Na Argentina, a escolha entre o status  quo intolerável e a mudança hiperbólica

Milei wins in Argentina, edging the country closer to the U.S. dollar

Décadas de crise institucional tiveram Milei como resultado

Marcus André Melo
Folha

Por que Milei escolheu a estratégia maximalista de apresentar um decreto de necessidade e urgência (DNU) para revogar 300 dispositivos legais? Seria por que todos os presidentes argentinos no período democrático fizeram algo semelhante? Sim, aqui a novidade seria apenas sua amplitude inédita. E nem tanto.

O peronista Carlos Menem implementou, via 545 DNUs, um programa radical que incluía a privatização da YPF, dos Correios, da Aerolíneas Argentinas etc. Como ampliou de 5 para 9 o número de ministros da Suprema Corte, adquiriu uma conhecida “maioria automática” contra questionamentos sobre a necessidade ou urgência dos DNUs.

TIRANIA DO DNU – Há muito ruído na cobertura do DNU. Entre nós, o paralelo com as medidas provisórias é descabido. O DNU foi introduzido pela Constituição argentina de 1994, mas, ao contrário das MPs brasileiras, permaneceu sem regulamentação.

Esta só veio em 2006, quando Cristina Kirchner aprovou uma lei neste sentido. No entanto, a lei é ainda mais problemática do que o texto vago da Constituição, porque praticamente impede o rechaço dos DNUs.

No período 1994 até 2006, não houve nenhum controle legislativo —não se formou comissões bilaterais— por omissão na regulamentação. No Brasil, antes da EC 32/2001, as MPs podiam ser reeditadas, mas havia algum controle; o STF chegou a invalidar lei aprovada apenas em plenário.

OUTRAS DIFERENÇAS – A lei aprovada em 2006 estipulava que o DNU só perderia a validade se fosse derrubado tanto na Câmara como no Senado. No Brasil, basta que uma das casas legislativas rejeite uma MP para que ela seja rechaçada.

E mais, ao contrário da lei brasileira, que prevê projetos de conversão de MPs, os DNUs não podem ser emendados. Tem que ser aprovados ou desaprovados na íntegra, como nossas raríssimas leis delegadas.

A grande assimetria a favor do Executivo levou analistas argentinos, como Carlos Nino, a denunciar o hiperpresidencialismo; e Guillermo O’Donnell, o mais famoso deles, a cunhar a expressão democracia delegativa. Já discuti aqui na coluna o caráter democrático das MPs.

VANTAGEM DE MILEI – A regulamentação de Cristina garante assim para Milei uma vantagem estratégica nas relações Executivo-Legislativo. É pegar ou largar. E basta contar com o apoio de uma das casas legislativas.

Mas Milei também apresentou uma “Lei ônibus”, com 351 páginas, contemplando 664 artigos. O decreto poderá ter a mesma sorte do pacote reformista de Macri: reenviado na forma de projeto de lei e aprovado, ainda que parcialmente. Milei não conta, contudo, com a “maioria automática” de Menem.

A escolha se dará entre o status quo — rejeitado amplamente nas urnas — e a mudança hiperbólica e voluntarista. Sim, trata-se da escolha trágica a que chegou a Argentina após décadas de degeneração institucional.

General G. Dias tem sido hostilizado em áreas públicas de Brasília e de São Paulo

G. Dias depõe à CPI e oposição cobrará explicações sobre alertas

General G. Dias está pagando o preço dos 15 minutos de fama

Eduardo Barretto
Metrópoles

O general Gonçalves Dias, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) durante o 8 de janeiro, tem sido hostilizado em áreas públicas. G. Dias foi ofendido em um mercado e em um posto de combustível. Com um perfil discreto, G. Dias não irá à cerimônia que lembrará o primeiro aniversário dos atos golpistas na segunda-feira (8/1).

O ex-chefe da segurança de Lula em mandatos anteriores está prestes a completar 74 anos. Ao fim de sua primeira semana no governo, no 8 de janeiro, foi flagrado caminhando entre os golpistas no Palácio do Planalto durante a invasão. O episódio lhe custou o cargo.

SAINDO DE BRASÍLIA – G. Dias foi isentado em duas CPIs do 8 de Janeiro, no Congresso e na Câmara Legislativa do DF, e conseguiu emplacar a tese de que só havia conseguido trocar 5% dos seus subordinados herdados de Jair Bolsonaro. Depois da vitória, passou a preparar sua mudança de Brasília.

O ex-ministro foi alvo de hostilidades em um mercado na capital federal e em um posto de gasolina em São Paulo, durante uma viagem de carro.

Nessas ocasiões, G. Dias não respondeu às provocações e não houve incidentes mais graves.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG –
Caramba, se um ilustre desconhecido como o general G. Dias não pode sair nas ruas, o que dizer dos atuais ministros do Supremo, que de alguns anos para cá se tornaram tristemente famosos. É o preço dos 15 minutos de fama. (C.N.)

Por que punir apenas os manifestantes golpistas usados como bucha de canhão?

Cleriston da Cunha, a primeira morte física devida à “Ditadura Judicial”  brasileira (veja o vídeo)

Clériston Cunha morreu na cadeia, sem trataimento médico

Joel Pinheiro da Fonseca
Folha

A última linha de defesa dos atos de 8 de janeiro de 2023 é dizer que não foram uma tentativa de golpe, mas apenas um vandalismo desesperado. Será? Vamos aos fatos. O dia 8 de janeiro não nasceu do nada. Foram anos de discursos mentirosos acusando nosso sistema eleitoral e meses de acampamentos golpistas em frente a quarteis clamando aos militares por um golpe de Estado. Foi a esses manifestantes que Braga Netto disse em novembro: “Tenham fé”.

Foi com eles que Michelle Bolsonaro orou. Dos mesmos acampamentos saíram os atos de vandalismo da noite de 12 de dezembro em Brasília e ainda a tentativa de explodir um caminhão-tanque no aeroporto de Brasília em 24 de dezembro. Mais do que o suficiente para criar o clima de pânico que poderia justificar uma intervenção militar.

BUSCAR O MOTIVO – Esse era o objetivo único. A invasão do dia 8, já desesperada porque a troca de poder ocorrera sem obstáculos, buscava promover um tumulto tal que provocasse a intervenção militar para garantir a ordem e, na sequência, sob algum pretexto qualquer, tirar Lula do poder.

Como posso afirmar isso com tanta certeza? Os próprios invasores que o disseram. Nos dias anteriores, enquanto conclamavam mais gente a se reunir em Brasília, divulgavam a “tomada de poder”. No próprio dia 8, placas pedindo intervenção militar. Tivemos ainda o caso de Matheus Lima de Carvalho Lázaro, mandou essa mensagem à esposa aflita que ficara em casa: “Tem que quebrar tudo, para ter reforma, para ter guerra, amor. Guerra! Para o Exército entrar. Entendeu? A gente tem que fazer isso aí para o Exército entrar, e todo mundo ficar tranquilo.”

Outra invasora, Fátima de Tubarão, apareceu em vídeo gritando: “Vamos para a guerra, é guerra agora. Vamos pegar o Xandão agora”. Não faltam exemplos.

APOIO DO EXÉRCITO – E havia motivo para acreditar que o Exército pudesse aderir? Sim. Dentro do Exército não faltava quem desejasse intervenção. Era o caso do coronel Jean Lawand, que, em mensagem a Mauro Cid —homem de confiança de Bolsonaro— implorava: “Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele dê a ordem, que o povo tá com ele, cara. Se os caras não cumprir, o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses caras não cumprir a ordem do, do Comandante Supremo.”

Cid justificou a inação do ainda presidente: “Mas o Pr não pode dar uma ordem… se ele não confia no ACe.” [Alto Comando do Exército]. Lawand responde enfático: “Então ferrou… Vai ter que ser pelo povo mesmo.”

O ex-major Ailton Barros garantia que bastava Bolsonaro pedir que o Exército aderiria. Além de confiança no Alto Comando, contudo, o que faltou a Bolsonaro foi coragem.

DISSE BOLSONARO – Suas palavras finais, logo antes de partir para a segurança dos EUA, em 9 de dezembro, foram: “E hoje estão vivendo um momento crucial, uma encruzilhada, um destino que o povo tem que tomar. Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês, quem decide para onde vai a Câmara e o Senado, são vocês também.” Encruzilhada? Mas a eleição já tinha passado…

O golpe de Estado é um crime com uma característica muito particular: ele só pode ser punido se não acontecer. Um golpe bem-sucedido, ao instaurar uma nova ordem política, anula as condições em que ele poderia ser julgado.

