Jorge Béja
Como advogado, com mais de 40 anos de militância, me sinto mal, irritado, inconformado, afrontado, diante das anomalias que o ministro Alexandre de Moraes, em seu nome e em nome da corte que integra (Supremo Tribunal Federal), vem cometendo contra o deputado Daniel Silveira, que não é nenhum santo.
Mas não será pela falta de santidade do deputado que o ministro poderá subjugar Silveira ao que não é legal. E das muitas anormalidades (barbaridades, mesmo) cometidas, hoje vamos tratar aqui apenas de uma delas – as espantosas multas.
PENA INEXISTENTE – Como todos sabem, o relator do processo vem impondo a Silveira multa diária por descumprir a determinação de utilizar tornozeleira.
Moraes, Moraes, será que o senhor ministro não sabe que nas leis penais não existe a pena de multa diária – que os franceses chamam de “astreinte”? O senhor ministro também não sabe que multa é pena, é punição, é condenação, acessória ou não, para quem cometeu crime ou contravenção penal? E que pena de multa – que é de valor fixo e não pode ser imposta de forma diária – só pode ser cobrada depois que a sentença for definitiva, conforme reza o Código de Processo Penal?
“Artigo 686, CPP – A pena de multa será paga dentro em dez dias após haver transitado em julgado a sentença que a impuser”.
NO PROCESSO CIVIL – Ao impor ao deputado multa diária, o ministro Moraes está aplicando disposição que não existe nas leis penais, mas apenas e exclusivamente no Código de Processo Civil. Somente no âmbito cível – em causas cíveis, portanto, e nunca em causas penais – é que a lei prevê a pena de multa por dia de atraso no cumprimento de obrigação de fazer, ou não fazer, e de entregar coisa certa. A conferir:
Código de Processo Civil – “Artigo 814 – Na execução da obrigação de fazer ou de não fazer…o juiz ao despachar a petição inicial fixará multa por período de atraso no cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida“
“Artigo 806 – O devedor de obrigação de entregar coisa certa será citado para, em 15 dias, satisfazer a obrigação…”
“Parágrafo 1º – Ao despachar a petição inicial, o juiz poderá fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação, ficando o respectivo valor sujeito a alteração, caso se revele insuficiente ou excessivo”.
SEM ANALOGIA – Não seria justificável se o senhor Ministro invocasse a analogia para utilizar, no processo penal, regras e disposições existentes somente no processo civil. Isto porque o processo penal trata e cuida, explicitamente, da pena de multa, acessória ou principal, e como ela, a pena de multa, deve ser cobrada.
Portanto, quando a lei processual penal cuida de determinada questão que a lei processual também cuida, não cabe a analogia, que é somente aplicável quando a lei processual penal for totalmente omissa a respeito, o que não é o caso.
Conclusão: todas essas multas que o ministro Moraes vem impondo ao deputado Daniel Silveira são nulas. De nada valem. É mais outro forte motivo que compromete a legalidade do processo aberto no STF contra Silveira.
BLOQUEIO ILEGAL – Para terminar, por hoje: o ministro Moraes também não pode determinar bloqueio de bens do deputado, com a finalidade do pagamento da multa. Isto porque o Código de Processo Penal, como visto e transcrito acima (artigo 686) cuida dessa questão e indica como o juiz deve proceder para cobrar o valor de multa imposta a quem for condenado a pagá-la.
O STF e seus ministros não são juízes de execução. Lá é uma Corte Recursal. Em matéria constitucional, a última corte. E na eventualidade da Corte expedir uma ordem, excepcionalíssima que seja, o STF é obrigado a emitir Carta de Ordem ao juiz competente da primeira instância para cumprir o que for determinado. E nada disso vem ocorrendo no processo contra o referido deputado. Neste embate, STF X Silveira, o relator assumiu o poder e a competência para resolver tudo, tudo e tudo.