção – não interessa de verdadeira ou não – de que, com a turma de Boulos na prefeitura, vai ser uma greve atrás da outra, atazanando a vida das pessoas. Ou seja, faz do limão uma limonada.

RUIM PARA BOULOS – E onde estava Boulos? Sempre do lado de greves e manifestações, me parece (novamente lembrando que estou fora, de longe) que nem capitalizou, nem condenou, nem ganhou palanque, discurso e visibilidade.

Certamente, as pesquisas de seu grupo de apoio mostraram que seria um jogo de perde-perde. Virar as costas ao movimento seria contrariar a própria base, mas aderir seria amplificar o temor da maioria: de que São Paulo vire um caos. Em campanhas, o que vale são percepções, impressões e temores.

A eleição da “joia da coroa”, portanto, nem vai ser animada, eletrizante e com excelentes debates, como se viu durante décadas. A previsão é que seja apenas um sinal dos tempos: cheia de incerteza, ataques, uma guerra de rejeições.

No Brasil há fábricas de “crises de vapor”, que surgem, criam tensão e logo somem

Charge: em tempos de crise no Brasil, as insatisfações são generalizadas -  Piauí - Portal O Dia

Charge reproduzida de O Dia

Elio Gaspari
O Globo/Folha

Lula vai para o final do seu primeiro ano de governo favorecido por crises que produzem apenas vapor. Os melhores exemplos desse fenômeno estão em três episódios distintos. O primeiro apareceu nas primeiras semanas de janeiro, quando começaram os ataques despropositados do governo contra o Banco Central. Por pouco não descambaram para insultos pessoais contra o presidente do BC, Roberto Campos Neto.

Quando a grita começou, os juros estavam em 13,75% ao ano. Passaram-se dez meses, eles estão em 12,25%, sem barulho algum. A zanga tinha muito teatro e pouca convicção.

JOIAS SAUDITAS – Outro é o caso das joias sauditas. Ele vem do governo Bolsonaro, reaparece, esquenta o clima e some até sua próxima aparição. Há dias veio a informação de que o governo americano colabora na investigação. Desde o início sabe-se que Bolsonaro embolsou joias e relógios da Viúva.

O terceiro caso é mais complexo. Trata-se da dificuldade numérica e constitucional que obriga o Planalto a negociar com a Câmara dos Deputados, onde o doutor Arthur Lira controla seu poderoso bloco.

Desde janeiro, a cada mês aparecem notícias de operações esquisitas envolvendo-o. Elas surgem, somem e voltam. Além disso, a cada desentendimento vem a ameaça de que Lira trancará a pauta de seu latifúndio. A cada dois meses toca-se esse realejo. Nisso, o essencial vai para o fundo da cena.

LEI DA GRAVIDADE – A fritura da presidente da Caixa Econômica foi percebida em junho. Quando ela caiu, em outubro, pareceu consequência da lei da gravidade.

A zanga com os juros e as recaídas com o caso das joias foram trovões. A entrega da Caixa foi um raio que caiu em cima de um dos maiores bancos do país.

A bola da vez é a forma que adquiriu a disputa entre o Senado e o Supremo Tribunal Federal. O governo e Lula estão tecnicamente fora desse ringue. O Senado aprovou uma emenda constitucional que limita os poderes monocráticos dos ministros do STF. Do Supremo vieram brados de que lá não há covardes. Quem falou nisso? Em seguida, surgiram rumores de que, no tribunal, alguém falou em “fim da lua de mel” com o Planalto. Piorou.

BATE-BOCA – Até as vidraças do STF sabem que a PEC do Senado precisa passar pela Câmara, onde está o filtro de Arthur Lira. O que poderia ser um debate produtivo foi transformado em vaporoso bate-boca.

Essa distorção está no código genético de alguns ministros do Supremo, encantados com a própria projeção. Prova disso é que nenhum deles reclama quando se diz que fulano ou cicrano foi para tal vaga porque tinha o ministro A ou B como padrinho. Deputados e senadores convivem com projeções e palanques. Magistrados podem evitá-las.