Só discutimos as punições ao golpe bolsonarista, portanto, porque ele falhou. Os golpistas utilizados por Bolsonaro e militares como bucha de canhão tinham recebido todos os sinais em apoio a seu ato de loucura. Por que só eles foram punidos?

No Brasil, a maioria dos partidos políticos tem vida curta e acabam sendo extintos

Charge do meio-dia: “novos partidos políticos” | Liberdade! Liberdade!

Charge do Jorge Braga (Charge Online)

Roberto Nascimento

É curiosa essa briga entre petistas pela sucessão do presidente Lula lá adiante, em 2030, porque na próxima eleição, em 2026, o criador do PT já é o candidato do partido, nem se discute a possibilidade contrária. Em 2026, se estiver bem de saúde aos 81 anos, o candidato chama-se Lula da Silva.

A disputa antecipada entre a deputada Gleisi Hoffmann e o ministro Fernando Haddad é até bizantina, porque aqui no Brasil os partidos acabam morrendo, se extinguem ao longo do tempo.

O fim das legendas começa justamente pela aposentadoria e morte dos seus líderes, com as guerras internas que então causam o progressivo enfraquecimento,

UDN E PTB – A UDN sucumbiu com a cassação de Carlos Lacerda decretada pelo general Castelo Branco. Depois, houve a extinção dos partidos, com a criação de Arena (governista) e MDB (meio governista).

Com a redemocratização, alguns velhos partidos foram recriados, como o PTB, linha auxiliar de Getúlio Vargas, cujo processo de extinção começou a entrega da legenda para uma sobrinha de Vargas, a deputada Ivete Vargas, numa conspiração do general Golbery do Couto e Silva, Chefe da Casa Civil do general presidente Ernesto Geisel, com o objetivo, de impedir que Leonel Brizola, recém-chegado do exílio, fosse o presidente do PTB.

Brizola criou então o PDT, de orientação trabalhista, condenando o PTB, a linha auxiliar da Ditadura Militar. Hoje, o PTB, não existe mais, o último coveiro do PTB, Roberto Jeferson, acabou de enterrar o partido de Vargas, por falta de eleitores.

ARENA E MDB – O partido ARENA (Aliança Renovadora Nacional), sustentáculo da ditadura, “morreu” em 1985, com o fim do regime militar. O MDB, Partido de oposição a Ditadura, entre aspas, foi perdendo capilaridade aos poucos.

Mudou o nome, transformando-se em PMDB e recentemente voltou a ser MDB, entretanto, em se tratando de uma frente com várias tendências ideológicas, caminha para o cadafalso.

O DEM, oriundo do Partido da Frente Liberal, sucessor da ARENA, para não morrer, se uniu ao PSL (Partido, que deu a sigla para Bolsonaro disputar a eleição de 2018). Com a briga entre Luciano Bivar e Bolsonaro, pelo controle do PSL, o Mito saiu do Partido e levou a maioria de seus deputados fiéis para o PL, comandado pelo cacique paulista, Valdemar da Costa Neto.

UNIÃO BRASIL – Em busca da sobrevivência, Bivar se uniu ao DEM, de Antônio Carlos Magalhães Neto e criaram o atual União Brasil, um saco de gatos gordos e amorfos, sem nenhuma cor partidária. Aos poucos, vão morrer na praia, se transformando em nanicos, sem expressão política.

O MDB, se enfraquece a cada eleição. Antes da democratização e até após a Constituição de 1988, era um partido nacional fortíssimo. Mas seus principais líderes foram morrendo, principalmente o Senhor Diretas, Ulysses Guimarães, e a ausência de líderes vêm desidratando o MDB, que se transformou em um partido do Norte e Nordeste. Aos poucos, caminha para a vala comum de um partido do passado.

PP (Partido Popular) sobrevive graças aos caciques, Arthur Lira, presidente da Câmara e deputado por Alagoas, e Ciro Nogueira, senador pelo Piauí e ex-chefe da Casa Civil do governo Bolsonaro.

PL DE BOLSONARO – O PL abriga o clã e apoiadores de Jair Bolsonaro, da extrema direita, e os conservadores do Centrão comandado pelo seu presidente Valdemar da Costa Neto. Com o tempo, o PL vai se tornar pequeno para abrigar dois caciques com sede de poder total, Bolsonaro e Costa Neto. Tudo vai depende da eleição de 2026. A explosão dos titãs está próxima. Divididos estarão perdidos.

O PSDB, Partido fundado por Mario Covas, Franco Montoro e Fernando Henrique Cardoso, saído de uma costela do MDB, com a morte de Covas e Montoro e a aposentadoria de Fernando Henrique, o Partido tucano, está próximo do fim. Hoje é nanico, sem expressão.

Houve uma luta ferrenha dentro do Partido, comandada pelo ex-governador João Doria, mestre na arte de dividir e trair seus companheiros. Doria brigou com o cacique mineiro Aécio Neves e com o governador gaúcho Eduardo Leite. O governador Rodrigo Garcia, que assumiu por nove meses, com a saída de Dória para disputar a presidência, se aliou ao Bolsonarismo, na eleição de 2022, e acabou de destruir o PSDB em São Paulo, sua base principal. Os tucanos já morreram e não sabem.

OUTROS PARTIDOS – O PT vem perdendo força, desde o Mensalão, e reduziu suas bancadas no Parlamento, nas eleições de 2018 e agora em 2022. O último suspiro do PT, é o presidente Lula, o cacique que carrega nas costas  a estrutura pesada do PT, um balaio de gatos, com integrantes do Centro e da Esquerda. Sem Lula, próximo da aposentadoria, o PT tende a cumprir o mesmo destino do PSDB e cair na vala comum dos nanicos.

PDT e PSB, Partidos de Centro Esquerda, se tratam de hospedeiros dos governos petistas. Não conseguem crescer e se encostam na sigla predominante. O fim deles se aproxima, à medida que o PT também cede espaço para os conservadores.

Deixei para o final, a análise do PSD. O Partido do ex- prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, vem trabalhando na surdina para se transformar no terceiro maior Partido do Brasil, atrás do PL e do PT. Seu maior quadro é na atualidade, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. É uma exceção à regra e está em crescimento.

Assim, as pessoas morrem e os partidos morrem também. Tudo, um dia acaba.

Lula jogou pela janela sua chance de liderar a luta contra barbárie política

Lula afirma que perdão a golpistas soaria como impunidade | Agência Brasil

Vaidoso, Lula alega ser um grande exemplo de democracia

José Casado
Veja

Dois janeiros separados por imagens diferentes. Ano passado, depois dos ataques às sede das instituições, a cúpula dos Três Poderes e 27 governadores uniram-se em manifestações públicas de louvor ao regime democrático.

Nesta segunda-feira, no primeiro aniversário da barbárie do 8/1, a cena foi bem diferente, marcada pela ausência deliberada de 14 governadores, da cúpula da Câmara e o protesto de dezena e meia de senadores.

FORA DA ORDEM – Não há razão para se acreditar que tantos políticos tenham atravessado as últimas 53 semanas em profunda reflexão coletiva sobre virtudes e defeitos da democracia e, agora, concluíram que é o pior de todos os regimes de governo.

Por isso, é evidente que alguma coisa ficou fora da ordem no evento montado pelo governo para a celebração democrática em em Brasília com “um eloquente NÃO ao fascismo” — expressão destacada por Lula em discurso.

O que deu errado? Entre os ausentes, a resposta mais frequente foi o uso político da solenidade no plenário da Câmara. Entre os presentes, a explicação mais constante foi “a polarização” em ano de eleições municipais.

DEMOCRACIA ABALADA – Os dois lados têm razão. E , nesse caso, significa uma sinalização ruim: a democracia segue “inabalada”, mas sem consenso mínimo sobre como poderá prover as necessidades básicas de duas centenas de milhões de pessoas, por exemplo, em renda, educação, segurança, saúde e previdência.

Lula escolheu fazer um discurso raso, metade impregnado pela fórmula sectária do “nós contra eles” e outra metade recheada de autorreferências.

