Governo quer o retorno do imposto sindical, mas não focaliza no aumento dos salários

Texto está em processo avançado de discussão no governo

Pedro do Coutto

O governo Lula da Silva está concluindo a elaboração de projeto – revela a reportagem de Geralda Doca e Victória Abel, O Globo desta segunda-feira – que restabelece a cobrança do imposto sindical compulsório na base de 1% sobre a renda anual dos trabalhadores regidos pela CLT.

O projeto surge na área do Ministério do Trabalho cujo titular é o sindicalista Luiz Marinho. O argumento para o retorno é aceitável, na medida em que se baseia no fato de os aumentos salariais obtidos pelas categorias incluírem a ação dos sindicatos e abrangem totalmente tanto os sindicalizados quanto os não sindicalizados. As questões trabalhistas, vale acentuar, envolvendo igualdade de direitos entre homens e mulheres, não se esgotam no panorama salarial, mas se estendem a diversos questionamentos levantados pelos sindicatos na Justiça do Trabalho.

QUESTÕES –  O limite das jornadas, a remuneração das horas extraordinárias, o limite de duas horas extraordinárias por dia, as questões de locais insalubres de trabalho, o vale-alimentação, o vale-transporte, no caso das empresas estatais também o vale-educação para os filhos, enfim uma série de problemas que em face do não cumprimento das leis pelos empregadores faz com que os sindicatos assumam posições em defesa dos trabalhadores e trabalhadoras de modo geral.  O tempo para a amamentação é uma das questões a ser incluída no panorama trabalhista.

O projeto, assim, tem aspectos favoráveis em seu conjunto. Surpreende, entretanto, que até ser extinto pelo governo Jair Bolsonaro, o imposto sindical se referia a um dia de trabalho por ano, uma fração de 0,33%. Agora, o Ministério do Trabalho calcula uma contribuição anual de 1% sobre o total de salários recebidos.

Era preciso, sobretudo, que a legislação brasileira estabelecesse padrões reais para os salários pagos. Isso não acontece. Os cálculos são feitos sobre recebimentos nominais, não incluída, portanto, na grande maioria dos casos, a reposição inflacionária. É fundamental que a reposição inflacionária seja considerada como uma parcela automática dos valores recebidos. Caso contrário, os valores dos salários, na realidade, ficam sendo reduzidos.

SERVIDORES PÚBLICOS –  A Constituição Federal determina que os salários dos servidores públicos são irredutíveis. Mas esquece de dizer que para isso é preciso que seja considerada uma base representada pela inflação do IBGE no período de 12 meses. Serem irredutíveis apenas na forma nominal não resolve a questão ou cumpre o princípio constitucional. Uma forma clara de diminuir vencimentos é a de não reajustá-los ao nível da inflação.

Se a inflação atingir 5%, esse índice deve ser automaticamente reposto no período do acordo salarial. A disfunção assim se desloca para o aumento real dos vencimentos, conforme está previsto na lei do salário mínimo que estabelece um reajuste no mês de janeiro de cada ano considerando a inflação e mais o resultado positivo do Produto Interno Bruto. Essa lei, inclusive, se estende aos aposentados e pensionistas do INSS. No governo Bolsonaro não houve aumento do PIB. Logo, os reajustes quanto ao salário mínimo ficaram condicionados à taxa inflacionária.

URNAS E JOIAS –  Pesquisa do Instituto Genial Quaest – objeto de reportagem de Nicolas Iory, O Globo de ontem – revela que a imagem das Forças Armadas em matéria de confiança junto à opinião pública caiu de 43% para 33%, um grande abalo, consequência, a meu ver, das contradições em que militares se envolveram nos casos das urnas eletrônicas, da venda de joias e seus reflexos negativos.

Além disso, 64% afirmaram confiar pouco ou não confiar nas Forças Armadas. É claro que a resposta se refere ao plano político e o abalo verificado decorre diretamente da atuação do próprio governo Jair Bolsonaro, sobretudo sob o ângulo das joias comercializadas no exterior e na tentativa de recebê-las depois de terem sido impedidas de serem entregues ao tenente-coronel Mauro Cid, que pretendia levá-las à família do então presidente da República.

A Receita Federal, em Guarulhos, condicionou a entrega para o patrimônio nacional, conforme acabou decidido pelo Tribunal de Contas da União. A questão das urnas incluiu um encontro do hacker Delgatti com o ex-presidente Bolsonaro e com o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira.

VIAGENS –  Fernando Narazaki, reportagem na edição desta segunda-feira na Folha de S. Paulo, focaliza o escândalo da agência de turismo 123 milhas que vendeu viagens ao exterior, incluindo passagens e hospedagens, não cumprindo o contratado, embora tenha recebido o pagamento por parte dos clientes.

A empresa 123 milhas, na Folha de S. Paulo, atribui o cancelamento aos juros altos e aos preços das passagens. Absurdo completo. Como todo empreendimento comercial e industrial, o risco existe sempre. O que não pode acontecer em nenhuma hipótese é que os que efetuaram os pagamentos corretamente percam tanto o seu dinheiro quanto o prazer das viagens programadas.

Cezar Bitencourt complica Mauro Cid e todos os acusados no caso das joias

Bitencourt recuou e agora diz que Cid não irá delatar, mas “explicar”

Pedro do Coutto

O advogado Cezar Bitencourt, que assumiu a defesa do tenente-coronel Mauro Cid, com a entrevista que deu à Veja na quinta-feira, recuando em seguida ao falar à GloboNews no dia seguinte, complicou ainda mais a situação de seu cliente e de seu pai, o general Mauro Cesar Cid, na medida em que primeiro anunciou uma delação por parte do tenente-coronel e depois transformou a palavra delação em “explicação”. Nesse meio tempo, entre a quinta e a sexta-feira, teve um contato com outro advogado, Paulo Amador Cunha Bueno, que faz a defesa de Jair Bolsonaro.

O recuou deixou o panorama ainda mais complicado, pois como é possível um advogado anunciar a posição de um cliente pela manhã, e depois negar a mesma disposição ? Na edição de domingo,  da Folha de S. Paulo, Fábio Victor destaca que qualquer oficial do Exército condenado por dolo por mais de dois anos de prisão perde a patente, o que significa uma expulsão; risco que envolve o tenente-coronel Mauro Cid.

RECONHECIMENTO – Cezar Bitencourt, supondo que a sua intervenção proporcionaria a transferência da culpa de Cid para Bolsonaro sob o argumento de que ele cumpria ordens, com o recuo ele tacitamente reconhece que a ordem existiu, pois caso contrário a defesa de Mauro Cid teria que ser outra. Bolsonaro por sua vez, na versão do advogado Paulo Amador Bueno, poderia ter negociado as joias. Mas se o ex-presidente assim pudesse fazê-lo, a ordem cumprida por Mauro Cid não comprometeria ninguém.

Cezar Bitencourt não nega a improcedência da transação e a sua ilegitimidade. Ele se concentra no cumprimento de uma ordem, que só pode ter sido dada por Bolsonaro. Os dois advogados rejeitam a participação de Frederick Wassef como terceiro homem. Wassef vive bem nas sombras e melhor ainda se sente quando emerge delas para o centro do palco, onde passa a ser focalizado pelos holofotes que revelam as suas manobras e seus lances surpreendentes. Assim foi no caso Fabrício Queiroz, que ele havia hospedado em sua casa em Atibaia.

A confusão se generalizou, e Cezar Bitencourt desarmou os argumentos tanto de Mauro Cid quanto de Bolsonaro, pois se o ex-presidente podia negociar livremente presentes ofertados pelo exterior, não haveria problema dele transmitir ordens para a venda das joias. Bolsonaro ainda continua nas mãos de Mauro Cid, sendo que o recuo certamente foi resultado de ameaças e pressões. Os defensores dos acusados ficaram mal em seus episódios e deixaram seus clientes em situação ainda pior.

Bitencourt, Bueno e Wassef montam teatro de absurdos para defender Cid e Bolsonaro

Teses das defesas são repletas de contradições e falhas

Pedro do Coutto

Os advogados que defendem no processo das joias o tenente-coronel Mauro Cid e o ex-presidente Jair Bolsonaro, respectivamente Cezar Bitencourt e Paulo Amador Cunha Bueno, e também com a participação sempre surpreendente de Frederick Wassef, na verdade, montaram um20 verdadeiro teatro de absurdos na tentativa de defender o ex-ajudante de ordens e o próprio ex-presidente da República da acusação de venda ilegal de joias nos Estados Unidos numa sequência impressionante de ultrapassagens legais.

O advogado Cezar Bitencourt iniciou a montagem do teatro com uma entrevista à Veja na quinta-feira, onde ameaçava que Mauro Cid estava disposto a confessar ter vendido o relógio Rolex e entregue o dinheiro a Bolsonaro. Nesta altura, entrou em campo o advogado Paulo Amador Cunha Bueno. Ele disse que falou rapidamente com Bitencourt, que então reapareceu na noite de sexta-feira na GloboNews recuando de suas declarações iniciais gravadas pela Veja, e afirmando que o tenente-coronel não iria denunciar o episódio, mas sim explicar.

TESE CONTRADITÓRIA – A explicação não servia para Paulo Amador Cunha Bueno. Tanto assim que em uma longa entrevista à Natuza Nery e Andréia Sadi Cunha Bueno desenvolveu uma extensa tese, sustentando que o ex-presidente da República, com base na lei, poderia vender os presentes valiosos. Se a lei permitia, e Bolsonaro podia comercializar as joias recebidas de presente, por que ele insistiu na negativa em relação a tal transação? Se era legítima, não havia motivo para negar a ação.

Mas nada disso o advogado levou em conta. Está evidente que houve uma combinação com a entrada em cena de Paulo Amador da Cunha Bueno, revelando a preocupação de Jair Bolsonaro com a possibilidade de confissão de Mauro Cid. O absurdo montado por Cezar Bitencourt, Paulo Amador Cunha Bueno e com a participação de Frederico Wassef, que saiu espontaneamente do Brasil para recomprar o relógio Rolex, evidencia que Bolsonaro está envolvido numa teia de contradições e enigmas.

No O Globo, edição deste sábado, a repórter Paolla Serra escreve uma excelente matéria sobre o assunto, e Natuza Nery e Andréia Sadi foram testemunhas, na sexta-feira, das contradições apresentadas por Cezar Bitencourt e Paulo Amador Cunha Bueno. Elas não aceitaram as versões fantasiosas, e ambos saíram mal na cena.

ELETROBRAS – Numa entrevista a Manuel Ventura e Thiago Bronzatto, O Globo, o ministro Alexandre Silveira afirmou que o MInistério de Minas e Energia não chegou a nenhuma conclusão sobre o apagão que atingiu uma grande parte do país, acrescentando que governo está sem quase interlocução com a Eletrobras.

Se o Ministério de Minas e Energias, ao qual a Eletrobras está vinculada e subordinada, afirma que a sua direção não tem quase interlocução com o governo Lula da Silva, a Diretoria da Eletrobras tem que ser substituída. Não é possível que uma empresa, na qual o governo detenha 42% das ações, se recuse a ter diálogo com o Poder Executivo.