Todas as tensões surgidas no primeiro ano de Lula cabem numa só passagem de Bolsonaro pelo cercadinho do Alvorada. Depois de quatro anos de provocações, Lula fechará o ano com o mérito de ter distendido as relações políticas. Mesmo assim, o capitão reformado parece ter deixado algo do seu estilo no entorno do Planalto e na sensibilidade do Judiciário. As crises inúteis são apenas inúteis e servem, quando muito, para soprar as vaidades quem se mete nelas.

Acidente na mina da Braskem virou pano de fundo das acusações entre Lira e Renan

Maceió - Lagoa Mundaú | . Com área de 23 quilômetros quadrad… | Flickr

Acidente vai transformar esta laguna num novo Mar Morto

Bernardo Mello
O Globo

O agravamento da situação de minas de sal-gema da Braskem em Maceió, sob risco de colapso iminente, reacende um conflito entre dois grupos políticos adversários em Alagoas: o do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o do senador Renan Calheiros (MDB-AL), pai do atual ministro dos Transportes Renan Filho.

Lira, Renan e seus respectivos aliados trocaram acusações nos últimos meses envolvendo desdobramentos da atuação da Braskem e da indenização bilionária cobrada à empresa, que também é alvo de disputa entre prefeitura e governo estadual.

ACORDO EXCLUDENTE – Em julho, após a Braskem e o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), anunciarem um acordo para a prefeitura ser indenizada em R$ 1,7 bilhão pela empresa, o governador de Alagoas, Paulo Dantas (MDB), acionou o Tribunal de Contas da União (TCU) pedindo a suspensão do trâmite. Dantas, aliado do senador Renan Calheiros, argumentou que o acordo era “excludente”, por deixar de fora o governo estadual.

Em paralelo, Renan pediu ao TCU a suspensão de quaisquer tratativas para venda da Braskem, sob o argumento de que havia necessidade de mensurar novamente o passivo total da empresa, incluindo multas e indenizações.

Embora a acionista majoritária da Braskem seja a Novonor, ex-Odebrecht, o governo federal tem participação relevante na empresa através da Petrobras, dona da segunda maior fatia e detentora de prioridade para adquirir seu controle acionário.

A OUTRA VERSÃO – Lira, por sua vez, aliado do prefeito Caldas, elogiou o acordo e classificou a indenização como “um feito da gestão” do atual prefeito. O presidente da Câmara avaliou à época, em entrevista à imprensa local, que “a reparação financeira chegará e será responsável por obras em Maceió, em benefício da população”.

O valor da indenização, dividida em cinco parcelas, ultrapassa todo o orçamento anual de Maceió e representa uma injeção de recursos para a administração de Caldas, candidato à reeleição em 2024. O MDB de Renan já anunciou que lançará uma candidatura de oposição.

Com a verba, Caldas anunciou em setembro que a prefeitura fechou a compra de um hospital privado em Maceió, por R$ 266 milhões. O movimento foi usado por Renan e seu entorno para fustigar o prefeito. Aliados questionaram a legalidade da operação, feita sem licitação, e alegaram que o número de leitos anunciados pela prefeitura é superior ao existente. O ministro Renan Filho, na ocasião, levantou suspeita de uso ilícito dos recursos da Braskem.

MINISTRO ACUSA – “Essa aquisição precisa ser fiscalizada pelos órgãos de controle, pois cheira a desvio de recursos da milionária indenização do caso Braskem”, escreveu o ministro em uma rede social.

O governo de Alagoas acionou a Justiça estadual para obrigar a Braskem a indenizá-lo, e obteve no início do ano um bloqueio de R$ 1 bilhão nas contas da empresa. O dinheiro foi destravado em outubro, mediante apresentação por parte da empresa de garantias de que tinha este montante reservado para eventuais pagamentos. O valor total da indenização ao estado, porém, ainda está sendo calculado.

