Carlos Alberto Sardenberg
O Globo
O Novo PAC tem uma pegada ambiental. Como exatamente? Bem, o governo promete algo como um arcabouço institucional que deve induzir práticas sustentáveis nos investimentos e programas públicos e privados. Uma generalidade. Os planos de exploração do petróleo na Margem Equatorial são, em contrapartida, bem concretos.
São exatos 19 poços a explorar, incluindo aquele colocado na área mais sensível, a foz do Amazonas, cuja licença ambiental foi negada pelo Ibama. A estatal comparece no PAC com planos de pesados investimentos em petróleo, tudo carbono puro.
DOIS GOVERNOS – A contradição está na cara. Há um discurso ambiental, metas não específicas de descarbonização e investimentos definidos na direção contrária. Parece que estamos falando de dois governos. E estamos mesmo, pelo menos nesse caso. E mais: um governo tentando enganar o outro.
Eis o truque para driblar o veto do Ibama à exploração na foz do Amazonas: um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) esclarecendo que não é preciso licença ambiental. Mais exatamente: que a licença estaria, digamos, implícita no leilão feito pela Agência Nacional de Petróleo em 2013, quando a Petrobras adquiriu o direito de explorar o referido poço, ao longo do litoral do Amapá.
Um governo nega a exploração. Outro autoriza. Qual valerá? Pelo Novo PAC, ganha o da AGU. No programa, a Petrobras deve voltar a construir navios, plataformas de exploração e refinarias, em grande estilo. O que introduz uma segunda contradição. Se a estatal investirá como no “glorioso passado” de Lula 2 e Dilma 1, obviamente precisa de muito dinheiro.
TUDO AO CONTRÁRIO – Mas a companhia, na prática, reduz seus ganhos — e as margens para investimento — ao manter o preço dos combustíveis mais baixo. E ao vender no mercado interno, com prejuízo, produtos importados a preços mais altos. Essa contradição apareceu no passado e foi superada da única forma possível: tomar dinheiro emprestado, tornando a Petrobras a petrolífera mais endividada do mundo.
De novo? Parece que sim, pois o pessoal nem se preocupou em explicar por que as refinarias saíram muito mais caras que o previsto e não foram concluídas por isso mesmo. Agora serão retomadas com que dinheiro? Com os lucros do óleo da Margem Equatorial, aquele sob restrição ambiental? Ou a volta ao passado seria completa, incluindo as dívidas?
Há outros truques em andamento, especialmente nas contas públicas. A questão é mais ou menos esta: como gastar sem registrar que é gasto? Os investimentos do PAC, por mais que Lula diga o contrário, estão na categoria dos gastos primários (despesas não financeiras) que deveriam ser equilibradamente pagos com receitas de impostos.
DOIS TRUQUES – Quando a despesa não cabe na receita, o que se faz? Dois truques: um, tirar a despesa da conta. Isso mesmo: gastar, mas não colocar na contabilidade. O outro truque: prever receitas enormes para sabe-se lá quando.
Também há um drible aqui: aumenta-se a carga tributária jurando de pés juntos que não há aumento de impostos. Empresas e cidadãos pagarão mais, mas a coisa aparece como ajuste, correção, eliminação de injustiças fiscais.
Nos governos petistas tornou-se bem conhecida a “contabilidade criativa”. Pois parece que a imaginação avançou. Tome o exemplo dos precatórios. É assim: o governo deixou de pagar ou pagou a menos para cidadãos ou empresas. Estes vão à Justiça, ganham o processo, e a Justiça manda o governo pagar. São os precatórios, conta pesada.
BOMBA-RELÓGIO – No governo Bolsonaro, aprovou-se uma emenda constitucional adiando o pagamento desses precatórios. A bomba estoura no atual governo, todo mundo sabe disso. Como pagar, se a administração Lula já aumentou diversos gastos, promete novos e ainda assegura que fará déficit zero em 2024?
Não tem jeito de fazer tudo ao mesmo tempo. A menos… a menos que se considerem os precatórios como despesa financeira, outro truque em gestação. O gasto é feito, o governo fica mais endividado, e o déficit sai limpo dessa conta.
Mas vai-se a credibilidade. Criatividade demais, às vezes, dá nisso.