CRITÉRIO – Estranha a afirmação do ministro, pois não está acompanhada de nenhuma ação junto ao governo para restabelecer a interlocução. Também não é possível que, com 42% das ações da Eletrobras, o governo tenha apenas 10% dos votos nas assembleias. Na minha opinião, o Supremo vai restabelecer o critério lógico de votação.

Silveira não descarta a possibilidade de sabotagem, o que é muito grave e também um erro do Operador Nacional do Sistema. A responsabilidade é do ONS, pois se a entidade tem a tarefa de operar o sistema nacional,é evidente que, se operou errado ou se existiu a má intenção, a responsabilidade é sua.

Mauro Cid explode esquema e isola Jair Bolsonaro no cenário político

Bolsonaro está disposto a transferir a culpa dos atos ilegais para o militar

Pedro do Coutto

A posição assumida pelo tenente-coronel Mauro Cid no meio da pressão em que se encontra submetido, especialmente pelo caso do Rolex e das joias, levou-o, de acordo com reportagens de Paolla Serra e Reynaldo Turollo Jr, O Globo, e de César Feitosa na Folha de S. Paulo, a confessar que entregou ao ex-presidente da República o dinheiro da venda do Rolex e de joias agindo por ordens do próprio Bolsonaro.

A confissão do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro no Planalto foi formalizada pelo advogado Cesar Bitencourt que o defende das acusações existentes contra ele que culminaram com a recompra, especialmente do caríssimo relógio, numa loja da Pensilvânia pelo advogado Frederick Wassef, um homem de mistério que sai das sombras e se coloca no centro do palco dos acontecimentos em ocasiões inesperadas.

CONTRADIÇÃO – O homem das sombras, inclusive, primeiro se expôs afirmando que nada sabia sobre o Rolex. Dois dias depois deu entrevista à imprensa, reproduzida pela GloboNews, revelando ter readquirido o relógio com o seu próprio dinheiro para cumprir a decisão do Tribunal de Contas da União que determinou a Bolsonaro que devolvesse a joia e a incorporasse ao patrimônio público do país.

No meio dessa movimentação estranha, Wassef saiu para jantar na noite paulistana, quarta-feira, levando consigo, em seu carro, quatro telefones celulares, inclusive um que ele diz ter sido utilizado apenas para conversas com o ex-presidente da República. Os aparelhos foram apreendidos pela Polícia Federal quando o advogado se encontrava no restaurante. Mais um mistério, portanto, sobretudo porque o telefone que ele diz ter usado apenas para a comunicação com o ex-presidente da República poderá comprometer ainda mais Jair Bolsonaro e ele próprio.

A quinta-feira foi um capítulo extremamente difícil para Bolsonaro, pois paralelamente à exposição do esquema que existia por Mauro Cid, surgiu no horizonte do crime o hacker Walter Delgatti , que revela ter participado de encontro com o ex-presidente da República conduzido pela deputada Carla Zambelli.

QUEBRA DE SIGILO – Bolsonaro o teria encaminhado ao general Paulo Sérgio Nogueira, então ministro da Defesa, com o objetivo de descobrir falhas no sistema de computação dos votos nas urnas eletrônicas. O ministro Alexandre de Moraes, em face dos novos fatos que surgiram, decretou a quebra de sigilo bancário de Bolsonaro e de Michelle, sua esposa.  

Delgatti, em depoimento à CPI do Congresso, disse ter sido comunicado pelo próprio Bolsonaro de que poderia praticar uma fraude no sistema de votação porque, se condenado, lhe daria um indulto como agiu no caso do ex-deputado Daniel Silveira. Indulto, aliás, anulado pelo STF. Jair Bolsonaro viu-se assim praticamente cercado por todos os flancos, passando de personagem central a um figurante da cena política isolado pelos fatos concretos.  

ATOS ILEGAIS – A reação do tenente-coronel Mauro Cid, e do general Mauro Cesar Cid, seu pai, era esperada, sobretudo em decorrência da posição do próprio Jair Bolsonaro que deixou claro a sua disposição de transferir a culpa dos atos ilegais para o seu auxiliar mais direto, para o general Mauro César Cid e para outros militares que serviam no Planalto, tentando, assim, um caminho de fuga pela passagem das responsabilidades às mãos dos que cumpriam ordens.

Este ponto é a base da argumentação da defesa de Mauro Cid. Outros aspectos surgirão, como o de que não se pode cumprir ordens que conduzam à prática de crimes. Mas essa é outra questão que não altera a explosão final do tenente-coronel Mauro Cid, pelo que os fatos indicam, hoje arrependido de ter aceito as tarefas.

APAGÃOA Eletrobras não conseguiu ainda apresentar uma explicação concreta sobre o apagão   que atingiu diretamente 29 milhões de brasileiros e brasileiras nesta semana. Na Folha de S. Paulo, edição de ontem, Alexa Salomão e Nicola Pamplona publicaram ampla reportagem sobre o ocorrido , incluindo também a responsabilidade do Operador Nacional do Sistema.

A Eletrobras e o ONS continuam devendo uma justificativa lógica e convincente para o episódio. E, na conclusão, se for o caso, reconhecerem ter ocorrido uma ação criminosa.

PRESERVAÇÃO DE AÇÕES –  Em decisão publicada no Diário Oficial de quinta-feira, o presidente Lula determinou a preservação das ações que o governo detém na Eletrobras, 42% do capital da empresa, afastando-as totalmente de qualquer plano de desestatização. No O Globo, a matéria é de Daniel Gullino.

A atitude de Lula indica claramente que o governo está aguardando uma decisão favorável do Supremo Tribunal federal contra a condicionante de, apesar de deter 42% das ações, a União somente possuir 10% dos votos nas assembleias gerais da empresa, um verdadeiro absurdo.

Na minha impressão, a partir do momento em que o Supremo assegurar o direito de voto da União compatível com a sua participação no esquema acionário, o presidente Lula vai entrar em ação para substituir o comando da empresa, indicando alguém de sua confiança. Nesta semana, por exemplo, Wilson Ferreira Júnior foi substituído por Ivan Monteiro na Presidência da Eletrobras sem que o ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, fosse sequer comunicado.

Governo não encontrou ainda a causa do apagão: desligaram o sistema errado

Charge do Izanio (Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

Dois dias depois do apagão de energia elétrica que causou enormes prejuízos ao país e à população, o governo Lula da Silva ainda não encontrou a verdadeira causa do enorme problema. Os ministros Alexandre Silveira, de Minas e Energia, e Rui Costa, chefe da Casa Civil, em entrevistas à Folha de S. Paulo, ao Globo e ao Estado de S. Paulo, edições desta quinta-feira, não tiveram informações concretas a dar à opinião pública, limitando-se a repetir que houve uma falha numa linha de transmissão no Ceará e outra, mais distante ainda, em Belo Monte, no Pará.

Não encontraram, digo, nenhuma explicação, porque acredito que a mesma não exista. A menos que se reconheça uma falha enorme, talvez proposital, em provocar o desastre. O Operador Nacional do Sistema é encarregado de acompanhar a movimentação do abastecimento de energia elétrica em todo o território nacional. Se houver numa determinada região um problema que indique o corte parcial do abastecimento, o ONS executa a tarefa. Não tem cabimento uma linha de transmissão no Ceará e outra no Pará apresentarem problemas e o ONS desligar a maior parte da energia elétrica de todo o país.

MEDIDA SIMPLES – Em primeiro lugar, o problema teria ocorrido numa linha de transmissão, e não numa linha de produção, que seria mais perigoso. Era só entrar em contato com a Companhia Hidrelétrica de São Francisco para que a mesma tomasse as providências necessárias. O mesmo teria que ser feito no Pará através da mobilização da EletroNorte.

Desligar quase o sistema nacional inteiro por uma linha de transmissão sobrecarregada no Ceará e outra no Pará é algo inconcebível para técnicos que se especializaram no setor elétrico. O Sistema interligado nacional não quer dizer que um problema em um estado se reflita em outro. O ONS existe para manobrar fluxos de energia de acordo com a situação como um todo.

DESLIGAMENTO –  O ONS, pelo que os fatos indicam, desligou os setores errados do sistema. Cortou energia na maioria dos locais, onde não havia necessidade de tal medida, criando um caos desnecessário. A energia elétrica é fundamental, tanto que está ligada 24 horas do dia.

Por isso que se diz que o consumo se traduz em horas. Incrível o procedimento da Eletrobras, do ONS e também da administração da Chesf e da EletroNorte. Um desastre lamentável. Na Folha de S. Paulo, a reportagem foi de Alexa Salomão, no O Globo, de Manuel Ventura, Jennifer Gularte, Bruno Rosa e Geralda Doca, e no Estado de S. Paulo de Marlla Sabino.

DEFESA DE MAURO CID –  O advogado César Bittencourt, que passou a defender o tenente-coronel Mauro Cid, em declarações na quarta-feira à Polícia Federal, afirmou que o ex-ajudante cumpria ordens, refeindo-.se às questões do relógio e das joias recebidas por Bolsonaro e negociadas nos Estados Unidos.  Portanto, a impressão que ficou no ar é que a defesa de Mauro Cid tentará transferir a culpa para o ex-presidente da República. Reportagem de Paolla Serra, O Globo, focaliza amplamente o assunto.

A questão das joias a cada dia se complica mais. O advogado Frederick Wassef assumiu a responsabilidade de ter ido à Pensilvânia e ter recomprado o Rolex com o seu dinheiro “apenas” para entregá-lo ao Tribunal de Contas da União que cobrou a devolução da joia para o patrimônio público nacional. A sua história não tem nexo algum.

Ainda na quarta-feira, o hacker Walter Delgatti, em depoimento à CPI do Congresso afirmou que recebeu R$ 40 mil da deputada Carla Zambelli para tentar invadir o sistema do Judiciário com o propósito de criar uma situação falsamente comprometedora para o ministro Alexandre de Moraes. A deputada encontra-se também muito complicada, até mesmo pelo episódio de perseguição a um jornalista às vésperas da eleição de outubro, entre outros tropeços. Na Folha de S. Paulo, a reportagem é de Fábio Serapião.

BOVESPA – Reportagem de Lucas Bombana, Folha de S. Paulo, destaca que a Bolsa de Valores de São Paulo vem acumulando perdas ao longo de 12 dias seguidos e que só no mês de agosto registrou recuo de 5%. As autoridades monetárias, a começar pelo Banco Central, ainda não se manifestaram sobre o problema, mas ele está ligado à elevação que se registra no dólar comercial e, portanto, há uma conexão entre a engrenagem comercial e o movimento acionário no país.

Seria interessante que houvesse um pronunciamento do ministro Fernando Haddad e da ministra Simone Tebet que, junto com o BC, presidido por Roberto Campos Neto, tem as suas atividades vinculadas ao mercado de ações de forma direta ou indireta.