Em outro movimento recente, Renan protocolou no Senado um pedido de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a extensão dos impactos e as responsabilidades da Braskem no afundamento do solo em Maceió.

SENADOR REAGE – Adversário da família Calheiros, o senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL), que disputou o governo de Alagoas no ano passado com apoio de Lira, apresentou uma questão de ordem alegando suspeição de Renan para participar da comissão.

Cunha lembrou que, na década de 1990, Renan presidiu a Salgema, empresa que atuava originalmente na extração mineral em Maceió e que deu origem à Braskem em 2002. O senador alegou que haveria uma “confusão entre investigado e investigador” com a participação de Renan na comissão. A questão de ordem foi indeferida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Adversários de Renan também costumam associar o senador à empresa devido a um inquérito, instaurado pela Lava-Jato, que investigou suposto pagamento de propina pela Odebrecht em troca de benefícios à Braskem no Senado. Renan foi indiciado em 2021 pela Polícia Federal, mas o inquérito foi arquivado no fim do ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por avaliar que a obtenção de provas foi “insuficiente”.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
A Laguna de Mundaú é uma dádiva da natureza. Tem extensão de 23 km² e abrange três municípios. Sua morte anunciada é algo estarrecedor, que revela a que ponto chega a irresponsabilidade humana. A belíssima laguna vai se transformar numa espécie de Mar Morto, no Oriente Médio, cuja salinidade é tão alta que não existe vida e ninguém corre risco de morrer afogado, porque os corpos boiam e não conseguem afundar. (C.N.)

Sem transparência, o ministério de Dino recebe o prêmio “Cadeado de Chumbo”

Ministro da Justiça, Flavio Dino, indicado para a vaga no STF

“As gravações? Ora, elas foram apagadas”, alegou Flávio Dino

Rayanderson Guerra
Estadão

O Ministério da Justiça e Segurança Pública recebeu nesta quinta-feira, 30, o prêmio “Cadeado de Chumbo 2023″, que escolheu as piores respostas de órgãos públicos a pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação (LAI). A escolha das instituições que desrespeitaram os princípios de transparência foi organizada pela Rede de Transparência e Participação Social e pelo Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas.

A premiação contou com a participação da sociedade na escolha dos “vencedores”. Foram 61 indicações enviadas e, após curadoria da comissão avaliadora do prêmio, 23 órgãos públicos figuraram na lista final. Os indicados e o resultado final foram definidos pelo público por meio de votação online.

SEM TRANSPARÊNCIA – O Ministério da Justiça foi escolhido para o prêmio principal por negar a entrega da relação, dividida por temas, dos relatórios de inteligência realizados pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), de janeiro de 2019 a dezembro de 2022. Após ter todos os recursos negados pela pasta, o cidadão que fez o pedido recorreu à Controladoria-Geral da União.

Segundo a Lei de Acesso, a CGU pode determinar a divulgação de informações quando um órgão público federal se nega a fazê-lo. A Controladoria analisou o caso e decidiu que o Ministério da Justiça tinha que entregar os documentos.

O ministério pediu que a CGU reconsiderasse a decisão, embora esse tipo de solicitação não esteja previsto na Lei de Acesso. Esse tipo de recurso fora da LAI foi criado no governo Dilma Rousseff, e foi seguidas vezes usado na gestão Bolsonaro para forçar a revisão de decisões da CGU.

DECISÃO ANULADA – Após analisar o recurso do ministério, a Controladoria anulou a decisão anterior que determinava a entrega dos documentos. A CGU considerou que o ministério não precisava mais tirar o sigilo dos relatórios de inteligência.

A pasta do ministro Flávio Dino, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Supremo Tribunal Federal (STF), alegou que a informação está submetida a sigilo legal, “por se tratar de tema afeto às atividades de inteligência”.

E usou como argumento jurídico para embasar o pedido de restrição da informação um decreto editado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), estabelecendo que pedidos desproporcionais ou desarrazoados; ou que exijam trabalhos adicionais de análise – requisitos subjetivos – podem ser negados.

