Na Procuradoria, Paulo Gonet será apenas mais do mesmo
Rafael Moraes Moura
O Globo
Ao assumir a chefia da Procuradoria-Geral da República (PGR), Paulo Gonet disse que não busca “palco nem holofotes” e afirmou que deverá manter o Ministério Público na defesa da democracia e da Constituição. Seu principal desafio no comando da instituição, porém, não tem relação com nenhum dos pontos mencionados no discurso de posse.
Apoiado pelos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes em suas pretensões de chefiar o Ministério Público Federal, Gonet vai ter de lidar com processos de grande interesse público e repercussão que vão testar o tamanho de seu alinhamento com o Supremo e com Moraes em particular – e até onde ele está disposto a ir em assuntos que opõem o MP e o tribunal.
FUTURO DE BOLSONARO – É o caso da delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid e dos inquéritos que investigam o ex-presidente Jair Bolsonaro no STF, como o das milionárias joias sauditas, a fraude na carteira de vacinação de Covid-19 e a organização dos atos antidemocráticos que culminaram com a invasão e a depredação da sede dos três poderes.
Todos esses casos que podem selar a sobrevivência política de Bolsonaro estão nas mãos de Moraes e já provocaram alguns ruídos entre a PGR e o Supremo.
Em novembro, a delação de Mauro Cid foi chamada de “fraca” pelo subprocurador Carlos Frederico Santos, que cuidava do processo e entregou o cargo antes mesmo da posse de Gonet. A Procuradoria já havia se manifestado contra o acordo do ex-ajudante de ordens.
EXPECTATIVA – As críticas de Frederico Santos irritaram não apenas a Polícia Federal, que fechou o acordo de colaboração premiada com a PF, mas o próprio Moraes, responsável pela decisão que validou a delação em setembro deste ano. Agora, com a troca no comando da PGR, a expectativa é a de que Moraes e Gonet atuem mais em sintonia. A PF também espera que Gonet acelere as investigações, conforme informou O Globo.
O novo procurador ainda não definiu quem vai assumir os processos de Bolsonaro, mas existe inclusive a chance de o próprio Gonet chamar para si a condução dos inquéritos, embora ele não seja um especialista em direito penal.
Caberá à equipe de Gonet decidir se denuncia ou não Bolsonaro nesses inquéritos – no caso de 8 de Janeiro, há uma apreensão entre aliados do ex-presidente de que ele seja enquadrado como autor intelectual dos protestos antidemocráticos, o que poderia pavimentar o caminho de uma prisão.
LIBERTAR OS RÉUS – Em outra frente da investigação do 8 de Janeiro, Gonet foi cobrado por parlamentares bolsonaristas para convencer Moraes a colocar em liberdade as pessoas que ainda estão encarceradas por envolvimento nos atos golpistas.
A Procuradoria não pode, sozinha, prender ou soltar ninguém, mas é um importante instrumento de persuasão e de defesa de garantias constitucionais, na avaliação dos parlamentares.
Durante o périplo para angariar votos no Senado antes da sabatina, senadores chamaram a atenção de Gonet para a morte de Cleriston Pereira da Cunha, de 46 anos, que teve “mal súbito” durante banho de sol na Papuda. Cunha foi preso dentro do Senado no dia 8 e denunciado por cinco crimes, mas a PGR já havia concordado com o alvará de soltura em setembro. Moraes, porém, não analisou o pedido a tempo.
CASO DO AEROPORTO – Mas a questão que tem o potencial de gerar o maior foco de tensão nas relações entre Gonet e Moraes é de caráter pessoal: o inquérito que investiga as agressões ao ministro e sua família no aeroporto internacional de Roma, em julho deste ano.
A gestão interina de Elizeta Ramos cobrou do relator do inquérito, Dias Toffoli, acesso à íntegra do vídeo com as cenas da briga, para fazer uma cópia da gravação. E a subprocuradora Ana Borges, contestou a inclusão do próprio Moraes como assistente de acusação no inquérito – o que, na prática, permite ao ministro do STF sugerir a obtenção de provas e até realizar perguntas para as testemunhas.
Para Elizeta e Ana Borges, a inovação é um “privilégio incompatível com o princípio republicano”, que “jamais foi admitido nem mesmo para o presidente da República”. As duas assinaram juntas o recurso, para dar um peso institucional maior à posição do Ministério Público.
COM INDEPENDÊNCIA – “É de se esperar que o novo procurador-geral da República, sem perseguições, afagos ou omissões, atue com independência na ‘defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis’, como impõe a Constituição. E o Ministério Público tem assegurada pela mesma Constituição a autonomia funcional e administrativa.”, disse o advogado Roberto Dias, professor de direito constitucional da FGV São Paulo.
“Portanto, ele não deve ser subserviente a qualquer um dos poderes, menos ainda a quem o nomeou ou a quem apoiou a sua candidatura dentro e fora do STF. Mas isso não impede que busque reduzir os atritos com o Supremo, desde que faça isso em obediência às determinações constitucionais. Entre reduzir atritos e cumprir a Constituição, sem dúvida ele deve seguir pelo segundo caminho”, assinalou.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O comportamento de Gonet já é esperado. Todos sabem que ele foi indicado para a Procuradoria por Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Então, não se precisa dizer mais nada. É apenas mais uma reprise de um filme antigo. (C.N.)