Uma linha de transmissão no Ceará pode causar apagão em todo o país? É preciso responder

Sem energia, água e internet: o amazonense não tem um dia de paz

Charge reproduzida do portal Amazonas1

Pedro do Coutto

Uma linha de transmissão com sobrecarga no Ceará e outra linha distante no Pará, em Belo Monte, podem acarretar um apagão de energia elétrica em todo o país por várias horas? O ministro Alexandre Silveira não acredita muito nessa versão, como deixou claro na longa entrevista na tarde de terça-feira na GloboNews, tanto assim que recorreu à Polícia Federal e à Agência Brasileira de Inteligência para que informassem o que acham do episódio e quais as verdadeiras causas para o corte de energia em amplitude nacional.

 Uma linha de transmissão no Ceará, francamente, área da Companhia Hidrelétrica do São Francisco, não pode acarretar um efeito em todo o Brasil. Não acredito. Ou mesmo um defeito em outra linha de transmissão, que está em Belo Monte, no Pará, é capaz de proporcionar o mesmo efeito negativo. Inclusive, o defeito apontado na linha de transmissão do Ceará não especifica o trecho em que se deu a sobrecarga, o que seria fácil de verificar pedindo informação à Chesf. No caso da linha de transmissão de Belo Monte, bastaria consultar a Eletronorte. Nada foi esclarecido.

RESPOSTA – Daí a pergunta permanece aguardando uma resposta que pelo menos esclareça os pontos em que se deram os dois problemas e como o Operador Nacional do Sistema não manobrou as demais conexões para evitar que interrupções no Ceará e no Pará pudessem repercutir em outros estados. A suspeita de intenção preconcebida de prejudicar o governo Lula é válida.

Muito estranho o que ocorreu. O Ministério de Minas Energia não obteve durante toda a tarde de terça-feira informações concretas sobre os episódios no Ceará e no Pará. As reportagens não procuraram a Chesf e nem a EletroNorte que poderiam confirmar ou até desmentir as versões que circularam. Na entrevista, o ministro Alexandre Silveira voltou a atacar a privatização da Eletrobras e estranhar, a meu ver com razão, que na véspera do apagão a Eletrobras tivesse substituído o presidente da holding. Saiu Wilson Ferreira Júnior e entrou Ivan Monteiro.

Alexandre Silveira destacou que a União, mesmo possuindo 42% das ações da Eletrobrás, não foi sequer consultada sobre a troca de comando. Na verdade, a União detém 42% das ações da Eletrobras, mas seu voto – uma surpresa total, contradição absoluta – só dispõe de 10% de votos para as decisões. O governo Lula da Silva encaminhou o caso à Advocacia-Geral da União e recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra tal discrepância.

RECOMPRA – A posição do governo Lula contrária à privatização da Eletrobras já foi verbalizada algumas vezes. Ontem foi declarada pelo ministro Alexandre Silveira. O preço da venda foi ridículo, R$ 33,7 bilhões. Não tem cabimento colocar no estatuto que no caso de recompra de ações, a União Federal teria que pagar três vezes o valor de mercado dos países.

São dispositivos colocados na cláusula por evidente má-fé. Por essas e outras que não podemos descartar a possibilidade de ter ocorrido um ato de sabotagem para prejudicar o governo Lula junto à opinião pública. A União Federal está sendo altamente prejudicada pelo sistema de privatização em vigor na Eletrobras. A população brasileira está sendo feita de idiota, pois não é possível que quem detenha 42% do capital de uma holding, tenha o seu poder de voto limitado a 10%. Uma exploração clara do dinheiro público.

ROLEX –  Reportagem de Bianca Gomes, O Globo desta quarta-feira, destaca que o advogado Frederick Wassef, depois de negar que houvesse recomprado o Rolex vendido ilegalmente pelo tenente-coronel Mauro Cid nos Estados Unidos, admitiu que de fato viajou para aquele país e da conta que possui sacou US$ 49 mil para comprar a joia novamente e que havia sido um presente do governo da Arábia Saudita ao ex-presidente brasileiro.

A operação foi realizada para que Jair Bolsonaro cumpra a decisão do Tribunal de Contas da União e devolva o Rolex ao patrimônio público, conforme estabelece a lei em vigor.

Votação de Milei faz povo argentino perder 22% do valor de sua moeda

Charge do Cazo (tribunaribeirao.com.br)

Pedro do Coutto

A votação do candidato ultradireitista Javier Milei, nas prévias para a sucessão presidencial da Argentina, causou um abalo na economia ainda maior do que estava ocorrendo ao longo do governo Alberto Fernández: o dólar avançou 22% no mercado, atingindo 690 pesos. Os juros básicos fixados pelo Banco Central avançaram 18%, passando a fronteira dos 110% ao ano. Foi um desastre para a economia, para a política, para a população do país.

Os que saíram às ruas para comemorar a vitória de um candidato, classificado por Hélio Schwartsman na Folha de S. Paulo de ontem como um anarcocapitalista, foi a derrota da população em geral, na medida em que a moeda nacional perdeu ainda mais fortemente o seu valor. Entretanto, foi uma “maravilha” para os que possuíam dólar estocado e viram da noite para o dia o patrimônio aumentar 22%.

VANTAGEM APARENTE – Foi também uma vantagem aparente para os exportadores e um desastre completo para os importadores. Algo semelhante ao que aconteceu no Brasil em 1961 quando Jânio Quadros assumiu a Presidência da República. De cara, dobrou o valor do dólar que então era monopólio do Banco do Brasil.  A história tem episódios que se repetem. Aliás, as alternativas não são amplas quando se trata de dinheiro e moeda, de lucros e prejuízos.

Javier Milei, na verdade, alcançou uma vitória apertada nas prévias. A abstenção foi grande e os votos nulos e brancos ficaram em 6%. As porcentagens se aproximaram entre os candidatos, mas a direita tem suas razões para comemorar porque a candidata que chegou em segundo se classifica como da direita moderada.

Considerar o peronismo de esquerda é forçar demais o raciocínio ideológico. Através do tempo, Perón nunca foi de esquerda. Ele era um populista, mas com um fascínio enorme sobre o eleitorado. Ariel Palacios, em seu comentário na GloboNews na noite de segunda-feira, lembrou a trajetória de Juan Domingos Perón em mais de 70 anos da política portenha. Lembro que no dia 3 de outubro de 1955, quando o eleitorado brasileiro elegia JK, Perón era derrubado do poder por um golpe militar, interrompendo o seu mandato obtido na reeleição de 1952.

AMEAÇA – Houve ameaça de bombardeio contra a Casa Rosada. Perón saiu às pressas levado por uma lancha pelo Rio da Prata até um navio paraguaio. Dali obteve asilo na Espanha. Em 1958, em plena ditadura militar, foram convocadas eleições. O candidato peronista Arturo Frondizi venceu as eleições, mas foi deposto antes do fim de seu mandato.

Em 1963, novas eleições. Venceu o peronista Arturo Illia. Também foi deposto. Longo período sem voto. Nas urnas de 1972, o peronismo venceu com Héctor Cámpora que renunciou, habilitando novo pleito para o ano seguinte. Perón venceu disparado, elegendo como vice a mulher com a qual estava casado, María Estela, chamada de Isabelita. Morreu Perón, María Estela foi deposta. Em 1982, o ditador Leopoldo Galtieri invadiu as Ilhas Falkland.  A Inglaterra retomou militarmente o espaço. Em 1982, Raúl Alfonsín derrotou o candidato peronista Ítalo Lúder e se elegeu presidente da Argentina.

O peronismo foi, talvez, o único movimento que resistiu à passagem do tempo. Perdeu para Guilherme de la Rúa que não terminou o mandato, perdeu para Mauricio Macri, mas venceu com Néstor Kirchner, Cristina Kirchner e mais recentemente com Alberto Fernández. No momento, o governo Fernandéz está desgastado e a própria política argentina na medida que proporcionou condições para que Milei chegasse na frente nas primárias. As eleições presidenciais estão marcadas para outubro e provavelmente haverá segundo turno.

PROJETOS – Voltando ao êxito de Javier Milei, pode-se prever um panorama de calamidade, bastando considerar que o candidato tem como projeto acabar com o Banco Central e estabelecer o dólar como moeda padrão na Argentina. Quer também acabar com os ministérios e permitir a venda comercial de órgãos humanos. Incrível. Impressiona que com tais bandeiras conseguiu obter 30% da votação. Em relação ao Brasil, seu posicionamento é basicamente o oposto ao do presidente Lula da Silva. Um obstáculo para Milei é a posição de anarcocapitalista, uma contradição profunda, pois o anarquismo é o que há de mais contrário ao capitalismo.

Pessoalmente não creio que venha a ser ele o vitorioso nas urnas de outubro. Aproxima-se mais, inclusive, do pensamento integralista brasileiro, na medida em que prevê a centralização do poder e a substituição dos ministérios. Daí o nome de Integralismo dado ao movimento de Plínio Salgado que culminou com o atentado de 1938.

ELETROBRAS –  Wilson Ferreira Júnior, que presidiu a Eletrobras nos governos Temer e Bolsonaro, responsável pela privatização desarticulada da holding, pediu demissão do cargo na tarde de segunda-feira e já foi substituído por Ivan Monteiro, que já ocupou cargos de direção no Banco do Brasil e na Petrobras. No O Globo, a reportagem é de Manuel Ventura. Na Folha de S. Paulo, de Alexa Salomão.

Uma contradição absoluta na chamada privatização encontrou-se no fato de a União, embora detendo 40% do capital acionário da Eletrobras, somente ter direito a um percentual de 10% dos votos. Este talvez seja o único exemplo no mundo de tal situação.  Outro ponto que chama a atenção é o valor com o qual foi privatizada a holding, R$ 37,7 bilhões. Uma brincadeira.

Assassinato de crianças no Rio de Janeiro é algo hediondo e enigmático

Eloah foi atingida por uma bala quando estava sobre a cama

Pedro do Coutto

Na edição desta segunda-feira de O Globo, reportagem de Carmélio Dias, Giulia Ventura, Karoline Bandeira e Luísa Ernesto Magalhães, destaca amplamente uma tragédia que atinge principalmente a Zona Norte do Rio de Janeiro, através das chamadas “balas perdidas”, que de perdidas só têm o nome.

Elas transportam consigo a tragédia da morte tendo como alvo crianças e adolescentes que nada têm a ver com o duelo de facções criminosas e com confrontos mortais entre a Polícia Militar e os bandidos, tanto do tráfico de drogas quanto das milícias, e que dominam os cenários carioca e fluminense.

PERPLEXIDADE – As ocorrências se repetem em série interminável e agora atingiram a menina Eloah de cinco anos de idade, cortando a sua vida e o seu futuro, deixando mais uma vez a sociedade perplexa, atingida por um sentimento de impotência. Que balas perdidas são essas? Levam consigo um roteiro repetidamente assassino. As crianças são os alvos comuns dos disparos, aumentado, sem dúvida, à luz da lógica, a impressão de que as armas que as dispararam seguiam o caminho de áreas que se transformaram em roteiros da violência pelos mais diversos motivos.

O ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, convocou uma reunião de emergência das polícias para investigar e focalizar o assunto. A menina Eloah e Wendel Eduardo, de 17, morreram durante uma ação da Polícia Militar no último sábado na Ilha do Governador.

