Congresso está correto em tentar conter os exageros que o Supremo vem cometendo

Charge do Bier (Arquivo Google)

Conrado Hübner Mendes
Folha

O Supremo Tribunal Federal recebeu da Constituição de 1988 uma lista inédita de poderes e deveres. E a missão de proteger o projeto jurídico mais ousado da história nacional. O constituinte tinha razões históricas e institucionais para suspeitar que o Parlamento eleito, sozinho e sem constrangimento constitucional, não faria esforço pelas promessas de progresso.

Passados 35 anos, a desconfiança do constituinte no Parlamento provou-se um acerto. O excesso de confiança nos ministros do STF, um erro grosseiro.

PODERES INEXISTENTES – A maioria dos ministros do STF avacalhou essas responsabilidades. Construíram, na prática, poderes individuais não autorizados constitucionalmente. Praticaram a obstrução do colegiado e da agenda constitucional do país. Por meio do pedido de vista, fizeram valer a máxima “quando um não quer, 11 não decidem”; por meio da liminar monocrática, a máxima “quando um quer, decide sozinho, bota na gaveta e sonega do plenário”.

Para completar o pacote da autoimolação do STF, ministros normalizaram costumes promíscuos, suspeições e conflitos de interesse. Ridicularizaram a ética judicial.

Se a vida é a arte do encontro, a vida magistocrática é a arte do encontro privado contra o interesse público. Reuniões festivas e mui inocentes do Lago Sul à Praia do Forte, de Nova York a Lisboa. Têm até patrocínio para cobrir as despesas.

MINISTROS ABUSARAM – A democracia brasileira tolerou abusos de ministros contra a instituição do Supremo por tempo demais. Ministros se fizeram surdos às críticas contra arbitrariedades procedimentais e se encastelaram no autoelogio invocando decisões que tomaram na defesa de direitos sem reconhecer, em paralelo, o quanto corroboraram com violações de outros direitos e com a proteção consistente de certos interesses sociais e econômicos em prejuízo de outros.

Rosa Weber, em seu mandato na presidência da corte, conseguiu aprovar resolução “revolucionária” para mitigar o uso indiscriminado e injustificado de pedidos de vista. Estabeleceu prazo e rito que dificultam obstrução.

Ainda não se sabe o quanto essa resolução vai se fazer respeitar. Um estoque de pedidos de vista do passado remoto continua na gaveta.

CONTROLE DO DESCALABRO – O Congresso Nacional resolveu, mais uma vez, tentar controlar o descalabro. A PEC 08/2021 enfrenta duas aberrações bastante elementares: limita a concessão de liminar monocrática e o pedido de vista.

Não proíbe a concessão de liminares, apenas as monocráticas (sem impedir que situações de excepcional urgência ainda as justifiquem); não proíbe pedidos de vista, apenas o engavetamento sem prazo para voltar.

Curiosamente, a Lei 9868/99 já limitava o poder de liminar monocrática; o regimento interno do STF já dava prazo para o pedido de vista (mesmo antes da resolução de Rosa Weber). Mas o STF passou a desobedecer rotineiramente a essas regras. E nem sequer prestou contas. A iniciativa atual do Congresso é esforço inusitado e redundante para dizer ao STF que leis precisam ser obedecidas. Até mesmo pelo STF.

REAÇÕES DESTEMPERADAS – Não foi surpreendente que alguns ministros tenham reagido a essas medidas de modo destemperado. Os ministros de sempre. Por economia argumentativa, alegaram que tais regras violariam a independência judicial e a separação de Poderes. Portanto, claro, inconstitucionais. Raciocínio jurídico que cabe num meme.

Mais um hábito excêntrico da antiética judicial: antecipar aos microfones uma declaração de inconstitucionalidade de caso que ainda não surgiu. Mas o meme autoritário, assinado por ministro, já vai circulando nas redes.

IMPRENSA AMESTRADA – Parte do jornalismo se deixou enganar mais uma vez e repetiu os termos usados por ministros para distorcer. Acreditaram que essas regras “limitam poderes do STF”. Não perguntaram nem perceberam que, de fato e de direito, as regras fortalecem o STF ao controlar a arbitrariedade de ministros.

As falas e movimentos de atores jurídicos interessados (advogados, juízes etc.) seguem um certo padrão ilusionista, já não muito difícil de detectar e prevenir.

Quando repercute essas palavras e gestos de modo preguiçoso e servil, o jornalismo presta um desserviço cognitivo à esfera pública. E um serviço valioso à farra magistocrática.

5 thoughts on “Congresso está correto em tentar conter os exageros que o Supremo vem cometendo

  1. O artigo, deu-me a oportunidade de expor um sentimento que sempre me assaltava quando via o “beiçola” elogiando o “amigo do amigo de meu pai” ou vice versa e outros mais. O sentimento expresso por palavras seria mais ou menos assim: ” É a merda elogiando a bosta e a bosta agradecida, retribuir o elogio”.
    PS: Não admito mais a solução através de uma ruptura institucional, pois se o ‘tosco’ e seu ‘clã dos infernos’ não fossem tão toscos, eles teriam conseguido se perpetuar no poder e, aí sim estaríamos ‘lascados’.

  2. Quem está sendo favorecido pelas decisões judiciais?
    Basta ter um pouquinho só de honestidade intelectual, repito, um pouquinho só, para saber quem.
    Exemplo: Tirar Loola da cadeia e colocar Bolsonaro.
    A esquerda aparelha de velório a batizado de boneca.

  3. Grande parte da população ordeira está (eu me incluo) esperando uma “PROVIDÊNCIA” QUE ACABE com os abusos incontroláveis do premier Lira…

  4. O que se sabe é que o pedido de vista do processo tem prazo de 60 dias prorrogável por mais 30 dias. De acordo com artigo 162 do regimento interno do STJ, e o Congresso que dar 120 dias para a vista do processo.
    O juiz que tiver de plantão é obrigado a decidir monocraticamente, mas cabe recurso para a decisão do plenário.
    Para o articulista o Congresso é composto por parlamentares de gente do bem que em sua maioria apoiaram as maluquices de Bolsonaro e alguns até apoiaram a tentativa de golpe, pularam fora quando viu que o golpe não se concretizou,
    Não basta dizer que o STF age errado, tem de mostrar quais são os erros.
    O STF só entra em ação quando provocado, é o último que o direito de errar

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