Ofereceu-se à Justiça Eleitoral como garoto-propaganda: “Quando alguém colocar dúvidas sobre a democracia no Brasil, seria importante que vocês não tivessem receio de utilizar a minha história e a história do meu partido como garantia da existência inabalável da democracia nesse país.”

BOLSONARO E FILHOS – Dedicou-se ao adversário, sem nomeá-lo, que derrotou nas urnas do ano passado e que está inelegível, por condenação judicial, pelos próximos sete anos: “As pessoas que duvidam das eleições e da legalidade da urna brasileira, porque perderam as eleições, por que que não pede para o seu partido renunciar todos os deputados e senadores que foram eleitos? Os três filhos dele que foram eleitos? Por que que não renunciam em protesto à urna fraudulenta?”

Lula acabou reduzindo a celebração da democracia a uma briga de palanque. A fórmula tem se mostrado funcional para ele e Jair Bolsonaro manterem inflamados corações e mentes das respectivas torcidas. E só.

No domingo 8 de janeiro do ano passado, quando aliados de Bolsonaro começaram a invasão das sedes do governo, do Congresso e do Judiciário, o juiz Gilmar Mendes estava em Lisboa. Almoçava com Nuno Piçarra, juiz da Corte Europeia, sediada em Luxemburgo, e conversavam sobre o final pacífico da transição de governo no Brasil, com a posse de Lula uma semana antes. Surpreso com o noticiário sobre a devastação em Brasília, voltou ao Brasil e foi ao STF depredrado.

DUAS PERGUNTAS – “Diante do estrago, fiz duas perguntas” — contou Gilmar Mendes ao repórter João Almeida Moreira, do Diário de Notícias, de Portugal: ‘O que fizemos de errado para chegarmos aqui, dado o ódio, refletido nos danos, muito maior sobre o tribunal do que sobre o Congresso e o Planalto? E o que devemos fazer para evitar que se repita?’, e neste ponto entra um dever de todos que têm responsabilidade na vida pública, de tentarmos pensar em formas de fortalecermos a democracia.

Pode-se dizer que Lula jogou pela janela a chance de assumir a liderança de iniciativas para evitar que a barbárie política se repita.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Quanto ao fato de Lula citar a história de sua vida como consagração da democracia, seria melhor não tocar no assunto, porque teremos de falar no “Barba”, no “Mensalão”, no “Petrolão” e na existência oficial da segunda-dama Rosemary Noronha, que são quatro episódios picantes de nossa evolução democrática. (C.N.)

“Kids Pretos”, militares do Exército, são suspeitos de liderar os atos de vandalismo

Entidades de jornalismo e comunicação repudiam atos de vandalismo em Brasília - Portal da Comunicação

Os “Kids Pretos” incitaram e lideraram o vandalismo

Felipe Sena
Agência Estado

Há no Exército uma divisão altamente treinada em operações de sabotagem, evasões e operações de inteligência. O Comando de Operações Especiais (Copesp), chamado por militares somente de Forças Especiais e também conhecidos como “Kids Pretos” está, agora, no centro das investigações da Polícia Federal (PF) sobre os atos golpistas de 8 de janeiro.

Na última sexta-feira (29), a PF instaurou a 18ª fase da Operação Lesa Pátria e cumpriu mandado de busca e apreensão contra o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, que fez parte dos “Kids Pretos”, e é suspeito de envolvimento com os atos golpistas. Militares vasculharam o endereço do general da reserva. Além disso, a ordem expedida ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes permitiu o bloqueio de ativos e valores do investigado.

AMIGO DE PAZUELL0 – Ridauto foi diretor de Logística do Ministério da Saúde durante o governo Jair Bolsonaro, nomeado em janeiro de 2021 pelo atual deputado federal Eduardo Pazuello. Em meio à pandemia da Covid-19, o militar defendeu medidas como “intervenção federal” e de “Defesa ou de Sítio”.

O militar é investigado em uma das linhas da apuração da PF que visa a identificar suposta atuação de militares no início das invasões às sedes dos Três Poderes. Os investigadores suspeitam que ele pode ter sido um dos idealizadores da ofensiva antidemocrática.

Permanente, a Operação Lesa Pátria apura crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa, incitação ao crime, destruição e deterioração ou inutilização de bem especialmente protegido. “Os fatos investigados constituem, em tese, os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa, incitação ao crime, destruição e deterioração ou inutilização de bem especialmente protegido”, diz comunicado divulgado pela PF.

PARTICIPAÇÃO MILITAR – De acordo com uma das linhas de investigação da PF, a ação dos participantes dos atos golpistas pode ter sido orientada por militares do ‘Kids Pretos’. No inquérito, vândalos relataram a presença de pessoas de rosto coberto com balaclava e luvas ajudando na invasão das sedes dos Três Poderes. Os supostos membros das Forças Especiais, segundo depoimentos, teriam aberto escotilhas no teto do Congresso, feito uma escada com o gradil e, aí, chamado os invasores para entrar na sede do legislativo federal.

Quem são os Kids Pretos? As Forças Especiais, também conhecidos como “Kids Pretos” são um grupo de elite das Forças Armadas do Brasil e integram O Comando de Operações Especiais (Copesp). Os membros são altamente treinados para operações de risco, fuga e incentivo à insurgência popular.

O grupo é treinado para o cumprimento de missões que podem envolver guerrilhas, sabotagens e fugas, atacando estruturas como torres de distribuição de eletricidade e aeroportos.

“DE QUALQUER MANEIRA” – Entre os lemas das Forças Especiais, está a frase “qualquer missão, em qualquer lugar, a qualquer hora, de qualquer maneira”.

O ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL) chegou a fazer a prova de ingresso para os Kids Pretos duas vezes quando era militar, porém, foi reprovado nas tentativas.

À frente do governo, no entanto, colocou várias pessoas que teriam feito parte da divisão. Entre elas, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da República durante todo o seu mandato.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Quem lê a Tribuna da Internet não se surpreende com esta notícia, enviada por José Guilherme Schossland, pois a atuação dos “Kid Pretos” vem sendo denunciada aqui na TI desde o início das investigações.

A informação de que dispomos é que eles  chegaram às vésperas do dia 8 de Janeiro, por via aérea, e se hospedaram em pequenos hotéis da capital. O que mais surpreende é que a Polícia Federal tenha demorado tanto para iniciar as investigações dos “Kids Pretos”. Alguns usavam máscaras contra gases e luvas especiais, para devolver as bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela PM.  E todos tinham máscaras ninjas ou balaclavas para não serem reconhecidos. (C.N.)

A extrema polarização que atravanca o progresso do país

Charge do J. Bosco (oliberal.com)

Marcelo Copelli

Após o primeiro ano do terceiro mandato do atual presidente da República, Lula da Silva, verifica-se a ainda persistente polarização extrema no cenário político. E o comportamento se estende por vários setores da sociedade, ultrapassando os limites aceitáveis, constituindo espécies de realidades paralelas onde não se defende uma ideologia benéfica para a maioria, mas a obsessão pela conquista, ainda que à força, pela razão inquestionável. Não há diálogo, mas uma contínua e perigosa medição de forças.  

A situação afeta até mesmo o seio das famílias, promovendo a desagregação dentro de unidades empresariais e de instituições. Não existe meio termo. Se não concorda, se não alinha, representa o adversário incapaz de dividir a mesa. Lados opostos se definem simplesmente pela diversidade das opiniões políticas. E se formos analisar, não existe nenhum tipo de instabilidade social, aspectos revolucionários ou movimentações perigosas, de fato, que justifiquem a permanência de um quadro conforme o descrito.

CONFRONTO – Após quatro anos da última gestão, já é tempo do país retornar a um clima mais ameno, no qual, ainda que com grupos de pensamentos diferentes, as pessoas não sejam consideradas inimigas por confrontarem ideias. A democracia não pode ter duas medidas diferentes, sendo defendida apenas quando o candidato apoiado é eleito.

Tudo isso apenas forma mais obstáculos para o desenvolvimento do país, e quem perde é a população. A classe política sempre dá um jeito de se beneficiar, mas o resto da sociedade insiste em idolatrar cegamente e ignorar que os prejuízos atingem a todos.

Neste ano, com novas eleições no âmbito municipal, provavelmente haverá novamente instaurado o clima tenso de irracionalidade na defesa dos novos, ou velhos, ocupantes aos cargos. O choque de ideias e versões, a desinformação nas redes, entre outros fatores já conhecidos, apenas mancham o processo democrático.