Não é possível, penso, que balas perdidas só atinjam inocentes, o que transmite a hipótese da tragédia ser ainda maior porque tais episódios sinistros conduzem a uma intimidação e a uma inevitável submissão social em que bandidos impõem a obrigação de que casas sirvam também de esconderijos, e da parte policial para que as populações não acolham os criminosos no duelo de morte do fogo cruzado.

CONTRADIÇÕES – Os bastidores do crime e do castigo são complexos. Ninguém pense – disse outro dia o meu amigo Ruy Castro – que possam ser facilmente desvendados. São relacionamentos obscuros, plenos de contradições, de interligações, de comprometimentos parciais nos quais os verdadeiros chefões de organizações criminosas não têm problema de que agentes seus sejam mortos. Eles os substituem.  

O comprometimento vai até o limite em que os que ocupam um lado contrário possam facilitar o tráfico e ações milicianas se isso puder ser feito. Se não puder, podem matar os inimigos que os chefes os trocam sem maiores problemas. No Correio da Manhã, onde trabalhei praticamente 20 anos, também atuavam os delegados Rescala Bitar e Oswaldo Carvalho.

Esses trabalhavam na Redação. Havia também repórteres que eram policiais. Um dos temores era o de que fossem atingidos de surpresa nas movimentações constantes que a atividade exige. Ocorreu, por exemplo, com o policial Perpétuo de Freitas no cerco ao bandido Mineirinho na Mangueira. P

CONEXÕES – Perpétuo frequentava a Redação do Correio da Manhã e contava histórias surpreendentes. Todos esses casos revelam como são complexas as teias da criminalidade, e as conexões nos lances em que se perdem vidas humanas.

O governador do Rio, Claudio Castro, pensa em construir um muro para proteger a Linha Vermelha. Proteger de quê? Dos disparos criminosos. Portanto, neste caso, as balas têm endereço certo e as vítimas perdem a vida no abismo da calamidade.

ELETROBRAS – Em matéria na Folha de S. Paulo, Marcos de Vasconcellos publicou artigo revelando que enquanto as ações da Copel, Companhia Paranaense de Energia, subiram após a sua privatização na última semana, as da Eletrobras, agora, exatamente um ano depois de ter sido desestatizada, recuaram 20%.

As ações, seis meses antes da privatização, haviam subido 35%. Portanto, os investidores passaram a temer as perspectivas, inclusive porque o próprio presidente Lula da Silva classificou a privatização de uma “bandidagem”. O preço da venda do controle acionário foi ridículo, R$ 33,7 bilhões.

Só Furnas sozinha vale mais do que isso. Além de sua produção, é responsável pela transmissão da energia proveniente de Itaipu. A Companhia Hidrelétrica do São Francisco vale mais também do que R$ 33 bilhões. A privatização foi um desastre para o país e um sucesso para os compradores.  Marcos de Vasconcellos assinala ainda que analistas do BTG Pactual e da XP continuam a recomendar a compra de ações da Eletrobras.

Millôr Fernandes, personagem de Dumas, sempre confrontando o poder, completaria 100 anos

Millôr transmitia informações através de uma visão inteligente

Pedro do Coutto

Millôr Fernandes, jornalista, autor teatral, tradutor de peças, humorista e cartunista, foi um homem múltiplo que esta semana completaria 100 anos. Foi um personagem de Alexandre Dumas, um Dartagnan dos Três Mosqueteiros, sempre disposto a enfrentar o peso e a influência do poder sobre os episódios da vida que se desenrolam todos os dias.

A sua página no antigo O Cruzeiro, revista de maior projeção na época, tinha o título de Pif-Paf e fez história no jornalismo brasileiro. Teve uma presença firme na cultura nacional e a luta pela liberdade de existir para ele foi tão essencial quanto o ar que respirava.

CAMINHADAS – Fui seu amigo e companhia certa nos finais de semana nas caminhadas pela Vieira Souto, da esquina da Aníbal de Mendonça ao Arpoador, ida e volta. Vínhamos com ele, Gravatar, Carlos Nasser e eu, aos domingos, com uma parada em seu apartamento com vista para o mar, quando oferecia um café da manhã fraterno e sempre agradável.

Era um polemista em muitos casos, mas sempre transmitindo uma informação nova, uma visão inteligente, um ângulo inusitado e uma forma de discutir e desvendar o pensamento. Foi uma grande figura e merecedor do artigo que ontem Ruy Castro escreveu na Folha de S. Paulo e também no Caderno Especial Folha Ilustrada que a FSP lançou sobre ele, dando-lhe o destaque merecido após a sua trajetória iluminada.

MARCA – Deixou a sua marca no tempo e se tornou um produtor de cultura imediata através de visões urgentes na trajetória que passa com a rapidez que identificamos após atravessarmos várias décadas de atividades. Millôr Fernandes fazia rir com a mesma facilidade com a qual traduzia peças de Shakespeare, e com o mesmo vigor com o qual combateu a opressão, a ditadura militar e a censura.

A sua obra está exposta, penso, na internet. Vale a pena ingressar em seu universo de esplêndidas surpresas e de traduções simples, de emaranhados difíceis em meio às sombras. Ele as atravessava com a luz da sua inteligência e com a sua arte múltipla que projetou para sempre caminhos descobertos pela força e pela sinalização de suas palavras.

DIGITAIS –  Em reportagem publicada neste domingo na Folha de S. Paulo, Fábio Serapião afirma que nas transações com as joias recebidas de presente que deveriam ser entregues ao patrimônio da União, as digitais do ex-presidente Jair Bolsonaro aparecem no avião que as transportou para os Estados Unidos, na aeronave que trouxe o relógio de volta, e em outros estojos que não se sabe ao certo qual destino tomaram.

A Polícia Federal pediu ao Supremo Tribunal Federal a quebra do sigilo bancário de Bolsonaro. Não deve haver problema, pois ele próprio comunicou no sábado abrir mão deste sigilo. Mas a questão se complica porque no momento em que ele abre mão do sigilo, sinaliza estar disposto a negar sua participação, transferindo-a para o tenente-coronel Mauro Cid, para o general Mauro Cesar Cid, pai do ex-ajudante de ordens, e para o advogado Frederico Wassef. Bolsonaro ameaça recorrer ao silêncio. O general Mauro Cesar Cid e seu filho assumirão toda  culpa ?

Escândalo das joias, o maior da história do Brasil, tem um capítulo chapliniano

Charge do Amarildo (agazeta.com.br)

Pedro do Coutto

O escândalo das joias destacado na sexta-feira pela GloboNews e pela TV Globo, e manchete da Folha de S. Paulo, O Globo e Estado de S.Paulo, tem uma dimensão colossal que o coloca como o maior da história do Brasil na medida em que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, o general Mauro Lourena Cid, o advogado Frederico Wassef, um personagem sombrio, além de outros oficiais do Exército que formavam no Gabinete da Presidência da República.

É inacreditável que um general, um tenente-coronel e sobretudo um presidente da República, tenham se envolvido em programas de leilões de joias recebidas de países estrangeiros para transformá-las em dólares. O relógio que faz parte das joias levadas para o exterior clandestinamente chegou a ser vendido em Miami, mas aí é que entra a característica chapliniana.

PATRIMÔNIO NACIONAL – Por uma coincidência do destino, o Tribunal de Contas da União determinou que a joia fosse recolhida ao patrimônio nacional. Aliados de Bolsonaro convocaram o advogado Frederico Wassef para recomprar o relógio.

Imaginem só que o relógio vendido em Miami foi reencontrado na Pensilvânia. Uma verdadeira corrida pelos responsáveis pelo roubo movimentando-se atrás da joia para devolução ao TCU. Uma verdadeira sequência chapliniana. Os autores de livros policiais nunca narraram um caso com tal hipótese.

Além disso, o tenente-coronel Mauro Cid comunicou ao seu pai Mauro Lourena Cid que fotografasse as joias que seriam colocadas em leilão. Ele o fez, mas deixou refletir a sua própria imagem. Uma cena incrível. Somados, configuram-se no maior escândalo da história do país, conforme disse.  

QUEBRA DE SIGILO – A Polícia Federal pediu ao ministro Alexandre de Moraes, que preside o inquérito, a quebra de sigilo das contas de Jair Bolsonaro. Mas há outros personagens envolvidos nessa trama. O fato chocou o país. O Exército comandado pelo general Tomás Miguel divulgou uma nota oficial dizendo que não comentaria a operação, mas que “não compactua com eventos de desvio de conduta de quaisquer de seus integrantes”.

Reportagem de O Globo, de Eduardo Gonçalves, Paola Serra, Reynaldo Turollo e Daniel Gullino destaca o episódio com base em levantamento da Polícia Federal que concluiu pela existência de uma organização criminosa no entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro e pela formação do mercado paralelo de joias recebidas e vendidas no exterior. Na Folha de S.Paulo, escreveram Fábio Serapião, Julia Chaib, José Marques, Marcelo Rocha e Matheus Vargas.

Bolsonaro terá que depor novamente à PF. A afirmação do general Tomás Miguel Paiva, comandante do Exército, foi focalizada em matéria de Fábio Vieira, FSP, representando um posicionamento firme do militar sobre o assunto envolvendo o general Mauro Lourena Cid e seu filho, o tenente-coronel Mauro Cid.

Campos Neto quer substituir o rotativo por juros de 9% ao mês, o triplo da inflação anual

Campos Neto não pode trocar o rotativo estratosférico por juros espaciais

Pedro do Coutto

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em reportagem de Natalia Garcia, Folha de S. Paulo desta sexta-feira, e de Renan Monteiro no O Globo, afirmou que o BC está estudando acabar com as taxas do rotativo no cartão de crédito que hoje superam 400% ao ano por um sistema de parcelamento com uma taxa de 9% ao mês.

Os juros atuais do crédito rotativo cobrado pelos bancos é recorde mundial absoluto e constitui há muito tempo uma vergonha nacional e internacional para o Brasil. O sistema atravessa décadas e lembro que o escândalo veio à tona no governo João Figueiredo quando Delfim Netto retornou à equipe ministerial no Planejamento.

INADIMPLÊNCIA -Atravessou o tempo fomentando uma inadimplência inevitável já que é impossível a qualquer pessoa pagar juros nessa escala; como também será impossível pagar 9% ao mês quando a inflação prevista este ano oscila entre 3% a 4%.

É só fazer as contas e chegar à conclusão da impossibilidade absoluta. Não é possível cobrar juros nessa ordem num cenário em que a inflação oscila entre 3% a 4% no espaço de 12 meses. Como é que as pessoas podem arcar com um compromisso desse tipo? A saída, claro, seria não fazer dívidas de jeito algum. Mas isso é impossível diante da realidade. Economistas como Roberto Campos Neto, no fundo, têm horror à realidade.

Fala-se em juros praticamente todos os dias, mas não se toca no problema dos salários, que são os alvos dessas taxas e não têm como enfrentar uma realidade que remete à fome mais de 30 milhões de brasileiros e brasileiras. O déficit social brasileiro é muito maior do que a dívida interna do país que eleva-se a em cerca de R$ 6 trilhões sobre a qual incidem os juros de 13,25% da Selic por ano. Com isso, favorece-se incrivelmente as aplicações de capital no mercado guarnecido pela tradicional mão de tigre.