AS JUSTIFICATIVAS – Segundo o Ministério da Justiça, o pedido é desarrazoado por não atender aos interesses públicos do Estado em prol da sociedade.

“Há desproporcionalidade no pedido em razão do comprovado impacto da solicitação sobre o exercício das funções rotineiras do órgão demandado”, diz a pasta.

Ao solicitar a revisão do posicionamento na decisão do recurso de terceira instância, o Ministério da Justiça diz que os princípios da publicidade e transparência “devem ceder quando o sigilo se revele imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

TINHA SIGILO? – Segundo a pasta, as informações de inteligência de segurança pública são de acesso restrito por força da lei, enquadrando-se em hipótese legal de sigilo, nos termos do artigo 22 da LAI – que trata sobre a restrição de informações pelos órgãos públicos.

Quando negou as informações nos dois primeiros recursos, o ministério não alegou que os dados solicitados estavam classificados em grau de sigilo.

Logo, a CGU entendeu, inicialmente, que a pasta deveria atender ao pedido. A posição, no entanto, mudou após novo questionamento da pasta de Dino. O ministério então alegou “questões operacionais que inviabilizam o atendimento do pedido”.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Deve ter contribuído para o prêmio a negativa de Dino, que não entregou à CPI as gravações das câmaras do Ministério, quando se procurava saber se ele tinha sido alertado de que haveria a invasão. Dino alegou que a empresa que faz as gravações as apagava depois de alguns dias. E o pior é que essa justificativa idiota foi aceita pela CPI. Ah, Brasil… (C.N.)

Nunes Marques está certíssimo! Supremo não conseguiu derrubar o marco temporal

Nunes Marques mantém decisão que reconheceu vínculo de corretor

Nunes Marques foi o único que percebeu o erro do Supremo

Carlos Newton

Na briga entre Supremo e Congresso, o ponto de confrontação é o marco temporal das terras indígenas, que o STF anunciou ter derrubado em setembro, num julgamento que resultou em “repercussão geral”, ou seja, serve de norma para todas as instâncias inferiores da Justiça. Essa decisão revoltou a bancada ruralista, que é majoritária na Câmara e no Senado, acendendo o estopim de uma gravíssima crise institucional.

Em resposta, no sistema de “urgência urgentíssima”, o Congresso aprovou em outubro um projeto regulamentando o marco temporal, para restabelecê-lo. E o presidente Lula da Silva então fez uma de suas maiores idiotices. Aconselhado pelas ministras Marina Silva (Meio Ambiente), Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e outros luminares da República, vetou 34 dispositivos do projeto de lei.

DERRUBAR O VETO – No Congresso, a palavra de ordem é derrubar o veto presidencial e restabelecer o marco temporal.  Para os ruralistas, tornou-se questão fechada. Eles acham óbvio que é preciso haver um marco temporal para nortear as futuras demarcações.

O que faltava era apenas a ressalva de que o marco não poderia ter validade nos casos de disputas que tenham se iniciado antes da Constituição. E foi exatamente isso que o Supremo fez em setembro, ao julgar a “repercussão geral”.

Erradamente, foi interpretado que o STF havia extinguido o marco temporal, mas na realidade o dispositivo não foi expurgado da Constituição e contina valendo. O ministro Nunes Marques percebeu essa brecha e enveredou por ela terça-feira, em sua decisão contra a expulsão de pequenos agricultores que lavram terras reivindicadas pelas tribos Apyterewa e Trincheira Bacajá, no Pará.

MARQUES ESTÁ CERTO – O mais interessante – uma verdadeira Piada do Ano – é que o ministro bolsonarista agiu corretamente. Basta reler com atenção o que está prescrito na bula da “repercussão geral”.

Vê-se que Nunes Marques levou em conta a nova tese do Supremo, que determina: “Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União.” (Item V)

Caramba, amigos, olha o marco temporal valendo aí, gente!, diria Neguinho da Beija-Flor, que agora terá de trocar de nome para atender à ministra do Racismo, uma burocrata tão importante que nem consigo lembrar o nome dela.