DEBATE – O Brasil padece, pois se esvai o debate programático das ideias, a busca pelos caminhos para o desenvolvimento sócio-econômico, com distribuição de renda e mais dignidade para todos.

Enquanto a sociedade insistir em se fragmentar cada vez mais, os donos das novas capitanias manobram as massas com mais facilidade. Sem projeto e coesão, o progresso se dará por doses homeopáticas, enquanto que país clama por mais paz e menos donos da razão para poder caminhar.

Forças Armadas vivem sob espectro do golpe e não haverá punições a militares

0

Lula jamas toca no assunto da  punição aos militares golpistas

Hélio Schwartsman
Folha

Se eu estivesse na pele do Lula também faria o possível para evitar problemas com os militares. A última coisa de que o governo precisa é uma quartelada ou uma crise institucional. Mas é importante ressaltar que a opção pela política de apaziguamento tem um preço, que não é baixo.

Neste primeiro aniversário da tentativa de golpe bolsonarista, os incorrigivelmente otimistas destacam que a intentona fracassou porque a cúpula das Forças Armadas se recusou a patrocinar a aventura. Verdade, mas, considerado o quadro geral, não vejo motivos para celebração.

PARTICIPAÇÃO ATIVA – Militares, incluindo alguns oficiais-generais, participaram ativamente das tramas democraticidas, se é que não constituíam a espinha dorsal do movimento. E, ao que tudo indica, serão poupados dos rigores da lei.

Se o ambiente nas casernas fosse verdadeiramente democrático, jamais teríamos chegado ao ponto a que chegamos. As tentativas do ex-presidente de cooptar militares para apoiá-lo teriam sido interrompidas “ab ovo”.

Vimos isso nos EUA, quando o general Mark Milley, então chefe do Estado-Maior das FFAA, deu uma patada atômica em Donald Trump quando este tentou envolver os militares em política doméstica.

PREÇO DA COMPLACÊNCIA – Brasileiros, pagamos hoje o preço por nossa complacência do passado, quando abrimos mão de responsabilizar os militares por crimes da ditadura. Ainda que se entenda que a Lei de Anistia tornou a responsabilização penal impossível, restariam a responsabilização política e uma necessária reforma institucional.

Para nos livrarmos de vez do espectro de golpes futuros, teríamos de criar uma sólida barreira legal à politização dos quartéis, rever os cursos de formação de oficiais, para ensinar aos jovens que o golpe de 1964 foi um golpe e não uma revolução heroica, e, principalmente, para reescrever o artigo 142 da Carta, para deixar insofismavelmente claro que militares não interferem na política.

Lula não fará nada disso.

Alguns rostos significam vida plena, na poesia de Vicente Limongi Netto

Autógrafos de Pedro Rogério | Portal Anna Ramalho

Limongi (dir.), com o amigo Pedro Rogério

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista e poeta amazonense Vicente Limongi Netto, radicado há anos em Brasília, no poema “Água Benta”, mostra a percepção que certos rostos expõem.

ÁGUA BENTA
Vicente Limongi Netto

Alguns rostos significam
vida plena
têm água benta
comovem oceanos
pintam as cores do céu
caminham na imensidão dos rios
são devotos dos peixes
adormecem nas margens de Deus

“Explorar politicamente o fato deplorável é igualmente desonesto”, comenta Ciro Gomes

Ciro Gomes

Ciro Gomes critica o oportunismo político de Lula

Karina Ferreira
Estadão

O ex-candidato à Presidência da República pelo PDT, Ciro Gomes, publicou nesta segunda-feira, dia 8, uma nota em que diz que os atos golpistas de 8 de Janeiro estariam sendo explorados politicamente, em vez de serem “punidos exemplarmente”.

A nota, publicada em sua conta no X (antigo Twitter), começa falando que os atos merecem punição.

EXPLORAÇÃO POLÍTICA – “Os atos de vandalismo e de depredação do patrimônio público, ocorridos por insubmissão política aos resultados eleitorais, devem ser punidos exemplarmente, principalmente a partir dos grandes responsáveis pelo seu financiamento e motivação.”

A seguir, o pedetista cutuca, ao que parece, o governo federal e o Supremo Tribunal Federal (STF), afirmando que as punições não estão ocorrendo, mas sim, segundo ele, a exploração política do fato. “Explorar politicamente o fato deplorável é igualmente desonesto e é o que está acontecendo.”

A nota de Ciro ocorre no mesmo dia em do ato realizado pelos Três Poderes em memória dos ataques antidemocráticos ocorridos há um ano. Convocado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ato “Democracia Inabalada” ocorreu no Salão Negro da sede do Legislativo.

RESULTADOS – Até agora, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, proferiu 6.204 decisões relacionadas aos ataques de 8 de Janeiro. Desse total, foram 255 medidas de busca e apreensão em 400 endereços e 350 medidas de quebras de sigilo bancário e telemático. As medidas resultaram em 800 diligências. Os resultados foram divulgados em um relatório neste domingo, 7, pelo STF.

Ao longo de 2023, foram recebidas 1.345 denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Até o mês de dezembro de 2023, 38 acordos foram homologados com acusados pelos crimes menos graves (aqueles que estavam em frente aos quartéis). Nesses acordos, os réus admitiram os crimes e se comprometeram a pagar multas e a fazer curso sobre a democracia, por exemplo.

Contudo, como mostrado pelo Estadão, os atos golpistas completam um ano sem punição a mentores e financiadores.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Lula é um líder de currículo nebuloso, que enriqueceu na política e passou 580 dias na prisão. Tenta de todas as formas ocultar o passado, mas é tarefa praticamente impossível. Procura se projetar de qualquer maneira, no país e no exterior, mas acaba fazendo bobagens, como esse evento “Democracia Inabalada”.

O resultado foi péssimo, porque mostrou que só estão sendo punidos os manifestantes pés de chinelo, enquanto os responsáveis pelo golpe fracassado continuam absolutamente impunes, especialmente os militares que se envolveram na aventura.

Embora a imprensa amestrada elogie tudo que Lula faz, desta vez o petista está passando ridículo. Por fim, a ideia do evento não partiu dele, foi obra de dona Janja da Silva, que está ressignificando o papel de primeira-dama, função que já tinha sido inovada anteriormente por Rosemary Noronha. (C.N.)

Os bastidores do Salão Negro, que parecia um amplo camarote na Marquês de Sapucaí

Lula diz que 'perdão soaria como impunidade' e que ato do 8/1 marca vitória  da democracia

Lula disse que o ato do 8/1 marca a vitória da democracia

Vicente Limongi Netto 

O sol alto e forte apareceu, no céu de Brasília, saudando o vigor da democracia. Convidados de menor expressão foram se acotovelando, disputando melhores lugares, para sentar nas cadeiras apertadas no Salão Negro do Congresso. Convidados vips, encaminhados para um outro salão, próximo ao Salão Negro, local da memorável festa.

Como o carnaval está perto, parecia um amplo camarote da Sapucaí. Que acabou ficando pequeno, na medida que os convidados chegavam.  Um dos primeiros foi o ex-presidente José Sarney, logo rodeado pelos poucos presentes.

CHEGARAM JUNTOS – Ministros do Supremo Tribunal Federal parece que combinaram, foram chegando juntos. Motivo: antes, no plenário da Suprema Corte, o ministro-presidente, LuÍs Roberto Barroso, fez sua festa particular.

Discursou, sem dividir holofotes com ninguém, rodeado de ministros e de ministros aposentados, Ayres Brito e Rosa Weber, que presidia a Corte, na época do vandalismo.

Também presentes o futuro ministro do STF, Flávio Dino e o presidente da OAB Nacional, Beto Simonetti.

SARNEY BRILHANDO – Antes de Lula chegar com Janja da Silva, idealizadora do evento, Sarney foi a maior atração. Ganhou tapinhas nas costas de figuras que nem conhecia. Prestígio é isso. Trocou idéias com Rodrigo Pacheco, Ayres Brito e o vice, Geraldo Alckmim.

O ministro que se mostrou mais afável, sorridente e conversador com Sarney, foi Alexandre de Moraes. Aliás, o xerife Moraes tinha amplos sorrisos para todos.

Quando o dono da orquestra democrática entrou no salão das rodinhas dos poderosos da República, acompanhado de Janja, o beija-mão foi geral.