LUCRO – Agora mesmo, matéria de Lucas Bombana, Folha de S. Paulo, revela que o lucro dos grandes bancos no segundo trimestre deste ano alcançou R$ 24 bilhões. Entre os grandes bancos, Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander. O lucro da Caixa Econômica Federal certamente também se inclui entre os maiores. Detém um alto volume de cadernetas de poupança que rendem por ano de 6% a 7%. Basta a CEF aplicar os depósitos das cadernetas em títulos regidos pela Selic que rendem mais que o dobro.

Portanto, terminar com o rotativo dos cartões de crédito não é a solução. Na verdade é uma obrigação do poder público. Mas Campos Neto não pode substituir o rotativo estratosférico por juros espaciais de 9% ao mês. Não livrará a população brasileira das dívidas e da inadimplência. É preciso que a rota dos salários funcione para uma efetiva redistribuição de renda no país. É o único caminho.

DREX – Natália Garcia, na Folha de S. Paulo, em reportagem bastante ampla, explica como deverá funcionar a moeda real Drex destinada a modernizar as aplicações financeiras e também a compra de carros e imóveis. A moeda digital, portanto, está restrita a segmentos de renda elevada, repousando essencialmente na transferência de dinheiro. De forma nada surpreendente abrange as remessas internacionais de capital.

A contratação de serviços também integra o elenco da moeda digital que já tem até a sua característica gráfica produzida e reproduzida na edição de ontem da Folha. O Drex é uma ilusão. Não incentiva a economia, não influi no mercado de trabalho, muito menos redistribui a renda, não está voltado para a imensa maioria da população brasileira.

Diante do Drex, relembro uma história contada por Nélson Rodrigues ao longo das confissões que escreveu no O Globo numa sequência de suas memórias iniciadas no Correio da Manhã. Morava numa casa com um jardim à frente, perto do Grajaú. Sua mãe contratou um jardineiro para cuidar das plantas. Numa visita do jardineiro português, ela disse “É bom que o senhor venha aos sábados”. O jardineiro respondeu: “O sábado é uma ilusão”. Lembrei dessa história quando vi anunciado o Drex digital.

OBRAS PARADAS –  Existem no Brasil, das mais variadas dimensões, 8600 obras paralisadas que estão causando um prejuízo enorme não só pelo custo de sua retomada, que supera R$ 30 bilhões no mínimo, mas principalmente, pelo efeito que teriam causado se tivessem sido realizadas dentro dos tempos previstos.

Esse déficit parece invisível, mas é real, embora não seja calculado pela elite monetária que atua no mercado financeiro. Mas é só imaginar em quantas pessoas perderam a vida por falta de equipamentos médicos e por falta de atendimento. Quantas pessoas deixaram de comer porque não conseguiram emprego que teria sido fornecido pela finalização de obras no tempo previsto?

Agora, por exemplo, o governador Cláudio Castro pensa em construir um muro ao longo da Linha Vermelha para evitar balas perdidas no caminho. Incrível. Aliás, Bernardo Mello Franco escreve um bom artigo no O Globo sobre tal projeto.

Assassinato no Equador repercute no mundo como prova de terrorismo politico

Villavicencio foi assassinado covardemente nesta quarta-feira

Pedro do Coutto

O assassinato de Fernando Villavicencio, candidato à Presidência da República do Equador, chocou o mundo e alcançou uma repercussão proporcional a do crime, pois os assassinos atuaram de surpresa num encontro com eleitores, desfechando-lhe três tiros na cabeça. Morreu na hora e no momento surgiu uma onda internacional de condenações ao ato que acentuou a presença tanto do extremismo quanto de seu aliado mais recentes, o terrorismo.

O episódio está na linha da invasão do Capitólio em janeiro de 2021, na invasão de Brasília e na revelação espantosa que aponta – conforme a GloboNews divulgou na tarde de quarta-feira – de Donald Trump ter urdido até um projeto de falsificação dos votos do colégio eleitoral americano. Junte-se a isso a trama golpista do Brasil articulada por Anderson Torres e Silvinei Vasquez na sombra do ex-presidente Jair Bolsonaro para depor o governo Lula pela força.

CONEXÃO – O encadeamento de episódios radicais revela uma conexão de ideias e vontades que ultrapassa o desejo de que aconteça uma ruptura para tentativa concreta e armada de depredar a democracia e executar o próprio rompimento do quadro político com as urnas e com a democracia.

O assassinato no Equador é mais um capítulo da intolerância para com as ideias e da violência contra a própria integridade e a vida humana.  A conexão tem um caráter destrutivo que é a marca dos radicais que em momentos da história, por falta de argumentos lógicos e democráticos, recorrem ao crime, ao assassinato, à violação da lei e à destruição da propriedade, seja ela pública ou particular.

Com o crime no Equador, escreve-se mais um capítulo numa série de violências e de violações cujo percurso num rastro de morte, infelizmente, continuam. No caso de Donald Trump, a sua situação agravou-se ainda mais, tendo o ex-vice presidente Mike Pence como testemunha, pois ele recusou-se a participar da farsa cujo objetivo era falsificar o resultado das urnas americanas.

AGENDA VERDE –  Numa entrevista à Beatriz Bulla, o Estado de S. Paulo desta quinta-feira, Luciana da Costa, diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES destacou a importância de uma presença firme do banco na sustentação de uma política voltada para a economia verde e para um esforço integrado contra a poluição através de um impulso voltado em primeiro lugar para o setor de energia.

“Estamos atrasados, mas está a tempo de recuperarmos o espaço perdido, fomentando a energia eólica, a energia solar e reduzindo a emissão de carbonos que depende também do combate ao desmatamento”, afirmou Luciana da Costa, acrescentando que a preocupação climática é legítima e deve motivar todos os segmentos do governo Lula da Silva.

A diretora disse ainda que: “Não dá para a gente achar que a transição energética vai cair por inércia e nem que ela vai acontecer sem subsídio, porque os Estados Unidos estão subsidiando a transição energética. A Europa está subsidiando. Austrália, subsidiando. Não vamos ter a quantidade de subsídio que eles têm, mas vamos ter de ser mais eficientes, mais criativos. Só que temos vantagens comparativas. O custo da energia eólica e solar, no Brasil, é um dos mais baratos do mundo. Tem estudos que mostram que o hidrogênio verde no Brasil vai ser um dos mais baratos do mundo. Então, tem tudo para dar certo, mas temos de fazer dar mais certo, sim. E se a gente não regular, se a gente não organizar, a gente perde o bonde”, afirmou.

PREÇO DO DIESEL –  Reportagem de Denise Lima e Gabriel Vasconcelos, o Estado de S. Paulo de ontem, revela que o preço do óleo diesel que vem sendo cobrado pela Petrobras está 28% abaixo da cotação internacional. Isso torna a importação inviável para as empresas independentes e é preciso considerar que a importação do diesel representa 24% do consumo brasileiro.

A questão do preço já está começando a influir no abastecimento, atingindo distribuidoras em vários pontos do país.  O presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores, Wallace Landim, defende um aumento de R$ 0,40 por litro. A questão do diesel, portanto, terá que ser estudada pela Petrobras.

DEFASAGEM – E não só o diesel, pois de acordo com o presidente da Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis, Sérgio Araújo, os preços da gasolina estão defasados na escala de 18%. É preciso, acentuo mais uma vez, confrontar os preços do óleo bruto do qual o Brasil é exportador, com os preços das importações. Não compreendo porque não é feito esse cálculo comparativo.

Quando o preço sobe, o valor das exportações brasileiras cresce. Quando o preço dos produtos refinados aumenta, as despesas com as importações aumentam também. Trata-se apenas de fazer uma conta nos dois lados para que se tenha ideia do reflexo em real dos dois valores em sentidos diferentes, mas com um resultado que deve ser único.

TESTE –  Fernanda Brigatti, em reportagem na Folha de S. Paulo desta quinta-feira, destaca que várias empresas brasileiras irão começar a testar nos próximos meses um novo modelo de trabalho com base na semana de quatro dias e com a manutenção de oito horas diárias e os salários atuais.

A empresa americana Day Week avaliará a produtividade com o novo modelo de jornada. Os interessados na experiência devem se inscrever no programa até o final deste mês, 31 de agosto. A expectativa de Renata Rivetti, da Reconnect, é que na primeira etapa 50 empresas participem da experiência. Gabriela Brasil, diretora da Day Week, disse que a base do projeto está numa mudança cultural.

Anderson Torres: uma confissão tácita de um delegado pela estrada do absurdo

Torres foi acometido por uma absurda amnésia sobre o documento golpista

Pedro do Coutto

O ex-ministro da Justiça Anderson Torres, em seu depoimento que prestou na terça-feira à CPI do Congresso, enveredou pela estrada do absurdo, mas confessou tacitamente o seu conhecimento e a sua participação na tentativa de golpe contra o presidente Lula da Silva. Torres deixou claro o seu comportamento por uma série de motivos em relação aos quais não formalizou qualquer encadeamento lógico.

Ele disse que a minuta do projeto de decreto levado a Jair Bolsonaro para intervenção no Tribunal Superior Eleitoral era um texto produzido por alguém e que lhe foi entregue, mas não se recordava por quem e que em vez de jogá-lo fora, deixou-o exposto numa mesa da sala de sua residência. Quanto à sua ausência de Brasília, voltou a afirmar que não possuía informações sobre a invasão do dia 8 de janeiro. O seu telefone celular diz que perdeu, não sabe onde.

TORRENTE DE ABSURDOS – Sobre os acontecimentos do dia 12 de dezembro, quando extremistas incendiaram ônibus e caminhões e tentaram invadir a Polícia Federal, não conseguiu falar a respeito do pensamento que lhe ocorreu quando estava jantando num restaurante de Brasília. Enfim, uma torrente de absurdos e inverdades, culminando com suas declarações de que o projeto golpista é fantasioso.

A Folha de S. Paulo, reportagem de Thaisa Oliveira, e o O Globo de Lauriberto Pompeu e Paolla Serra, edições de ontem, focalizaram amplamente o assunto que passa da realidade para uma completa fantasia com o objetivo de negar o óbvio essencial da questão. Na verdade, Anderson Torres deixou claro que confirmava toda a trama articulada junto com Bolsonaro, primeiro para impedir a posse do presidente eleito, e em seguida para derrubar o seu governo.

Diante da sequência de disparates, a senadora Eliziane Gama, da relatoria da Comissão Parlamentar de Inquérito, anunciou que vai propor uma acareação entre o ex-ministro da Justiça e o ex-superintendente da Polícia Federal na Bahia Leandro Almeida. Isso porque Anderson Torres deslocou-se para a Bahia no domingo do segundo turno quando ordenou a “fiscalização” dos ônibus que transitavam no Nordeste.

OBRAS – Perguntado o motivo pelo qual viajou nesse dia, Torres disse que foi verificar o andamento de obras da PF no estado. Suas declarações, portanto, como se observa, não fazem o menor sentido e deixam claro a sua participação na trama antidemocrática, inclusive porque ao entrar de férias exatamente no dia da invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF, Anderson Torres encontrava-se na cidade de Orlando, justamente onde o ex-presidente Jair Bolsonaro se hospedara.  