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P.S. –
Toda essa discussão é fruto da falta do notório saber jurídico que caracteriza hoje o Supremo. Na composição atual, apenas Luiz Fux ostenta essa condição. O resto tem dificuldade de ler as leis e interpretá-las. Percebe-se claramente que o plenário tentou derrubar a norma, mas Nunes Marques notou que o marco temporal se levantou, sacudiu a poeira e deu a volta por cima, como dizia o genial Paulo Vanzolini. (C.N.)

Educação em apuros, com o avanço do criticado e rentável “ensino à distância”

Gilmar Fraga: distância | GZH

Charge do Gilmar Fraga (Gaúcha/Zero Hora)

Muniz Sodré
Folha

O Brasil ocupa a terceira pior posição em investimento público na educação básica. Fato gravíssimo: um terço dos jovens abandona a escola antes de concluir o ensino médio. Não é só questão de verba, e sim de falência do verbo educar, ou seja, má qualidade de ensino. Inexiste programa sério de capacitação de professores,  enquanto avança a proliferação do ensino a distância (EAD).

Um grupelho de universidades privadas domina o setor, com número de inscritos superior ao de todas as instituições públicas. Mas estas, na avaliação do Enade de 2022, tiveram melhor desempenho que as privadas.

PROBLEMAS EVIDENTES – Sistematicamente, os estudantes de EAD têm conceitos mais baixos que os presenciais. Sabe-se que disciplinas relativas a cálculos e mecanismos se prestam bem à instrução online, porém não se sabe como, em certos casos, um único tutor possa acompanhar centenas, senão milhares de inscritos.

Outra questão é a evasão técnica: alunos se ausentam, deixando seus avatares nas telas. A pior de todas é a rasteira perspectiva pedagógica de que “bastam português e matemática”.

Essas duas disciplinas, em que estudantes brasileiros revelam baixa proficiência, são vitais à tecnologia, embora não sob um positivismo culturalmente excludente.

CRIAÇÃO E CÁLCULO – De fato, no domínio da criatividade, as big techs não pautam sua prática pela camisa de força, hostil à criação, com que o positivismo vestiu o conhecimento. Para Emmanuel Carneiro Leão, filósofo e educador falecido em outubro, pensar tem mais a ver com criação do que com cálculo.

A pedagogia positivista serve para passar no Enem, consolidar os rendosos monopólios de ensino e reproduzir elites de poder. Nesses termos, a universalização do acesso à escola é também apequenamento de qualidade, secundado pela pauta retrógrada da ultradireita, que agora avança sobre conselhos tutelares. Corporeidade infantil é matéria-prima para a hipocrisia moralista.

Só que existem corpos sociais e corpos raciais. Os primeiros integram-se na comunidade étnica hegemônica. Corpos de raça são aqueles que, no tráfico negreiro, “podiam ser comprados e vendidos, postos no trabalho como fontes privilegiadas de energia” (Achile Mbembe em “Corpos-Fronteiras”). Desses foram sucedâneos os escravos da máquina, operários, ou qualquer corpo de segunda classe.

CORPOS RACIAIS – A EAD destina-se a corpos raciais como experimento de automação do positivismo educacional, uma forma acelerada de adestramento que ignora a diferença entre produtividade e criatividade, entre instrução técnica e formação humana.

De modo geral, excesso de informação é recesso de compreensão. Já a velocidade circulatória suprime pausa, ambivalência, reflexão e, no limite, a própria educação, estruturalmente mais lenta. Junto aos jovens, vence o TikTok.

É o epitáfio do professor.

Desenho da política industrial precisa prever possibilidade de não funcionar

Macaque in the trees

Charge do Miguel Paiva (Portal do JB)

Samuel Pessôa
Folha

Meu colega André Roncaglia, que ocupa este espaço às sextas-feiras, na coluna passada demonstrou entusiasmo com a política pública de aumentar a tarifa de importação de carros elétricos para estimular a produção local.

