O milagre das mãos do pai, nas poesias geniais de Mário Quintana e Paulo Peres

76 ideias de Quintana | frases de mário quintana, pensamentos, frases  inspiracionaisCarlos Newton

Para comemorar o Dia dos Pais, uma data que precisa ser alegre, embora em muitos casos possa ser triste, selecionamos hoje dois poemas relativos ao tema. Um deles, do gaúcho Mário Quintana, e o outro, do carioca Paulo Peres, que, quando trabalhamos com o jornalista, cronista e poeta Rubem Braga, com ele aprendeu que a poesia é necessária.

AS MÃOS DO MEU PAI
Mario Quintana

As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
— como são belas as tuas mãos —
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos…

Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas…

Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.

E é, ainda, a vida
que transfigura das tuas mãos nodosas…
essa chama de vida — que transcende a própria vida…
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma…

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DIA DOS PAIS
Paulo Peres

Festejai, pai material,
Este dia especial.
Receba o carinho celestial
– Família, luz e amor –
Através à bênção do Pai Maior,
O Nosso Deus-Pai Espiritual

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  1. ELEGIA NA MORTE DE CLODOALDO PEREIRA DA SILVA MORAES, POETA E CIDADÃO

    Rio de Janeiro , 1954

    A morte chegou pelo interurbano em longas espirais metálicas.
    Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva.
    De repente não tinha pai.
    No escuro de minha casa em Los Angeles procurei recompor tua lembrança
    Depois de tanta ausência. Fragmentos da infância
    Boiaram do mar de minhas lágrimas. Vi-me eu menino
    Correndo ao teu encontro. Na ilha noturna
    Tinham-se apenas acendido os lampiões a gás, e a clarineta
    De Augusto geralmente procrastinava a tarde.
    Era belo esperar-te, cidadão. O bondinho
    Rangia nos trilhos a muitas praias de distância
    Dizíamos: “E-vem meu pai!”. Quando a curva
    Se acendia de luzes semoventes, ah, corríamos
    Corríamos ao teu encontro. A grande coisa era chegar antes
    Mas ser marraio em teus braços, sentir por último
    Os doces espinhos da tua barba.
    Trazias de então uma expressão indizível de fidelidade e paciência
    Teu rosto tinha os sulcos fundamentais da doçura
    De quem se deixou ser. Teus ombros possantes
    Se curvavam como ao peso da enorme poesia
    Que não realizaste. O barbante cortava teus dedos
    Pesados de mil embrulhos: carne, pão, utensílios
    Para o cotidiano (e frequentemente o binóculo
    Que vivias comprando e com que te deixavas horas inteiras
    Mirando o mar). Dize-me, meu pai
    Que viste tantos anos através do teu óculo-de-alcance
    Que nunca revelaste a ninguém?
    Vencias o percurso entre a amendoeira e a casa como o atleta exausto no último lance da maratona.
    Te grimpávamos. Eras penca de filho. Jamais
    Uma palavra dura, um rosnar paterno. Entravas a casa humilde
    A um gesto do mar. A noite se fechava
    Sobre o grupo familial como uma grande porta espessa.

    Muitas vezes te vi desejar. Desejavas. Deixavas-te olhando o mar
    Com mirada de argonauta. Teus pequenos olhos feios
    Buscavam ilhas, outras ilhas… — as imaculadas, inacessíveis
    Ilhas do Tesouro. Querias. Querias um dia aportar
    E trazer — depositar aos pés da amada as joias fulgurantes
    Do teu amor. Sim, foste descobridor, e entre eles
    Dos mais provectos. Muitas vezes te vi, comandante
    Comandar, batido de ventos, perdido na fosforescência
    De vastos e noturnos oceanos
    Sem jamais.

    Deste-nos pobreza e amor. A mim me deste
    A suprema pobreza: o dom da poesia, e a capacidade de amar
    Em silêncio. Foste um pobre. Mendigavas nosso amor
    Em silêncio. Foste um no lado esquerdo. Mas
    Teu amor inventou. Financiaste uma lancha
    Movida a água: foi reta para o fundo.
    Partiste um dia
    Para um brasil além, garimpeiro, sem medo e sem mácula.
    Doze luas voltaste. Tua primogênita — diz-se —
    Não te reconheceu. Trazias grandes barbas e pequenas águas-marinhas.
    Não eram, meu pai. A mim me deste
    Águas-marinhas grandes, povoadas de estrelas, ouriços
    E guaiamus gigantes. A mim me deste águas-marinhas
    Onde cada concha carregava uma pérola. As águas-marinhas que me deste
    Foram meu primeiro leito nupcial.