Torres depôs com a tornozeleira eletrônica presa em seu corpo. No fundo, o seu depoimento transformou-se numa confissão por ação tácita, não dando margem a qualquer dúvida. Para complementar o episódio, na manhã desta quarta-feira, o ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão do ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques.

CONFISSÃO – O depoimento de Anderson Torres transformou-se num capítulo que ficará para sempre marcado na história política brasileira como uma confissão sinuosa, mas evidente, da trama de um golpe que procurava a invasão e as depredações de Brasília como um pretexto tão hediondo quanto praticamente impossível.

Na verdade, uma cópia da invasão do Capitólio em Washington em janeiro de 2021 para desfechar um golpe contra a vitória nas urnas de Joe Biden sobre Donald Trump. De janeiro de 2021 para a data de hoje, Trump enredou-se numa sequência de acusações criminosas e de absurdos na mesma dimensão de seus crimes. A meu ver, o bolsonarismo e Bolsonaro estavam no roteiro de Anderson Torres.

MOBILIZAÇÃO –  Em artigo publicado no New York Times, transcrito na edição de ontem no Estado de S. Paulo, Marc Tracy publica reportagem sobre a reação de atores americanos e ingleses contra a aplicação de métodos digitais à base da Inteligência Artificial para incluir suas imagens em filmes ou depoimentos em relação aos quais não autorizaram e, portanto, rejeitam as montagens e querem regulamentação legal, principalmente nos Estados Unidos, para impedir o uso da fotogrametria que permite a criação de movimentos e palavras para obras pelas quais os direitos pessoais não são remunerados.

Em jogos de futebol na Inglaterra, a Apple TV incluiu imagens de atores como se estivessem assistindo as partidas no meio da multidão para promover os espetáculos. Uma magia técnica chamada de TEed Lasso cria cenas de atores junto ao público nos estádios. A imagem do ator Peter Cushing foi usada para representar um personagem do mundo esportivo. Em Hollywood, recentemente, houve uma greve dos roteiristas que recebeu o apoio de atores e atrizes. O sistema artificial vem se tornando, sustentam os artistas, de uso de imagens e palavras numa realidade virtual inventada e não produzida.

Romeu Zema, um desastre que, politicamente, fortalece Lula ainda mais

Zema demonstrou a mais absoluta insensatez em sua crítica

Pedro do Coutto

Ao criticar o Nordeste e defender uma união econômica entre o Sul e o Sudeste, o que inclui evidentemente Minas Gerais, o governador Romeu Zema cometeu um absurdo completo, uma falta de ética total, e terminou de forma indireta fortalecendo o presidente Lula ainda mais junto ao eleitorado, sobretudo na medida em que foi o Nordeste que nas urnas de outubro assegurou a vitória do atual presidente da República.

As reações contra Romeu Zema foram intensas, surgindo de todos os lados e deixando o governador numa situação entre o desastre e o ridículo de sua colocação. Na edição desta terça-feira de O Globo, Merval Pereira coloca muito bem a questão quando acentua que, para dizer o mínimo, Zema revelou uma visão distorcida da realidade brasileira. No final da tarde de segunda-feira, Natuza Nery na GloboNews havia focalizado amplamente o absurdo unindo também as opiniões de Fernando Gabeira e de Gérson Camarotti.

INSENSATEZ – Foi um acontecimento político totalmente negativo para o governador que teve um momento de absoluta insensatez, não medindo os reflexos de sua opinião e com isso distanciou-se de maneira definitiva do quadro de aspirantes à sucessão presidencial de 2026. Deixou o espaço aberto para Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, que, sem dúvida, no panorama de hoje, é o mais cotado para enfrentar Lula da Silva, candidato natural à reeleição.

O Nordeste foi decisivo para a vitória em 2022 e torna-se novamente de importância estratégica para as eleições de daqui a três anos. Esse tempo passa rápido, mas na política acontecem mudanças inesperadas. A Folha de S. Paulo publicou reportagem sobre as declarações, incluindo comentários de João Gabriel e Igor Gielow.

O desastre do governador de Minas Gerais não podia ser maior. Colocou-o num plano menor no quadro geral da política brasileira e ampliou a força eleitoral de Lula, do PT e demais partidos que formaram a coligação vitoriosa nas urnas de outubro do ano passado. Os próprios correligionários de Romeu Zema ficaram imobilizados. Gol contra que ele marcou.

DREX  – Reportagem de Stefane Rigamonti, Folha de S. Paulo de ontem, destaca amplamente uma ideia que está surgindo no Banco Central de criar o real digital, com o nome de Drex, moeda eletrônica, uma etapa posterior a do Pix que permite transações no mercado financeiro. Na minha opinião não tem ligação efetiva com o processo de desenvolvimento econômico.

Teria, inclusive, uma de suas bases no mercado de criptomoedas, explica Fábio Araújo, autor do projeto original que o Bacen pretende lançar em 2024. Araújo, acentua a reportagem, explica as etapas e os degraus para que a moeda eletrônica chegue ao mercado. No fundo, penso, trata-se de um projeto voltado para fortalecer as aplicações financeiras, proporcionando a todos um acesso direto ao setor de capitais. Será uma ilusão? Ou um lance cujas consequências estarão restritas ao mercado financeiro?

PETRÓLEO – Os autores e interessados na exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, projeto já condenado pelo Ibama e pela ministra Marina Silva, retornaram à ofensiva e agora, revelam Malu Gaspar e Rafael Moraes Moura, O Globo, estão tentando obter um parecer da Advocacia-Geral da União. Os interesses envolvidos são muito fortes, mas os reflexos políticos também, uma vez que novamente iniciativas como essa chocam-se com o meio ambiente.

Em caso de êxito, acarretaria a provável demissão da ministra Marina Silva, que defendeu e defende o veto do Ibama. O caso teria também reflexo internacional, uma vez que o meio ambiente está se tornando cada vez mais um ponto nevrálgico na visão de um grande número de países. O Brasil perderia pontos na escala internacional por colocar em risco o meio ambiente e a população amazônica.

Consumo de drogas, uma ameaça social que também coloca armas nas mãos de bandidos

A questão cercada pela violência preocupa as famílias brasileiras

Pedro do Coutto

Um dos problemas mais graves, não só do Brasil, mas de uma série de países, é o consumo de drogas ilícitas que atinge a existência humana de forma terrível, abalando fortemente a saúde e colocando em risco a própria vida. Além disso, funciona para colocar armas nas mãos dos bandidos na luta que se prolonga pelos pontos de venda e de terror.

Na edição de O Globo desta segunda-feira, Demétrio Magnoli escreveu um bom artigo sobre a questão focalizando o tema em pauta no Supremo Tribunal Federal sobre a diferença entre o consumidor e o traficante.  A divisão merece ser levada em prática, sobretudo porque, no caso da maconha, se não for observado o limite sinuoso, jovens serão levados à prisão agravando um problema que já se apresenta como fortemente dramático. A questão preocupa bastante as famílias brasileiras já que os pontos, tão tóxicos quanto intoxicantes, são cada vez mais cercados pela violência.

FRONTEIRA – A decisão do Supremo Tribunal Federal fixando uma fronteira frágil entre o traficante e o consumidor, é claro, não resolverá o problema, mas de qualquer forma o reduz numa proporção, que embora pequena, é suficiente para respeitar a vontade de quem se vê levado ao entorpecimento de si próprio. A questão, entretanto, é mais ampla e difícil.

Veja-se o exemplo da substituição de malas que levaram duas brasileiras a uma terrível prisão na Alemanha por um transporte de cocaína em relação ao qual não tinham a menor dose de culpa. Sinal de que o torpe mercado está atingindo sofisticações que ameaçam a todos além dos consumidores que derrotam a si mesmos.

Acredito que somente uma campanha publicitária bem feita, como foi o caso da campanha contra o fumo, pode levar a um bom grau de êxito. O consumo de fumo baixou acentuadamente e o uso do cigarro passou a causar uma rejeição generalizada na população. Hoje não se admite fumar em restaurantes, em transportes públicos, em reuniões de todos os tipos. Sucesso semelhante pode ser atingido no combate ao consumo de drogas.

RESULTADOS –  Infelizmente, parcelas da juventude enveredaram por esse caminho. E os resultados são os que observamos hoje, com conflitos em áreas de operações dos bandidos, confrontos diários também com a polícia e milhares de vidas cortadas por balas que se consideram perdidas no espaço da tragédia. O problema no mercado de consumo de drogas é imenso.

A solução para tal descontrole é múltipla e complexa. Só uma publicidade massiva será capaz de reduzir substancialmente o mercado sinistro do impulso tão destrutivo quanto autodestrutivo que a rigor ameaça o próprio planeta.

CONTRATAÇÃO DE CRÉDITOS –  Reportagem de Vitor da Costa, O Globo, revela que empresas brasileiras, inclusive estatais, e o próprio governo do país, contrataram este ano créditos no montante de R$ US$ 5,8 bilhões no mercado internacional. Considerando-se, entretanto, a emissão de títulos do próprio governo em abril, o total até julho alcança US$ 8,1 bilhões.

Esse total, porém, é menor do que o volume contratado de 2019 a 2022,  durante o governo Jair Bolsonaro, quando as emissões de títulos em dólar superaram a escala de US$ 20 bilhões. Estão na lista das empresas que contrataram os créditos, a Vale, a Petrobras, a Braskem, a Azul, o Banco do Brasil, a Cosan e o próprio Tesouro Nacional.

O Tesouro Nacional, por exemplo, lançou papéis este ano de US$ 2,2 bilhões no mercado externo. Uma das razões, acredito, está nos juros menores em dólar do que a Selic em reais.  A comparação feita com a moeda americana dará uma diferença significativa porque os juros da Selic estão agora em 13,25% e os juros americanos em 5,5%. É fato também que a contratação de créditos externos estabelece o risco de câmbio.

Orçamento deve ser de R$ 5,8 trilhões para 2024 e a dívida pública vai aumentar

Proposta orçamentária deve deixar de ser uma peça de ficção

Pedro do Coutto

O governo Lula da Silva tem prazo até o próximo dia 31 deste mês para enviar ao Congresso o projeto de orçamento federal para o exercício de 2024 que deve ser 3% maior do que o que se encontra em vigor este ano pois a lei estabelece o reajuste automático de acordo com a inflação do IBGE.

O importante para o projeto do ministro Fernando Haddad de déficit zero no próximo ano é que a proposta orçamentária deixe de ser uma peça de ficção como tem acontecido através do tempo e se enquadre numa realidade financeira mais rígida e efetiva. Não é tarefa fácil, inclusive porque todos devemos levar em conta que a população do país de um ano para outro reúne cerca de mais duas milhões de pessoas.

PAGAMENTO DE JUROS – Além disso, tornando a ficção uma realidade irremovível, basta dizer que o pagamento de juros agora de 13,25% ao ano, taxa Selic, para rolar a dívida interna de R$ 6 trilhões, não é considerado uma despesa no chamado desempenho primário das contas públicas. Assim, vamos considerar  que o esforço para pagar os juros da dívida é algo que atravessa o tempo como se ele não existisse e pesasse nos dispêndios públicos.