Há duas condições necessárias, mas não suficientes, para que a política tenha alguma chance de funcionar. Primeira, que ela tenha data para terminar. Segundo, que tenha metas de exportação.

QUESTÃO DE DEMANDA – A produção de um bem somente é sustentável se conseguimos atingir um mercado muito maior do que o brasileiro. Em particular, uma linha de produção de automóvel somente será competitiva se a produção for em torno de 300 mil unidades por ano.

Devido à diversidade da demanda, o mercado brasileiro exclusivamente não sustenta uma indústria competitiva: nosso mercado é de 3 milhões de unidades, e a demanda é muito mais diversa do que somente dez modelos.

Tradicionalmente, a grande crítica que se faz aos esforços da política industrial (PI) é que um burocrata não consegue escolher os vencedores. O que funcionará? Não é possível saber de antemão.

NA INCERTEZA – No entanto, em um recente trabalho, “The new economics of industrial policy”, Réka Juhász, Nathan Lane e Dani Rodrik lembram que a exigência sobre o gestor público é menor. Segundo os autores: “Na presença de incerteza, tanto sobre a eficácia das políticas quanto sobre a localização/magnitude das externalidades, o teste final não é se os governos podem escolher “vencedores”, mas se eles têm (ou podem desenvolver) a capacidade de deixar os “perdedores” irem embora.

Ou seja, o desenho da política pública precisa prever a possibilidade de a política não funcionar. O setor público precisa ser capaz de se desapegar da política.

POLÍTICA INDUSTRIAL – Essa é uma das maiores limitações para a prática da política industriaI por aqui. Como escrevi na coluna de 1º de outubro, quando nos comparamos aos países asiáticos, há três aspectos que dificultam o emprego de PI por aqui. Primeiro, temos escassez de capital humano e físico. Em geral, os setores que se deseja desenvolver usam intensamente fatores de produção escassos, o que encarece a política.

Segundo, o Estado brasileiro não tem demonstrado ter a capacidade da autonomia embutida — estar próximo ao setor privado, para ser capaz de destravar obstáculos, e, simultaneamente, ser independente dos interesses particulares.

Terceiro, temos enorme dificuldade de nos desfazer de políticas públicas. No Brasil, tudo se transforma em direito adquirido imediatamente. Uma política é iniciada e nunca nos desfazemos dela, mesmo que ela não tenha funcionado.

QUARTO ASPECTO – Como bem lembrado por Alex da Mata em um tuíte na semana passada, há uma quarta distinção quando nos comparamos aos países asiáticos.

Estes sempre valorizaram a abertura para o comércio internacional, fator essencial para que a industrial automobilística seja autossustentável.

Por exemplo, a política de desoneração da folha de salários foi iniciada em 2011, no governo Dilma, com o objetivo de ajudar setores da indústria de transformação na competição com a China. Era para ser uma política temporária até que a indústria brasileira absorvesse os efeitos do ingresso da China na OMC.

DESONERAÇÃO DA FOLHA – Com o tempo, inúmeros setores foram sendo incorporados, e hoje o foco da política são setores intensivos em trabalho que produzem bens para o mercado doméstico e que não sofrem concorrência externa, pois são bens não comercializáveis internacionalmente. Não há nenhum estudo sério que mostre que a política de desoneração da folha de salário gera empregos.

A desoneração da folha de salários se mantém como uma política pública somente devido à ação dos grupos de pressão que defendem o interesse localizado à revelia do interesse coletivo. Oxalá o presidente Lula vete a recente renovação da desoneração da folha.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Como o colunista iniciou o artigo discordando de André Roncaglia, podemos também discordar dele. Sua cota mínima de 300 mil veículos/ano não tem a menor sustentação na realidade. Quanto aos tigres asiáticos, Samuel Pessôa não menciona que são megacorporações apoiadas diretamente pelos respectivos governos, que funcionam como uma espécie de semiestatais. Assim, fica mais fácil, mas no Brasil a direita não deixa. O BNDES só conseguiu criar uma – a J&F – e é criticado por isso… (C.N.)