BEIJIM-BEIJIM – O educado Luis Roberto Barroso foi o primeiro a se dirigir ao encontro da primeira dama  e cumprimentá-la com dois beijos no rosto.  Seguido de Flávio Dino, Rodrigo Pacheco, Alckmin, Sarney, Carmem Lúcia, Rosa Weber e Gilmar Mendes. O decano do Supremo e torcedor do Santos, Gilmar Mendes, foi o que mostrou mais afeição ao beijar Janja. Pareciam amigos de colégio.

Alexandre de Moraes conversou com Ricardo Stukert, fotógrafo e amigo pessoal do presidente Lula. O cabeludo e agitado Ricardo indicava, pelos gestos das mãos, que vai mandar novas fotos interessantes das badernas para a coleção pessoal do ministro.

OUTROS DESTAQUES – A senadora Eliziane Gama, sorridente e sem sair do lado do conterrâneo Sarney. Foi ela a relatora da CPI das badernas de 8 de janeiro.

A operosa diretora-geral do Senado, Ilana Trombka, responsável pelo evento na casa do Legislativo que organizou o marcante espetáculo cívico, circulava sem parar, atenta aos detalhes, para que tudo saísse nos conformes.

Ilana, de vestido vermelho, é servidora respeitada e antiga da Câmara Alta. Mereceu abraços e sorrisos de Lula.

MINISTRO ESPAÇOSO – O ministro Flávio Dino, espaçoso e eufórico, como sempre. Na rodinha dele, outro sorridente era Gilmar Mendes. Estavam encostados na parede com amplo painel atrás e no alto, da galeria dos ex-presidente do Senado Federal.

Ninguém registrou nem viu se Flávio Dino dirigiu-se a José Sarney. Nem para um simples e educado aceno.  Na saída para o Salão Negro, Pacheco, Lula, Barroso e Moraes, tiraram foto com um imenso exemplar da Constituição, impresso especialmente para a solenidade.

Esqueceram de chamar Sarney para aparecer na foto histórica. Afinal, foi o imortal Sarney o responsável pela transição democrática do Brasil.

Polarização, que é obra de lideranças, depende muito do futuro incerto de Bolsonaro

Nani Humor: POLARIZAÇÃO

Charge do Nani (nanihumor.com)

Maria Hermínia Tavares
Folha

A polarização política inquieta todos quantos aspiram a uma democracia sólida e estável para o país. A lembrança da invasão da praça do Três Poderes pelas hordas bolsonaristas, a completar um ano na segunda-feira que vem, serve de alerta para os riscos de novas sortidas da direita radical. Contorná-los requer clareza sobre os perigos da divisão dos brasileiros entre “nós” e “eles”.

Recomendo, por oportuno antes de tudo, o último episódio de 2023 do podcast “Fora da política não há salvação”, no qual o cientista político Claudio Couto (FGV-SP) entrevista seu colega Antonio Lavareda (Ipesp), reconhecido estudioso da opinião pública. Retomo aqui algo daquela proveitosa conversa.

NÃO É NOVIDADE – A polarização política não constitui propriamente uma novidade. Em certa medida, é induzida pela eleição em dois turnos para os cargos executivos. Além de reduzir a duas as opções dos eleitores na segunda volta, esse sistema pode induzi-los, já na primeira, a afunilar suas escolhas nos candidatos mais bem colocados.

Por outro lado, como mostraram os cientistas políticos Cesar Zucco e David Samuels, a oposição entre petismo e antipetismo vem estruturando a disputa presidencial há muito tempo. E, pelos menos desde 2006, agrupa os eleitores em dois campos nítidos e estáveis.

A novidade em 2018 foi a ascensão, no polo antipetista, de uma liderança facistoide que tomou o lugar até então ocupado pelo PSDB, sigla comprometida com a democracia. Essa revolução e tanto no condomínio das direitas ampliou a distância entre os dois polos e fez mais áspera a disputa entre eles.

INDÍCIOS CONTRADITÓRIOS – Ainda é cedo, porém, para dizer até que ponto a extrema direita bolsonarista está alojada nos corações dos eleitores e quão sólida é sua liderança no campo do antipetismo.

Recente pesquisa da Genial/Quaest traz indícios contraditórios sobre o grau de polarização na sociedade. De um lado, só 6 em cada 100 eleitores de Bolsonaro —sete entre os lulistas— se dizem arrependidos de seus votos. Além do mais, o que uns e outros fizeram diante das urnas se correlaciona com sua avaliação do novo governo.

De outro lado, 15% dos que sufragaram o ex-capitão erguem o polegar para o desempenho de seu adversário vitorioso; índice pouco menor acredita que o governo está no rumo certo e 25% daqueles se dizem otimistas quanto ao desempenho da economia em 2024. Muito cedo, portanto, para falar em identidades políticas calcificadas. De todo modo, sendo a polarização obra de lideranças, sua sobrevida e intensidade dependerão muito do incerto futuro de Bolsonaro e da disposição da direita de buscar rotas mais civilizadas.

Ausências famosas exibiram insatisfação com uso político do 8 de Janeiro por Lula

Bancada evangélica anuncia apoio a Arthur Lira para presidência da Câmara

Na última hora, Lira decidiu jogar a toalha

Carlos Newton

Cada um deu uma desculpa, que o Planalto terá de engolir. Mas o fato concreto é que o presidente Lula da Silva tentou fazer uso político da invasão dos Três Poderes no 8 de Janeiro, mas o tiro saiu pela culatra, porque o sonífero evento acabar por levantar as múltiplas contradições e injustiças que têm sido cometidas em nome da democracia.

Como destaque na ala dos insatisfeitos, 14 governadores não compareceram ao evento em referência ao 8 de Janeiro e muitos dos que marcaram presença agora está arrependidos e sentem que foram usados por Lula.

FALTARAM À FESTA – Entre os que faltaram estão os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); do Paraná, Ratinho Júnior (PSD); de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL); do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL); de Goiás, Ronaldo Caiado (União), entre outros.

Todos eles lamentaram uso político do ato, inclusive o governador mineiro Romeu Zema, que tinha confirmado sua participação, já que se encontrava em Brasília, mas depois achou melhor não comparecer.

Zema disse pelas redes sociais que não participou do evento porque estava negociando, com o governo federal, a dívida de Minas Gerais. Além disso, ele criticou o uso político do evento.

Zema sobre dívida bilionária de MG: 'Se fosse fácil teria resolvido'

Zema criticou o uso político do ato

DISSE ZEMA – “Estou em Brasília para vários compromissos, o mais importante dele é tratar a dívida gigante de Minas Gerais que foi construída nas últimas décadas e que precisa ser solucionada. Estava prevista a minha ida a um evento constitucional no Congresso, mas infelizmente recebi informações que ele se transformou em um evento político e não irei mais”, disse Zema nas redes sociais, na manhã desta segunda-feira.

A falta mais sentida e significativa foi a do deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, que estava escalado para fazer discurso, mas desistiu de ir. O parlamentar alegou que não participaria do evento por motivos pessoais, dizendo que teve de cuidar da saúde de alguns familiares.

LIRA PEDE PUNIÇÃO – Em nota publicada nas redes sociais, o presidente da Câmara pediu que os responsáveis sejam punidos.

“Há um ano as sedes dos 3 Poderes da República foram atacadas e depredadas num ato de violência que merece ser permanentemente repudiado. Todos os responsáveis devem ser punidos com o rigor da lei, dentro do devido processo legal. A liberdade de manifestação e o direito fundamental de protestar jamais podem se converter em violência e destruição. Devemos sempre celebrar a democracia e cuidar do futuro de nosso país”. 

Como Renan Calheiros planeja substituir o Centrão de Lira no governo Lula | VEJA

Renan alegou ter feito uma cirurgia

Outro ausente foi a do senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado de primeira hora do presidente Lula. Renan alegou que fez uma cirurgia e, “por expressa restrição médica”, não pôde comparecer.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Em tradução simultânea, não dá para comemorar a punição de pés de chinelo, cujo crime foi seguir líderes irresponsáveis e sem caráter, enquanto continuam impunes os organizadores do golpe frustrado e os militares que traíram a pátria. Como disse Arthur Lira, “todos os responsáveis devem ser punidos com o rigor da lei, dentro do devido processo legal”. Neste processo, porém, o que menos se vê é punição dos verdadeiros responsáveis, e os processos não têm seguido a lei, vamos ser francos”. (C.N.)