Com esse aspecto pouco comentado pelos especialistas na matéria econômica, devemos chegar todos à conclusão de que o ficcionismo vai permanecer, pois não existe a menor possibilidade de o Brasil poder liquidar R$ 6 trilhões resgatando os títulos do Tesouro corrigidos anualmente pela Selic. Assim permanecerá oculta a verdadeira realidade do orçamento por um artifício que pertence ao estoque acumulado pelo ministro Delfim Netto nos governos Costa e Silva e Garrastazu Médici.

Delfim era o czar absoluto das finanças e depois do governo Médici foi embaixador em Paris e se elegeu deputado federal. Representava as correntes conservadoras que lideravam a Fiesp. Não tinha interesse algum num processo de redistribuição de renda. Pelo contrário, defendeu a tese de que primeiro teria que se fazer crescer o bolo para depois dividir os pedaços. A população brasileira está aguardando até hoje o fatiamento. Foi o grande manipulador da realidade.

APRECIAÇÃO- O déficit primário, ou superávit, dependendo das contas, de qualquer forma não refletia e nem reflete a realidade econômica brasileira. E continuará assim, acredito que pelo menos por mais um ou dois séculos. Mas essa é outra questão.O fato é que os números orçamentários são muito bons de serem apreciados no papel ou nas telas dos computadores, pois existe um déficit social que vai muito além das escalas de qualquer orçamento.

O ponto máximo do déficit social acumulado está na fome diária de 30 milhões de homens e mulheres, na falta de saneamento, nos becos das favelas, nos esgotos a céu aberto, na falta de água potável e também na incerteza de milhões de famílias se vão ter ou não condições de se alimentar no dia seguinte.

REPETIÇÃO –  O Orçamento do país apresenta-se permanentemente incompleto. O que será elaborado agora pelo ministro Fernando Haddad vai inevitavelmente repetir o drama das peças anteriores. Estará essencialmente fora da realidade porque não acredito que na escala das contas públicas apareça a despesa decorrente dos juros que desabam sobre a sociedade, mas que não tem culpa alguma do déficit gigantesco produzido no tempo.

Como o país não possui recursos para sequer pagar os juros anuais, a saída vem sendo emitir mais títulos para lastreá-los e daí a importância para os bancos, para os fundos de investimento e para os fundos de pensão das estatais a taxa da Selic que remunera as detentores do capital e tributa de forma agora direta a população brasileira.  A reportagem sobre o tema é de Idiana Tomazelli e Thiago Resende, Folha de S. Paulo deste domingo.

Um Rolex por testemunha! Cid assegurou para Bolsonaro e para si um péssimo lugar na História

Charge de Gilmar Fraga (gauchazh.clicrbs.com.br)

Pedro do Coutto

Não há dúvida de que o episódio em que se envolveu o tenente-coronel Mauro Cid, tentando vender por US$ 60 mil um Rolex de platina e brilhantes recebido pelo ex-presidente Bolsonaro da Arábia Saudita, assegurou para o ex-ajudante de ordens e para o próprio governo que terminou em 2022 um péssimo lugar na história do Brasil. Creio até que quanto à forma significa um fato sem precedentes e que dificilmente encontrará repetições através dos próximos séculos.

A matéria obteve grande destaque nas edições deste sábado no O Globo,  na Folha de S.Paulo e no Estado de S.Paulo. Incrível. Como é possível que o tenente-coronel Mauro Cid pudesse articular a venda de uma doação internacional, incluindo a participação da assessora do governo passado Maria Farani Rodrigues ?

INTERMEDIAÇÃO – Segundo ela própria disse, por ser fluente em inglês, foi encarregada por Mauro Cid de viabilizar a venda no exterior. Não conseguiu. Motivos não devem ter faltado, mas a intenção ficou marcada e o destino do relógio foi o patrimônio nacional entregue depois de cobrança pública ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

O tenente-coronel Mauro Cid transformou-se em um personagem estranho na administração do país. Era encarregado por Bolsonaro de resolver os problemas. Mas também tomava iniciativas. Não se sabe se todas ordenadas por Bolsonaro ou se algumas partiam de sua própria imaginação, como acontece em casos palacianos e nas áreas de poder.

O caso do Rolex é de uma importância singular, sobretudo pela forma arquitetada que foi montada a tentativa de venda que fracassou, mas que atingiu Bolsonaro junto a uma parte de apoiadores. Os vândalos de 8 de janeiro, pelo menos uma parte deles, não podiam fazer ideia a que ponto chegaria a atuação e a desenvoltura do tenente-coronel Mauro Cid.

SEM PARALELO – O perfil do ex-ajudante de ordens fantasticamente indicado no crepúsculo de 2022 para comandar uma unidade militar em Brasília, não encontra paralelo na estrada do poder, não só pela ousadia criminosa, mas também pela desfaçatez que o levou a acionar a assessora Maria Farani Rodrigues, deixando claro que comportamentos semelhantes já haviam sido realizados.

O caso se reveste de várias faces, como num jogo de dados. Francamente, receber um presente oficial, não recolhê-lo ao patrimônio da União, o que acabou tendo de fazer, e tentar vendê-lo no mercado secundário é estarrecedor. O episódio Bolsonaro, Mauro Cid, Rolex, reveste-se de uma carga extremamente negativa e revela um comportamento social que não respeitava os limites da lei.

No O Globo, a reportagem é de Camila Turtelli, Lauriberto Pompeu e Eduardo Gonçalves. Na Folha de S. Paulo é de Thaís Augusto e Gabriel Vinhal. No Estado de S.Paulo, de Júlia Afonso e Gabriel de Sousa. O episódio também foi amplamente focalizado na noite de sexta-feira pela TV Globo e pela GloboNews.

COMPORTAMENTO  – A repercussão está sendo enorme e crescerá ainda mais, sobretudo porque inevitavelmente alcança o comportamento de um militar do Exército que não só sabia, mas mandava demais. Esse perigo envolve os que detém o poder.

Mauro Cid falsificou atestados de vacinas, manteve diálogos com outros militares investidos no projeto golpista contra a democracia e tentou em vão liberar jóias femininas. Mauro Cid atropelou tudo. Saiu da galeria dos robôs para tentar atuação própria nos fatos do Planalto e fora dele.

ARRANHÃO – Sem dúvida, o sentimento maior do Exército foi arranhado por um dos seus integrantes que se encontra preso por determinação do ministro Alexandre de Moraes. Mauro Cid tinha também em seu poder uma cópia do projeto de decreto redigido pelo ex-ministro Anderson Torres voltado para uma intervenção na Justiça Eleitoral e no próprio Supremo Tribunal Federal, já que o presidente do TSE é o próprio ministro Alexandre de Moraes.

Jair Bolsonaro e Mauro Cid protagonizaram uma verdadeira tragicomédia na política brasileira e ficaram há poucos metros de uma tragédia gigantesca com as depredações de Brasília. Tenho a impressão de que seu tempo se esgotou, marcado pelos ponteiros de um Rolex luxuoso.

Se for condenado, Trump não poderá ser candidato; uma questão moral de bom senso

Trump tentou  impedir a proclamação da vitória de Biden

Pedro do Coutto

Comentaristas da política americana têm levantado dúvidas se mesmo condenado pela Justiça (processos não faltam), o ex-presidente Donald Trump poderá concorrer às eleições de novembro de 2024 e ser eleito para um novo mandato na Casa Branca. Baseiam-se no fato de a Constituição dos Estados Unidos não prever a hipótese de tal impedimento.

Mas isso conduz a um universo interpretativo baseado num princípio moral de bom senso que impede que o homem que tentou fraudar as eleições de 2020 e impedir a proclamação da vitória de Joe Biden, possa novamente disputar a Presidência da República. Um absurdo completo que é facilmente identificado no princípio substantivo do bom senso e do direito comparado, pois se um criminoso comum é privado da liberdade, como proporcionar a um condenado incomum a liberdade de governar o país?

BOM SENSO – Não faz o menor sentido quando se pensa objetivamente sobre a atmosfera que envolveria a maior economia do planeta sob o comando de alguém que poderia encontrar-se recolhido à prisão. Direito, como disse há pouco, é uma questão de bom senso e que, naturalmente, fixa limites no comportamento humano. Não é possível, portanto, que um prisioneiro da Justiça encontre-se livre para dialogar – aqui vai apenas um exemplo – com presidentes de outros países. Como será possível um presidente prisioneiro encaminhar a mensagem anual ao Congresso do país?

Portanto, passando da hipótese não prevista na Constituição a que tal lacuna possa ser preenchida na prática, equivaleria, sem dúvida, a permitir a qualquer condenado judicialmente a ser candidato a algum cargo político. Não tem cabimento. Os leitores e as leitoras certamente já sentiram a atmosfera que seria gerada não só nos Estados Unidos, mas no mundo inteiro, se Donald Trump, condenado e preso, concorresse pelo partido Republicano e vencesse as eleições.

A sua posição no partido Republicano é bastante sólida. Pesquisas apontam um índice de aceitação de 61%. Mas, mesmo na hipótese de vencer a convenção partidária, levaria para a campanha eleitoral uma divisão capaz de derrotá-lo no caminho das urnas. Há divisões no Partido Republicano que poderiam abrir uma dissidência nas eleições que ele, Trump, ambiciona.

ACUSAÇÃO – Mas não é apenas este o caso. A questão é que Trump é acusado de buscar na Geórgia – estado de Jimmy Carter, que já foi presidente dos Estados Unidos –  votos fraudados para levá-lo a conquistar esse colégio importante para o desfecho final das eleições. A mais grave acusação contra ele está na invasão do Capitólio e no esforço para impedir a diplomação do vencedor, Joe Biden. No episódio, é bom lembrar, morreram cinco pessoas e o ato causou um repúdio geral nos países democráticos, exceção do Brasil, de Jair Bolsonaro à época, cujas correntes repetiram a investidas dois anos depois em nosso país.

Por todos esses fatores, sou de opinião que nem tudo que não está escrito na Constituição e nas leis pode ser praticado. Não há dispositivos, tampouco poderia haver, destinados a impedir crimes de morte, de roubo, de peculato, de assaltos. Não está escrito, mas as penas existem. Logo, o impedimento está caracterizado pelo fato em si, não pelo texto legal que os impede. Se assim não fosse, as Constituições dos países seriam livros intermináveis, estabelecendo minuciosamente todas as impossibilidades que caracterizam as sociedades organizadas e civilizadas.

A candidatura de Donald Trump torna-se impossível, não apenas em face do que o Partido Republicano vier a decidir, mas sim em função do que a Suprema Corte inevitavelmente venha a resolver. Os conflitos humanos são de uma amplitude enorme, mas as suas soluções dentro da lei têm que ser decididas pelo Poder Judiciário. Não é porque a lei não impede isso ou aquilo que homens e mulheres possam se julgar imunes aos princípios morais e éticos que regem o relacionamento entre as pessoas e também o relacionamento entre o poder e a sociedade. Trump infringiu e ultrapassou os limites do impossível. Com isso, tornou a sua nova candidatura inviável.  

