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Os extremistas de direita já não temem se manifestar
Hélio Schwartsman
Folha
“Natura non facit saltus”, a natureza não dá saltos. Mas a política dá. Em pouco mais de dez anos, a Alternative für Deutschland (AfD), pulou de partido irrelevante, que não conseguia superar a cláusula de barreira, para ingressar no Parlamento alemão, a segunda força política do país. E o problema é que a AfD é um partido de extrema direita.
A melhor explicação que li para o fenômeno é a dada pelo cientista político português Vicente Valentim (Oxford) em “The Normalization of the Radical Right”.
BEM ACADÊMICO – O livro tem uma pegada bem mais acadêmica do que os que costumo recomendar aqui, mas é valioso para quem quer entender o que ocorre na Europa.
O que mais chama a atenção é o padrão. Estamos falando de partidos extremistas que, em duas ou três eleições, passam da insignificância a votações expressivas. Países como Espanha, Portugal e Alemanha pareceram inicialmente imunes, mas também sucumbiram.
Para Valentim, isso ocorre porque existiam na Europa normas sociais que faziam com que as pessoas não expressassem publicamente sua simpatia para com a direita radical. E, como poucos ousavam apoiar uma ideologia extrema, políticos que se identificavam com esse ideário tampouco se candidatavam.
POSIÇÕES FALSAS – Na verdade, tanto eleitores como políticos, por razões reputacionais e estratégicas, falsificavam suas preferências, calando-se sobre o que realmente pensavam e votando em ou integrando agremiações menos radicais, mas com mais chance de exercer influência.
Basta, porém, que essas legendas cresçam um pouco para mudar o jogo. Eleitores e políticos se dão conta de que não são tão minoritários assim. As normas sociais antiextremismo se enfraquecem. Políticos mais instruídos veem que o radicalismo tem chances reais e o abraçam explicitamente. A extrema direita é normalizada e dá seu salto nas preferências. Não é que elas não existissem antes, mas permaneciam silenciadas.
Valentim usa de vários expedientes engenhosos para tentar demonstrar sua tese numericamente. O conjunto é bem persuasivo.