Livro conta a história dos juros e alerta para o perigo de taxas baixas demais

Charge do Miguel Paiva (Arquivo Google)

Hélio Schwartsman
Folha

Lula está em boa companhia quando impreca contra os juros. Ele faz coro a Platão, Aristóteles, Agostinho, Aquino, Dante, Lutero, Shakespeare e, é claro, Marx e Keynes. Cobrar para emprestar dinheiro é prática milenar. Mesopotâmicos já o faziam antes mesmo de aprender a pôr rodas em carroças, como ensina Edward Chancellor em “The Price of Time”.

A antiguidade da prática não impediu que várias culturas desenvolvessem ojeriza visceral aos juros, descritos ora como imoralidade, ora como empecilho ao desenvolvimento e frequentemente como ambos.

TAXAS BAIXAS – Não é difícil ver os problemas que altas taxas de juros causam numa economia. Até o PT os enxerga. Chancellor, porém, além de contar uma história razoavelmente detalhada dos juros, também mostra que taxas muito baixas por períodos prolongados geram malefícios ainda piores.

Juros são, como diz o título da obra, o preço do tempo, a diferença entre o presente e o futuro. Se a taxa é muito baixa, o futuro invade o presente. Firmas vistas como promissoras, mesmo que não tenham ainda gerado um dólar de lucro, recebem avaliações bilionárias.

Até projetos absurdos, como reavivar o mar Morto, encontram interessados. Surgem assim bolhas que inevitavelmente explodirão: a companhia do Mississippi, de John Law, as tulipas, 1929, os subprimes. A lista é longa.

OUTRAS INTERPRETAÇÕES – E bolhas não são o único problema. Segundo o autor, taxas muito baixas também levam à má alocação do capital, o que reduz a eficiência da economia, à zumbificação de empresas, ao superendividamento, ao aumento da desigualdade e até à erosão da democracia. É claro que economistas filiados a outras escolas têm outras interpretações.

Nos capítulos iniciais, Chancellor é bem descritivo. À medida, porém, que o livro avança, vai assumindo um tom mais militante.

O penúltimo capítulo é um ataque à China, e o último, uma ode neoliberal a Hayek. Mas isso não torna a obra menos interessante.

Inquérito eterno no STF contra ‘atos antidemocráticos’ é declaração de guerra

CHARGE DESTA SEGUNDA-FEIRA, DIA 27 DE FEVEREIRO DE 2023. - Cariri é Isso

Ilustração reproduzida do Arquivo Google

J.R. Guzzo
Estadão

O Brasil não vai ter paz enquanto não for fechado o inquérito que o Supremo Tribunal Federal, através do ministro Alexandre de Moraes, abriu cinco anos atrás para investigar “atos antidemocráticos”. Desde então, vem servindo como uma licença oficial para se suprimir direitos civis, anular qualquer lei em vigor no Brasil e criar um Estado policial neste país.

O inquérito é uma declaração permanente de guerra. Foi aberto para apurar “notícias falsas” que poderiam atingir a honra e a segurança do STF. De lá para cá, como se diz hoje, “viralizou”. Foi gerando um inquérito criminal depois do outro (tantos, que não se sabe mais ao certo quantos são no momento) e passou a incluir todos os delitos que alguém possa praticar, inclusive os que não existem em lei nenhuma. É uma aberração jurídica que não existe, nem seria admitida em qualquer democracia séria do mundo.

GUERRA, SEMPRE – É possível, naturalmente, que a ideia de paz seja a última coisa que passe na cabeça do ministro, do STF e da parceria que mantêm com o governo Lula.

(Em cinco anos de inquérito não houve um único indiciado, nenhum, que possa ser descrito como de “esquerda” – o que faz do Brasil o único país do planeta em que só a direita é capaz de mentir.)

Os inquéritos, afinal, permitem que o Supremo e seus sócios façam o que bem entendem: prisões, censura, bloqueio de contas bancárias, apreensão de passaportes, quebra de sigilo, confisco de celulares e tudo o que possa servir como instrumento de repressão. É como nas leis de “segurança do Estado” que existem em todas as ditaduras para perseguir adversários políticos. O inquérito perpétuo do STF (“só termina quando terminar”, diz Moraes”) faz a mesma função, dizendo que defende a “segurança da democracia”.

APOSTAR NA FORÇA – Tudo bem – mas se não quiserem a paz, terão de apostar cada vez mais na força e desrespeitar a cada vez mais a lei. Não há, obviamente, nenhuma ameaça à democracia que justifique nada do que o ministro está fazendo.

Essa realidade, somada às ilegalidades em massa dos inquéritos, levam à uma “cristalina e pacífica conclusão”, como diz em editorial do Estadão: “É tempo de os inquéritos criminais do STF relativos a atos antidemocráticos serem encerrados, de acordo com a lei”.

Não é possível, com base na razão, contestar o que diz o editorial. Em vez de apresentar argumentos, o sistema de propaganda oficial veio com essa assombrosa entrevista na qual o ministro Moraes revelou, entre outros horrores, que iria ser enforcado em praça pública pelos golpistas. É menos jornalismo do que um exercício de taquigrafia em que só o ministro fala. Mas é mais um grito de guerra.

Moraes revela que 8/1 pode ter sido liderado por “militares infiltrados”

8 de janeiro de 2023: veja 15 fotos dos atos extremistas

Bolsonaristas foram liderados pelos “homens de preto”

Fabio Victor
Folha

Relator no STF (Supremo Tribunal Federal) dos inquéritos sobre o 8 de janeiro, Alexandre de Moraes afirma ter indícios de que os ataques podem ter sido coordenados, com orientação de militares treinados por Forças Especiais, unidades de elite existentes tanto no Exército quanto em polícias militares.

“Houve uma falha dos órgãos de inteligência, não sabíamos exatamente quais as ramificações… Sabíamos que havia gente treinada invadindo, tanto que a Polícia Federal continua investigando em torno de 200 pessoas de preto, procedimento de Forças Especiais mesmo, pessoas treinadas”, disse o ministro à Folha.

INCITAMENTO – “E sabíamos que havia, o que se comprovou depois, um incitamento a um golpe militar”, complementou o ministro, “à quebra do regime democrático, porque nos quartéis o que se discursava, inclusive no próprio dia 8, no dia 7, é que deveriam ocupar os palácios, o Congresso Nacional, o Supremo, para forçar uma [operação de] GLO [Garantia da Lei e da Ordem], para que o Exército fosse às ruas, e aí essas pessoas convencessem o Exército a dar um golpe militar”.

O ministro Gilmar Mendes, com Moraes o mais influente do Supremo na atualidade, menciona outra eventual participação de autoridades militares no incentivo aos ataques, como o general Braga Netto –que, na condição de ministro da Defesa de Jair Bolsonaro (PL), disse a manifestantes para terem fé quando a eleição já havia sido definida.

Os dois concordam que houve conivência e incentivo de integrantes das Forças Armadas em relação aos acampamentos em frente a quartéis.

MILITARES NO ACAMPAMENTO – “Diz-se que a desmobilização dos acampamentos não foi feita de imediato porque havia ali muitos militares. A prisão no dia 8 também não ocorreu para não surpreender militares – é o que se diz. Então são fatos que certamente vão surgir de maneira muito clara nas investigações”, afirmou Gilmar à Folha.

“E isso traz responsabilidade para todos os que admitiram. Eu suponho que isso foi admitido a partir de indução ou de autorização do próprio presidente da República [Bolsonaro].”

Gilmar definiu como “um entendimento um tanto quanto exótico” a ideia, defendida numa nota de comandantes das Forças Armadas em novembro de 2022, de que os acampamentos estavam assegurados pela liberdade de expressão prevista na Constituição –sem mencionar que ali se fazia pedia golpe de estado e não se reconhecia o resultado das eleições.

NA ALEMANHA, NÃO – O ministro citou um caso em que a Corte Constitucional Alemã proibiu que manifestantes protestassem em frente a quartéis para impedir proliferação de mísseis.

“Aí a Corte Constitucional disse que não era ali o lugar de liberdade de reunião e manifestação. Eu entendo que também [quarteis] aqui não são esse espaço. Basta que a gente faça um exercício de contraprova. Imaginemos que o MST decidisse fazer um assentamento na frente dos quartéis. Qual seria a reação?”