Lula e Dilma destruíram o STF e agora a escolha de Dino agrava a degeneração

O ministro da Justiça Flávio Dino foi a indicação de Lula para ocupar a vaga deixada pela ministra Rosa Weber

Lula conseguiu transformar o Supremo num órgão político

J.R. Guzzo
Estadão

Os presidentes Lula e Dilma Rousseff, somados, destruíram ao longo dos últimos vinte anos o Supremo Tribunal Federal. Lula, como ficou mais tempo na presidência, e está de volta a ela, é autor da maior parte da obra. Dos onze ministros atuais, contando aí a última indicação, sete foram colocados no STF por eles; dos outros quatro, dois são Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, o que dá uma ideia de como a coisa acabou ficando.

Dilma e Lula nomearam tanto ministro que dois deles já se aposentaram, por terem batido nos 75 anos de idade; um outro morreu.

FALTA DE SABER – O traço de união entre todos os nomeados é a sua notável falta de saber jurídico, ao contrário do que a Constituição manda fazer. O resultado é que o Brasil não tem mais uma corte suprema de justiça, exigência básica de qualquer democracia séria. Tem uma penca de agentes políticos do governo – que agem unicamente em favor dos seus interesses e deram a si próprios o direito de mudar, eliminar e fazer as leis que realmente valem no país.

A nomeação do ministro da Justiça, Flavio Dino, para a última vaga que foi aberta no STF, é um momento de superação neste processo degenerativo – ele é o mais extremista dos militantes políticos de Lula, foi o pior dos seus ministros até agora e, em oito anos seguidos como governador de Estado, deixou o Maranhão com o pior índice de IDH do Brasil. É um currículo e tanto.

Mas o seu pior problema não é a incompetência. Nisso ele segue o padrão Lula de governo, um sistema pelo qual o sujeito sobe na vida através do fracasso – quanto mais prejuízo dá, mais alto chega.

COMBATE À LIBERDADE – O que torna Flavio Dino um dos políticos mais tóxicos do Brasil de hoje é a sua intransigência no combate à liberdade. Ninguém no governo Lula atacou com tanto rancor os direitos individuais e coletivos quanto o ministro da Justiça.

Quer a censura na internet. Quer a polícia fazendo repressão política. Quer que os parlamentares da oposição fiquem em silêncio. Diz o tempo todo que a liberdade “tem de ter limites” – o que, em português claro, significa que a liberdade é um vício a ser combatido. Qual a esperança de que o novo ministro do Supremo tome uma decisão a favor da livre expressão do pensamento, ou de qualquer princípio da democracia?

O radicalismo cada vez maior do STF, seus ataques ao Senado e a sua cólera ruidosa contra quem discorda de qualquer decisão tomada pelos ministros, compõem um ambiente ideal para Dino.

O QUE FAZ O STF? – Bem, o Supremo e seus apêndices absolvem automaticamente traficantes de drogas; inclusive, devolvem os iates, jatinhos e casas de praia que ganharam com o tráfico. Que lugar poderia ser mais adequado para o novo indicado de Lula?

Em seu Ministério a mulher de um dos chefes mais perigosos do crime organizado foi recebida duas vezes este ano; a culpa foi jogada pelo governo Lula nos jornalistas do Estadão que revelaram a história. Dino debocha do Congresso, ignora as suas convocações e não entrega fitas gravadas pelas câmeras de segurança do Ministério.

Foi ele que forneceu ao ministro Dias Toffoli a desculpa apresentada para anular todas as provas materiais de corrupção contra a construtora Odebrecht. Que suprema corte do planeta tem um ministro assim?