    Eras, meu pai morto
    Um grande Clodoaldo
    Capaz de sonhar
    Melhor e mais alto
    Precursor do binômio
    Que reverteria
    Ao nome original
    Semente do sêmen
    Revolucionário
    Gentil-homem insigne
    Poeta e funcionário
    Sempre preterido
    Nunca titular
    Neto de Alexandre
    Filho de Maria
    Cônjuge de Lydia
    Pai da Poesia.

    Diante de ti homem não sou, não quero ser. És pai do menino que eu fui.
    Entre minha barba viva e a tua morta, todavia crescendo
    Há um toque irrealizado. No entanto, meu pai
    Quantas vezes ao ver-te dormir na cadeira de balanço de muitas salas
    De muitas casas de muitas ruas
    Não te beijei em meu pensamento! Já então teu sono
    Prenunciava o morto que és, e minha angústia
    Buscava ressuscitar-te. Ressuscitavas. Teu olhar
    Vinha de longe, das cavernas imensas do teu amor, aflito
    Como a querer defender. Vias-me e sossegavas.
    Pouco nos dizíamos: “Como vai?”. Como vais, meu pobre pai
    No teu túmulo? Dormes, ou te deixas
    A contemplar acima — eu bem me lembro! — perdido
    Na decifração de como ser?
    Ah, dor! Como quisera
    Ser de novo criança em teus braços e ficar admirando tuas mãos!
    Como quisera escutar-te de novo cantar criando em mim
    A atonia do passado! Quantas baladas, meu pai
    E que lindas! Quem te ensinou as doces cantigas
    Com que embalavas meu dormir? Voga sempre o leve batel
    A resvalar macio pelas correntezas do rio da paixão?
    Prosseguem as donzelas em êxtase na noite à espera da barquinha
    Que busca o seu adeus? E continua a rosa a dizer à brisa
    Que já não mais precisa os beijos seus?
    Calaste-te, meu pai. No teu ergástulo
    A voz não é — a voz com que me apresentavas aos teus amigos:
    “Esse é meu filho FULANO DE TAL”. E na maneira
    De dizê-lo — o voo, o beijo, a bênção, a barba
    Dura rocejando a pele, ai!

    Tua morte, como todas, foi simples.
    É coisa simples a morte. Dói, depois sossega. Quando sossegou —
    Lembro-me que a manhã raiava em minha casa — já te havia eu
    Recuperado totalmente: tal como te encontras agora, vestido de mim.
    Não és, como não serás nunca para mim
    Um cadáver sob um lençol.
    És para mim aquele de quem muitos diziam: “É um poeta…”
    Poeta foste, e és, meu pai. A mim me deste
    O primeiro verso à namorada. Furtei-o
    De entre teus papéis: quem sabe onde andará… Fui também
    Verso teu: lembro ainda hoje o soneto que escreveste celebrando-me
    No ventre materno. E depois, muitas vezes
    Vi-te na rua, sem que me notasses, transeunte
    Com um ar sempre mais ansioso do que a vida. Levava-te a ambição
    De descobrir algo precioso que nos dar.
    Por tudo o que não nos deste
    Obrigado, meu pai.
    Não te direi adeus, de vez que acordaste em mim
    Com uma exatidão nunca sonhada. Em mim geraste
    O Tempo: aí tens meu filho, e a certeza
    De que, ainda obscura, a minha morte dá-lhe vida
    Em prosseguimento à tua; aí tens meu filho
    E a certeza de que lutarei por ele. Quando o viste a última vez
    Era um menininho de três anos. Hoje cresceu
    Em membros, palavras e dentes. Diz de ti, bilíngue:
    “Vovô was always teasing me…”
    É meu filho, teu neto. Deste-lhe, em tua digna humildade
    Um caminho: o meu caminho. Marcha ela na vanguarda do futuro
    Para um mundo em paz: o teu mundo — o único em que soubeste viver;
    aquele que, entre lágrimas, cantos e martírios, realizaste à tua volta.

  2. Homenagem aos Pais!

    O pai meu
    O pai seu
    O pai nosso
    Todos os pais.
    Os que estão no Céu
    Os pais da Terra
    Os de paz, os de guerra
    O pai que assumiu
    O pai que sumiu
    O pai que voltou
    O pai que você nunca viu
    O pai que é cego, o que vê demais
    O pai que é mãe, a mãe que é pai
    O pai que lê jornal, o pai que não lê nada
    O pai brigão, o pai que conta piada
    O pai que a gente ajuda, o pai que dá mesada
    O pai elegante, o pai de camisa cavada
    O pai viajante, o pai que não sai.
    Em nome do seu,
    Do meu, de todos.
    Em nome do pai.

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