Para Moraes, a manutenção de acampamentos diante de quartéis no Brasil “foi um erro muito grande”. Ele lembra que disse isso a autoridades do governo Bolsonaro, à Polícia Federal e à Procuradoria-Geral da República. “Não há direito à reunião, não existe liberdade de expressão em você acampar na frente de um quartel pedindo para as Forças Armadas derrubarem o regime democrático”, disse.

TODOS SABIAM – Depois de mais de 1.200 denúncias contra incitadores do 8 de janeiro acampados em frente ao QG do Exército em Brasília, frisa Moraes, “daqui para frente ninguém mais vai poder dizer que não sabia”.

Ambos consideram que foi acertada a decisão do governo Lula de não decretar uma operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), optando, em vez disso, por uma intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal – reflexo de um receio de dar o controle do caos aos militares. Ao mesmo tempo, Gilmar e Moraes exaltam as Forças Armadas por não aderirem à tentativa de golpe.

“Porque já havia esses rumores de se provocar uma GLO para tentar convencer as Forças Armadas, em especial o Exército, a aderirem a um golpe”, afirmou Moraes. “Mas o Exército e as Forças Armadas, enquanto instituições, jamais aderiram a esse golpe. Permaneceram na estrita legalidade, em que pese alguns de seus agentes terem praticado atos ilícitos, e estão sendo investigados por isso.”

SEM HAVER GLO – Moraes disse que foi consultado por Lula, pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, e o advogado-geral da União, Jorge Messias, a respeito da decisão. “Recordei que, no governo do presidente Michel Temer, havia ocorrido uma intervenção numa área específica, só na segurança [do Rio]. Então que isso era possível.”

Segundo Gilmar, “é certo que os militares que estavam nos comandos não compactuaram com aquele tipo de prática”. “Agora também é justo dizer que, sem a participação desses comandos, todo esse caldo de cultura não teria ocorrido –os manifestantes que se instalaram em quartéis, por exemplo. Esses eventos só ocorreram por algum tipo de complacência advinda das autoridades militares.”

Moraes discorda da tese do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, para quem as Forças Armadas livraram o Brasil de um golpe no 8 de janeiro. “Eu diria que quem salvou a democracia de um eventual golpe foram as instituições. Não é correto dizer que foi A, B ou C. Foram as instituições, e eu tenho muito orgulho em dizer isso, principalmente o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral, principalmente o Poder Judiciário.”

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Moraes enfim admitiu a veracidade das denúncias da Tribuna da Internet, sobre a infiltração de terroristas de verdade, militares das Forças Especiais, que lideraram o vandalismo, enfrentaram a PM e até devolviam as bombas de gás lacrimogêneo, porque usavam luvas especiais, máscaras contra gases e toucas ninja. Até agora não descobriram os nomes deles nos registros dos hotéis e das companhias aéreas, pois eles chegaram a Brasil de avião, às vésperas da bagunça na Praça dos Três Poderes. Eram terroristas de verdade, mas o Supremo preferiu punir os pés-de-chinelo. Esta é a verdade dos fatos, somente agora revelada. (C.N.)

A ciência evoluiu a humanidade, mas você se reconhece nessa crença positivista?

Ciência comprova os benefícios da Fé para o corpo, mente e coração -  Economia - Estado de Minas

Ilustração reproduzida do Arquivo Google

Luiz Felipe Pondé
Folha

A ideia de que evoluímos para melhor está na praça. Até bebês nascem pensando assim. Às vezes, quando se nega tal crença, parece um arroto à mesa. Ao contrário do que muitos pensam, essa ideia nada tem a ver com as religiões na sua raiz. O cristianismo, sim, acabou carregando nesses tons, mas, na sua origem, ele era muito mais escatológico: o melhor será a vida após a morte e após o fim do mundo tal como o conhecemos. Chegaríamos ao tal “reino de Deus”.

Com o avançar da história europeia, seu secularismo burguês, iluminismo, cientificismo, movimentos políticos revolucionários, o cristianismo atravessou uma mutação radical inclusive porque o mundo não acabou e Jesus não voltou — no sentido de reinventar-se enquanto uma prática antes de tudo moral, política e de ação histórica. Ficasse ele no momento antigo, com suas expectativas de fim de mundo —alguns loucos ainda estão lá—, teria, provavelmente, desaparecido e permanecido uma seita judaica irrelevante.

LEMBRANDO COMTE – Mas, para compreendemos essa equação que chega até nós, ou seja, uma época, como a nossa, obcecada pela ideia de que evoluímos moralmente e politicamente — tecnicamente não há dúvida —, precisamos trazer à memória uma escola filosófica e seu fundador, que hoje é esquecido, Auguste Comte.

 A igreja positivista — motivo supremo de chacotas com Comte — seria uma religião em que o objeto de culto é a humanidade e sua evolução racional e técnica. Comte se via como o papa dessa futura igreja, o que o põe sob uma certa suspeita de dano mental. Mas esqueçamos esse detalhe e observemos como ele acertou na crença que viria a ser a moderna por excelência.

Para Comte, a humanidade passara por uma fase religiosa ou mitológica em que buscava responder às perguntas essenciais, tipo “de onde viemos?”, “quem criou isso tudo?”, “o que é o bem e o mal?” e semelhantes, com respostas míticas fantásticas. Basicamente, Deus, ou deuses, ou deusas, seriam as causas e saberiam as respostas.

ERA DA METAFÍSICA – Numa segunda era, a metafísica, a humanidade respondia a essas mesmas perguntas com ginásticas racionais que caminhavam por substâncias abstratas, tipo “o bem”, “o mal”, “a causa primeira”, “o ser”, enfim, delírios com roupagem racional. Melhor a simples religião, suspeitava Comte.

E a terceira era a positivista, inaugurada com a ciência, que abandonaria “os quês”, “os porquês” e no lugar dessas perguntas absolutas poria os “comos”. Isto é, em lugar da teologia e da metafísica, a ciência e a engenharia nos ensinariam como melhorar o mundo, a vida, a sociedade, a natureza. Você não se reconhece nessa crença?

A própria noção de que perguntar como resolver um problema concreto é muito mais eficaz do que se perguntar de onde viemos é a nossa cara. Os “comos” é que importam e que nos fazem evoluir.

EXEMPLO DA PSICOLOGIA – A sociedade moderna respira positivismo, mesmo quando se pensa romântica. A psicologia, filha do romantismo, é a prova cabal desse fato: conhecer a alma, para libertá-la da ignorância sobre si mesma que a torna escrava da escuridão dos sintomas. Difícil achar um profissional de saúde mental que não se veja como alguém que trabalha para a evolução dos nossos modos de viver e construir a sociedade.

A psicologia positiva é apenas o rebento mais evidente da família do positivismo psicológico, até pelo nome que adota, e pelo método supostamente empírico em busca “do que dá certo” na experiência.

A chave do gozo positivista não está tanto, ou somente, na ideia da ciência e da engenharia como superiores à teologia ou à metafísica, está no culto à humanidade enquanto tal. Pensar a humanidade como um ser em movimento, em direção ao aperfeiçoamento pelas nossas próprias mãos, é a maior forma de masturbação metafísica já criada pela própria humanidade.

Sem exibir provas, Moraes pretende que todos acreditem no “plano” para matá-lo

Gilmar Fraga / Agencia RBS

Charge do Gilmar Fraga (Gaúcha/Zero Hora)

Deu na Gazeta do Povo

Que ministros do Supremo Tribunal Federal se manifestem constantemente fora dos autos, em palestras, entrevistas e diversas outras ocasiões, é algo que já não espanta ninguém no Brasil de hoje, mesmo que essa loquacidade bata de frente com todas as regras que regem a magistratura. Que falem inclusive sobre processos que estão julgando ou assuntos que possam vir a julgar também não surpreende.

Então, foi com total naturalidade, sintomática da anestesia institucional que vivemos, que o país tomou conhecimento da entrevista que o ministro Alexandre de Moraes concedeu ao jornal O Globo sobre os acontecimentos do 8 de janeiro de 2023 – os mesmos cujos participantes cabe a ele julgar, no papel especial de relator dos processos.

TRÊS PLANOS SINISTROS – O que ganhou as manchetes foi o teor de uma das afirmações do ministro. Segundo Moraes, havia não apenas um, mas três planos para livrar-se dele naquele domingo, envolvendo inclusive a participação das Forças Armadas.