“Liberdade de imprensa” do Supremo é um convite à adoção da censura prévia

LIBERDADE DE IMPRENSA: 'Dono da informação é o povo, não o poder', diz  especialista. | Blog do Onyx

Charge do Paulo Barbosa (arquivo Google)

Ricardo Rangel
Veja

O STF fixou tese, de repercussão geral, detalhando o entendimento do tribunal sobre liberdade de imprensa. O Supremo afirma que censura prévia é vedada, mas que se admite posterior responsabilização pela divulgação de “informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas”.

Até aí, morreu Neves. Mas não é ruim o Supremo repisar o que já está Mas não é ruim o Supremo repisar o que já está todo mundo cansado de saber. Aí vem o catch:

DEVER DE CUIDADO – Diz a decisão do Supremo, que tem repercussão geral direta nas instâncias inferiores:

“2) Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se:

(i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e

(ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios.

FALTAM DEFINIÇÕES – Mas o que é “indício”? E “concreto”? E “cuidado”? São palavras subjetivas, que podem ter diferentes níveis de gradação.

Após a sessão, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, declarou que a causa a respeito da qual a decisão foi tomada é “totalmente excepcional” e que veículos só seriam responsabilizados em casos de “grosseira negligência” em relação à divulgação de um fato que seja “de conhecimento público”. E que “não há nenhuma restrição à liberdade de expressão”.

Beleza. Mas o que significam as palavras “excepcional” e “grosseira”, e onde estão elas na decisão que foi tomada? E como funciona isso de escrever uma decisão de repercussão geral, mas ressalvar verbalmente que foi um caso “excepcional”?

BOAS INTENÇÕES – Mesmo que o Supremo tenha boas intenções (das quais, como se sabe o inferno está cheio), como ficam as instâncias inferiores?

Para parafrasear um Pedro Aleixo em momento de triste memória (o AI-5), “eu não tenho medo do senhor, presidente (Barroso). Eu tenho medo é do juiz da primeira instância”.

Se o Supremo tem compromisso com a manutenção da liberdade de imprensa, deve considerar suprimir esse item 2.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
A dura reação dos jornalistas mostra que o Supremo fez mais uma bobagem ao aprovar uma decisão que pode ser desvirtuada. Parece que os ilustres e doutos ministros não têm mais o que fazer… (C.N.)

Piada do Ano! Nunes Marques alega que Supremo não derrubou marco temporal

imagem colorida de Nunes Marques

Humilde e modesto, Marques identificou um erro do Supremo

Guilherme Amado e Bruna Lima
Metrópoles

O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, em sua decisão contra a desintrusão das terras indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá, no Pará, levou em conta a tese do marco temporal, que teria sido derrubada pelo plenário em setembro. Na última terça-feira (28/11), Nunes Marques decidiu pela paralisação da ação de desintrusão nas terras indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá.

A ação consiste na retirada de invasores que ocupam terras indígenas e representam ameaça aos povos originários e à floresta.

CONTRA OS INDÍGENAS – Em sua decisão, o ministro disse: “ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes” os argumentos dos autores da ação, as associações de pequenos agricultores do Projeto Paredão, ou seja, os não indígenas.

Ao citar o marco temporal, portanto, Nunes Marques passou por cima da decisão tomada em colegiado, em setembro deste ano.

Diante da atitude do ministro, a Secretaria-Geral da Presidência da República, como informou a coluna, chegou a publicar uma nota, afirmando que não irá cumprir a decisão de Nunes Marques. A nota informava também que a Advocacia-Geral da União iria recorrer da decisão, mas o texto foi excluído logo depois pela Secretaria-Geral da Presidência.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOGA imprensa está tratando a decisão do ministro Nunes Marques como se fosse uma Piada do Ano, mas não é.  Muito pior do que isso, deve-se reconhecer que o ministro novato está certíssimo em sua posição, porque o plenário do Supremo não revogou o artigo da Constituição que criou o marco temporal, apenas o interpretou. Vamos voltar ao assunto, para explicar melhor a posição de Nunes Marques e comentar a esculhambação que reina hoje na chamada Suprema Corte. Isso, sim, é Piada do Ano.  (C.N.)