CRÉDITO ROTATIVO – Numa reportagem na edição desta sexta-feira do Estado de S. Paulo, Bianca Lima focaliza divergências entre os bancos e as lojas comerciais de varejo quanto às taxas cobradas (absurdas) pelo sistema bancário. Os cartões de crédito chegaram este ano a cobrar juros de 437% por 12 meses. Não há quem consiga pagar dívidas assim.

Os casos de inadimplência se multiplicam, abrangendo 74 milhões de homens e mulheres. O governo tenta mediar o assunto, mas nessa escala de juros qualquer acordo torna-se impossível. É perder tempo. Medidas executivas têm que ser colocadas em prática.

Na nuvem do Banco Central, Selic e inflação descem, mas juros reais sobem

Charge do Sinfrônio (humornanet.com)

Pedro do Coutto

O Banco Central reduziu de 13,75% para 13,25% os juros da taxa Selic que se mantinham elevados há praticamente três anos. O voto de desempate, surpreendentemente, foi de Roberto Campos Neto, que comandava a resistência a qualquer recuo da taxa. Tornou-se assim alvo do presidente Lula e do governo, pois se transformou num verdadeiro líder da oposição no universo monetário no país.

À primeira vista, a decisão foi recebida com alívio, um avanço para facilitar o acesso ao crédito tanto por parte das empresas que querem investir quanto da população que deseja consumir. Entretanto, examinando-se bem a questão, verifica-se que a influência da redução de 0,5% não alcançará efeito concreto na distensão de uma política de concentração de renda. Isso porque vamos comparar os números mais recentes entre a inflação e a Selic fixada pelo BC.

JUROS REAIS – Dentro da relatividade, constatamos que em 2021 para uma inflação de 10,6%, a Selic alcançou 13,75%. Logo, os juros reais estão em cerca de 3%. Em 2022, o IBGE estimou a inflação em 5,7%, e a Selic continuou em 13,75%. Os juros reais foram de 8% ao ano. Agora, na previsão para 2023, a inflação está calculada em 3,2%. A Selic passou para 13,25%. Portanto, os juros reais do mercado subiram e não desceram, atingindo dez pontos percentuais. Não há como negar esse resultado. Continua a ser ótimo para que o pequeno grupo de empresas e pessoas mantenham lucros elevados fomentando a política de concentração de renda.

A posição assumida por Campos Neto, elogiada por Fernando Haddad, é apenas uma cortina de fumaça para ocultar a verdadeira face da questão. Devemos observar paralelamente que o governo Lula não tocou em salários e a remuneração do trabalho humano. Pelo menos numa escala que não perca para o processo inflacionário é fator decisivo para o combate à fome, à insegurança alimentar e para o desenvolvimento social do país.

A compressão social era tão grande que se refletiu no número de 74 milhões de pessoas com dívidas vencidas a pagar. O governo teve que desencadear a operação “Desenrola” para aliviar uma situação que também inclui o risco de se eternizar, pois uma vez reabilitados no crédito, uma tendência inevitável será a de que uma parcela muito grande da população venha a contrair novas dívidas. A propaganda é intensa nesse sentido e os apelos são fortíssimos ao consumo e ao acesso aos cartões de crédito.

OFENSIVA – Os bancos mantêm a ofensiva da oferta dos cartões, não se incomodando muito com o cadastro das pessoas que possam contratá-los. O problema, assim, continua e a nuvem sobre o Bacen, a qual me refiro, assemelha-se às nuvens brancas do inverno que tornam o panorama de rara beleza em que permitem que o sol chegue suavemente nas praias, nas praças e nas ruas das cidades.  

A sensação do sol de inverno assemelha-se à da redução nominal dos juros da Selic, mas é preciso confrontar os juros da Selic com a inflação, uma vez que eles são feitos para remunerar credores e investidores dos títulos que lastreiam uma dívida interna de R$ 6 trilhões. A resolução do problema social brasileiro não avançou com a falsa diminuição dos juros cobrados. Ao contrário, representa um artifício conservador para transmitir uma sensação de falso avanço nas contas públicas.

ASPECTO POSITIVO – As reportagens foram amplamente publicadas na imprensa. Na Folha de S. Paulo, foi de Nathalia Garcia, no O Globo, de Renan Monteiro, e no Estado de S. Paulo, de Thaís Barcellos e Eduardo Rodrigues. Míriam Leitão em seu artigo no O Globo, focaliza bem o tema e destaca como um aspecto positivo a perspectiva de reduções seguidas de meio ponto percentual.

Cada meio ponto percentual, acentuo, equivale a uma redução de R$ 30 bilhões nas despesas do Tesouro com os juros da dívida. A projeção de juros até o final deste ano é observada também por Juliana Causin e João Sorima Neto, O Globo. A perspectiva é favorável, creio, inclusive, que seja a única possível. A força do mercado é muito grande e esse mercado, conforme já me referi, pode ser simbolizado na mão de um tigre.

ZAMBELLI – A deputada Carla Zambelli levou o hacker Walter Delgatti ao encontro do ex-presidente Jair Bolsonaro numa tentativa de fraudar as urnas das eleições de outubro e de preparar uma armadilha para o ministro Alexandre de Moraes. A Polícia Federal, diante das afirmações de Zambelli, quer ouvir novamente o ex-presidente da República.

No O Globo, a reportagem é de Paola Serra, Daniel Gullino, Eduardo Gonçalves e Daniel Saboya. Na Folha de S. Paulo, de Fábio Serapião. No Estado de S. Paulo, escreveram Pepita Ortega e Levi Teles.

ENCONTRO – Walter Delgatti, inclusive, diz ter se encontrado com Jair Bolsonaro no Palácio Alvorada, levado por Carla Zambelli. Delgatti é investigado por vazamento de dados da Lava Jato e outras atividades ilegais na internet. Não conseguiu penetrar nas urnas eletrônicas, principalmente porque elas não estão interligadas ao sistema eletrônico das redes sociais.

Estava tentando, sem conseguir, acessar dados pessoais do ministro Alexandre de Moraes. Como é possível, cabe a pergunta, o então presidente da República receber o hacker no Palácio Alvorada? Surgem novos caminhos que levam à invasão de Brasília e à tentativa de um golpe contra o presidente Lula.

Lula ainda não tem um projeto de governo e nem um plano de metas

Charge do galvão Bertazzi (Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

Há mais de seis meses no Palácio do Planalto, o presidente Lula da Silva, cuja popularidade segue em boa escala, não tem ainda um projeto integrado de governo e muito menos um plano de metas através do qual possa cobrar os desempenhos de sua equipe, incluindo além dos ministérios, as principais empresas estatais.

Ontem mesmo, quarta-feira, em artigo no O Globo, Vera Magalhães destacou a pressão de Lula sobre a administração da Petrobras para que funcione alinhada com os interesses do país. Portanto, na visão da jornalista, Lula ainda não considera a Petrobras integrada com os seus objetivos econômicos e sociais.

REFLEXOS – Mais uma vez, entra em foco, a questão dos preços tanto do petróleo quanto de seus derivados como a gasolina, o óleo diesel e o gás de modo geral. Com a política de preços que vinha sendo adotada no governo Bolsonaro, a estatal alcançou grandes lucros e distribuiu muitos dividendos. Mas seus resultados não refletiram numa melhoria das condições de vida da população. Pode-se dizer que a Petrobras atuou como uma empresa privada voltada para o lucro e para a sua acumulação.

Na realidade ela é uma empresa estatal e, por isso, tem que se encontrar vinculada a uma política de governo. Caso contrário, não faria sentido ela ter a União como a sua principal acionista. A questão do petróleo sempre foi motivo de amplo debate e de pressões externas e internas. A criação da Petrobras em 1953 é um exemplo. Mas isso pertence ao passado.

No presente é indispensável que o presidente Lula da Silva consiga traçar uma política definida claramente para a Petrobras e para o país. O presidente da República toca em pontos isolados da administração e não consegue fechar uma rede de iniciativas decorrentes de seus próprios conceitos.

ATAQUES –  Há meses, por exemplo, ele atacou fortemente a privatização da Eletrobras, dizendo, inclusive, que o processo foi marcado por uma “bandidagem”. Afirmação gravíssima, atingindo a segunda maior estatal do país. Mas não houve sequência para o combate à bandidagem que o próprio presidente identificou.

O programa Bolsa-Família permanece, mas não vem à tona os seus principais resultados, talvez por consequência da falta de divulgação profissional e gratuita sobre o trabalho do governo. Na edição de ontem de O Globo, Sérgio Roxo destaca um aspecto importante que acentua uma falta de articulação.

São anúncios do presidente Lula que surpreendem ministros do seu próprio governo. Isso aconteceu em vários casos, incluindo o programa de incentivos para a aquisição de eletrodomésticos. Há também o caso de passagens aéreas a preços reduzidos, além do financiamento de automóveis populares, que de populares só têm o nome.

ANTECEDÊNCIA – Trata-se não apenas que ministros contestem as iniciativas, mas que sejam avisados com antecedência. Agora mesmo, ocorreu o caso da nomeação de Marcio Pochmann para o IBGE, episódio que o presidente da República diz ter avisado à ministra Simone Tebet. É possível que em alguns casos, consequência do acúmulo de trabalho e responsabilidade, Lula possa fazer alguma confusão sobre os assuntos, mas isso não elimina a existência de uma descoordenação bastante visível.

Jeniffer Gularte, O Globo, destaca que a presidente da Caixa Econômica Federal, Rita Serrano, reuniu-se com o ministro Alexandre Padilha e com Marcio Macedo, secretário-geral da Presidência, num esforço para se manter no posto para o qual foi nomeada no início do atual governo. A permanência de titulares de cargos importantes, entre eles o da Petrobras, não deve continuar sendo uma consequência de pressões políticas que surgem repentinamente de vários ângulos. Tem que ser resultado de uma política integral do próprio Poder Executivo.

PGR – O presidente Lula da Silva, pelas suas próprias declarações e o seu ângulo de visão, está procurando um novo procurador-geral da República.  O tema é objeto de excelente reportagem de Jeniffer Gularte, Marianna Muniz, Alice Cravo e Paola Serra, O Globo. Lula deixou claro que substituirá Augusto Aras no momento em que disse que fará um pente-fino nos nomes cotados.

Pretende ouvir, sustenta a reportagem, os ministros Flávio Dino, Jorge Messias, Alexandre Padilha e o líder no Senado, Jaques Wagner. Ele já conversou sobre o assunto com os ministros do Supremo Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. De fato, a substituição de Augusto Aras sempre pareceu inevitável, sobretudo em função dos atritos que manteve com o STF.

A lista tríplice parece estar ultrapassada no pensamento do presidente da República. Mas isso não impede que algum procurador bem aceito por seus pares não termine sendo indicado para o posto. Como se observa, há vacilações demais e decisões de menos no Palácio do Planalto.

COPA FEMININA –  Foi uma partida difícil a que a seleção brasileira enfrentou diante da Jamaica que conseguiu neutralizar os ataques da seleção dourada que precisava da vitória. O empate classificou a Jamaica. Mais uma Copa se foi, mas outras Copas virão.

É do futebol, é do esporte em geral. Na minha opinião faltou comando à treinadora da equipe, Pia Sundhage.