“O primeiro previa que as Forças Especiais (do Exército) me prenderiam em um domingo e me levariam para Goiânia. No segundo, se livrariam do corpo no meio do caminho para Goiânia. Aí, não seria propriamente uma prisão, mas um homicídio. E o terceiro, de uns mais exaltados, defendia que, após o golpe, eu deveria ser preso e enforcado na Praça dos Três Poderes”, afirmou o ministro do STF ao jornal carioca.

Moraes ainda acrescentou que está sendo investigada a participação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no planejamento da suposta prisão – haja inteligência por parte dos supostos planejadores, aliás, já que em 8 de janeiro o ministro nem estava no Brasil, pois havia viajado a Paris com a família.

CONVERSA FIADA – Até o momento, não há um único elemento em toda essa história indicando que ela possa ser levada a sério

As provas dos planos? Moraes não apresentou nenhuma evidência, como era de se esperar. Seria mesmo algo elaborado, com funções definidas e estratégias para sua execução? Ou estamos falando apenas de algum manifestante tresloucado que lançou ideias incendiárias em um ou outro grupo de WhatsApp? Não sabemos.

A rigor, não sabemos nem mesmo se chegou a haver a intenção de atentar contra a integridade física do ministro, muito menos da forma por ele descrita. Moraes espera que o país simplesmente acredite em suas palavras a respeito de uma história tão mirabolante sem nenhum tipo de questionamento, e quem levantar dúvidas sobre suas palavras ou perguntar demais ainda pode acabar sendo considerado “inimigo da democracia”…

PERGUNTA-SE – Por que nada disso foi mencionado nos vários votos pela condenação dos réus do 8 de janeiro já proferidos? Se as ameaças eram tão graves, por que o ministro não reforçou sua segurança?

A pretensão de que o Brasil aceite as denúncias de Moraes sem comprovação nenhuma é ainda mais incrível tendo em mente um episódio recente, ocorrido meses atrás no aeroporto internacional de Roma.

O que começou com uma história de “hostilização” e “agressão”, com direito a uma absurda busca e apreensão na casa dos supostos agressores, terminou como algo que nem a Polícia Federal foi capaz de descrever com clareza, já que seu relatório só consegue fazer prosperar a versão de Moraes à custa de muitas ilações e suposições.

FORA DOS AUTOS – Não é só a falta de evidências do suposto plano que nos permite o direito de não acreditar cegamente no ministro; o histórico de Moraes a esse respeito não o ajuda em nada.

O que temos, portanto, é um magistrado falando fora dos autos, sobre um processo que ele mesmo está julgando, relativo a acontecimentos nos quais, segundo seu próprio relato (carente de comprovação), ele seria vítima de uma forma bastante especial, o que o tornaria impedido de julgar em qualquer país que levasse a sério as regras de processo penal, como bem lembrou o ex-deputado federal Deltan Dallagnol.

Até o momento, não há um único elemento em toda essa história indicando que ela possa ser levada a sério. E o fato de tudo estar tão errado assim e ao mesmo tempo tão normalizado assim apenas nos mostra como o Supremo – e Moraes em específico – conseguiu se impor como superpoder capaz de ignorar impunemente a Constituição, as leis, o decoro que deveria pautar a ação dos magistrados, fazendo das próprias palavras o único critério para definir o legal, o justo e o verdadeiro.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Importante o editorial da Gazeta do Povo, enviado por Mário Assis Causanilhas. Sem a menor dúvida, Moraes precisa ser afastado do processo. Não tem equilíbrio para conduzi-lo, na tripla condição de vítima, promotor e juiz. (C.N.)

Militares temem que ato do 8/1 afete a relação com Planalto e reacenda crise

Charge Jota Camelo (site Viomundo)

Catia Seabra e Cézar Feitoza
Folha

A convocação pelo presidente Lula (PT) de um ato em memória aos ataques do 8 de janeiro virou motivo de apreensão no meio militar. Oficiais ouvidos pela Folha reservadamente afirmaram estar preocupados de que o evento reacenda críticas à vinculação de militares com o governo Jair Bolsonaro (PL) e à postura permissiva dos ex-comandantes com os acampamentos golpistas que se formaram em frente a quartéis, após a vitória eleitoral do petista no final de 2022.

Receosos com a repercussão do aniversário do 8 de janeiro na caserna, os atuais comandantes das Forças Armadas chegaram a questionar o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, sobre a necessidade de participar da cerimônia no Senado Federal, nesta segunda-feira (8).

É ATO POLÍTICO – São esperados cerca de 500 convidados, entre ministros de Estado, governadores, parlamentares, lideranças da sociedade civil e integrantes da cúpula do Judiciário, entre outros.

Os comandantes argumentaram que o ato terá caráter político e que, por isso, eles deveriam ser dispensados de participar e Múcio teria de representá-los.

O tema foi tratado durante um almoço entre os comandantes da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, e da Aeronáutica, brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno, e o próprio Múcio. As objeções já tinham sido discutidas entre os chefes militares em conversas informais que antecederam a reunião com o ministro.

CONVITE DE LULA – De acordo com pessoas com conhecimento do assunto, Múcio ressaltou a importância da participação dos comandantes por se tratar de um convite de Lula, formulado em conjunto com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso.

Além dos chefes das Forças, o secretário-geral do Ministério da Defesa, Luiz Henrique Pochyly da Costa, e o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, almirante Renato de Aguiar Freire, deverão comparecer à cerimônia no Congresso Nacional.

A superação desse impasse não afasta o temor de que o ato, batizado de Democracia Inabalada, acabe por reabrir feridas entre militares e governo e reacenda o clima de tensão de um ano atrás.

DESCONFIANÇAS – A relação entre Lula e as Forças Armadas foi marcada por desconfianças desde a transição, mas houve um gradual distensionamento nos últimos meses. O pano de fundo da desconfiança sempre foi a avaliação, entre conselheiros de Lula, de que oficiais de alta patente estavam comprometidos com o projeto político de Bolsonaro — capitão reformado do Exército.

O próprio Lula já sinalizou que viu participação de fardados no 8 de janeiro. Poucos dias depois das cenas de vandalismo em Brasília, ele declarou em entrevista à GloboNews que os ataques eram um “começo de golpe de Estado” e que integrantes das Forças Armadas que quiserem fazer política têm de tirar a farda e renunciar do seu cargo.

“Enquanto estiver servindo às Forças Armadas, à Advocacia-Geral da União, no Ministério Público, essa gente não pode fazer política. Tem que cumprir com a sua função constitucional, pura e simplesmente”, declarou na ocasião.

SEM ANISTIA – Integrantes das Forças Armadas relatam estar preocupados com o ressurgimento de movimentos como o Sem Anistia, marcado pela cobrança de punição aos participantes dos ataques de 8 de janeiro, entre eles os fardados.

Há ainda o receio sobre uma possível reação de militares da reserva, sempre mais ruidosos do que os da ativa. Outro foco de apreensão é que o ato político volte a impulsar dentro do PT propostas no Congresso para tentar extirpar atribuições dos militares e alterar o artigo 142 da Constituição.

Enquanto as investigações relacionadas aos ataques golpistas miram os vândalos presos nos prédios públicos, os incitadores em frente ao quartel-general do Exército e os financiadores, até o momento altos oficiais das Forças Armadas estão livres de responsabilização —apesar de vozes influentes do Executivo e do Judiciário considerarem que eles foram, no mínimo, omissos.

PUNIÇÕES SIMBÓLICAS – Na sexta (5), o Exército disse em nota que houve punições a dois militares no âmbito do 8 de janeiro, mas não detalhou quais condutas causaram a punição disciplinar e quais foram as penalidades.

A Força também disse que abriu quatro processos administrativos (sindicâncias) para apurar eventuais irregularidades nas condutas de militares, mas que não encontrou indícios de crimes.

O Exército também abriu quatro inquéritos policiais militares, que foram concluídos e encaminhados à Justiça Militar. Em um dos casos, o coronel da reserva Adriano Camargo Testoni foi condenado por postagens ofensivas a seus superiores hierárquicos em grupos de conversas no 8 de janeiro. A pena imposta a ele foi de um mês e 18 dias de detenção, em regime aberto.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
É um país de duas caras, como o inimigo do Batman. Se o coronel Testoni fosse civil, teria sido condenado a 21 anos de cadeia, porque fez selfie na invasão. Sem selfie, a pena cairia para 17 anos, tipo Piada do Ano. (C.N.)

Falta a necessária responsabilização dos mentores do 8 de janeiro