Cristianismo só se fortaleceu dois séculos depois da morte de Cristo

Título: Os povos do ungido 
A ilustração de Ricardo Cammarota foi executada em técnica manual com tinta aquarela sobre papel. Na horizontal, proporção 13,9cm x 9,1cm, a imagem apresenta uma composição livre com elementos de pintura aquarela e colagem digital. Com traços estilizados e soltos, em cores vibrantes, há uma figura rosto humana masculino cabelos longos e barba. Há símbolos de gênero (masculino/feminino e outros) e símbolos religiosos (cruzes) sobrepostos à figura humana. No canto esquerdo, há uma vela acesa. O fundo é composto por manchas de cores variadas, em atmosfera abstrata e texturizada. A sobreposição de elementos sugere uma complexidade de significados e reflexão sobre as relações entre estes conceitos.

Ilustração de Ricardo Cammarota (Folha)

Luiz Felipe Pondé
Folha

Como foram os dois primeiros séculos da era cristã entre os cristãos? Pouco se sabe. De cara, sabe-se hoje que, por exemplo, esses primeiros “cristãos” não se viam ou se chamavam de cristãos. A multiplicidade reinava no âmbito daquilo que “evoluiu” para o cristianismo dos concílios, da Antiguidade tardia e da Idade Média.

Se você pegasse uma máquina do tempo e desembarcasse numa daquelas cidades para as quais Paulo escreveu suas cartas — por volta do ano 60 da era comum — você ficaria espantado com o fato de que “os cristãos” não se chamavam de cristãos, nem formavam qualquer unidade possível de ser imaginada então.

OBRA IMPORTANTE – O livro “After Jesus Before Christianity”, de Erin Vearncombe, Brandon Scott e Hal Taussig, busca esclarecer algumas características desses dois primeiros séculos da era cristã. Afora a riqueza de dados trazidos na obra, que faz dela importante, o fato de ter sido escrita por pesquisadores cristãos é um problema.

O tempo todo o leitor percebe um viés de interpretar os achados sob a luz de um certo tipo de teologia contemporânea de cepa progressista, pautada pelas obsessões ideológicas do século 21.

Os autores apresentam naquilo que chamam de “experimento” uma ideia que guia todo o percurso: “o futuro não é inevitável: frequentemente é randômico, uma questão de acasos”. O experimento se trata de, a partir dos achados históricos, imaginar o que seria a religião de Cristo se ela “evoluísse” dentro do quadro de multiplicidade, descentralização e enfrentamento da ordem política e social que marcava os “povos do ungido”.

LINHAGEM DE BISPOS – Qual seria a narrativa oficial a que eles se opõem? Jesus desceu dos céus para estabelecer a igreja cristã. Seu nascimento marca o surgimento das civilizações. Durante sua vida, ele disse a verdade e fez coisas que só Deus poderia fazer. Ele passou seus ensinamentos para seus mais leais seguidores, os apóstolos.

Esses apóstolos passaram adiante, de forma correta, os ensinamentos e realizações magníficas de Jesus para os bispos da igreja nascente que, por sua vez, os passaram para os bispos dos próximos dois séculos.

Essa linhagem fiel de bispos sintetizou perfeitamente tudo o que Jesus disse e fez para o credo de Niceia no século 4º, que, por sua vez, transmitiu a plena verdade de tudo isso para o século 21.

CRENÇA OFICIAL – Claro que esse sumário é monstruosamente didático, mas, sem dúvida, resume bem a crença oficial do processo de estabelecimento da igreja cristã do século 1º ao 21. A forma como essas comunidades eram designadas por elas mesmas e pelas autoridades romanas não passa nem perto da palavra cristianismo.

Exemplos: “os seguidores do partido do ungido” —ungido é Christos em grego, tradução de “Messias”, pois o rei de Israel era ungido com óleos —, “os povos de Jesus”, “o clube de Jesus”, “escola do salvador”.

Segundo Pierluigi Piovanelli, no seu “Le Jésus des Historiens”, essa multiplicidade de grupos cristãos iniciais nunca teve na “religião do amor” sua unidade. Isso é uma construção posterior.

PONTOS PRINCIPAIS – São seis os grandes temas desenvolvidos pela primeira obra citada aqui. Eles resistiram à violência típica do Império Romano criando comunidades alternativas, fugindo, buscando levantar o moral dos infelizes do império.

Eles praticavam transgressão de gênero. Aqui o viés ideológico é claro. Nessas comunidades, os gêneros eram fluidos, mulheres se vestiam de homem. Todo mundo sabe que mulheres se vestirem de homens e vice-versa é apontado em vários momentos na Antiguidade, mesmo entre romanos. A homoafetividade e a transexualidade sempre existiram.

Os homens eram vulneráveis e menos dominadores. O que quer dizer isso? Choravam o tempo todo, não eram machões, não eram autoritários? A imagem bate bem com a ideia de um cristão ideal, mas “vulnerabilidade” é uma expressão carregada de ranço ideológico feminista.

ERAM ISRAELISTAS – Eles viviam em famílias escolhidas e não de sangue. Jesus mesmo falava que abandonassem famílias e o seguissem. Tudo bem. Mas o cristianismo não inventou comunidades sem linhagem de sangue. A ideia de famílias escolhidas no século 21 é claramente ideológica, contra a “família natural” que seria patriarcal.

Consideravam-se israelitas. Serem reconhecidos como do partido do ungido, no Império Romano, era mortal, porque o ungido era uma categoria política em Israel, logo essa identificação custou caro aos cristãos, vistos como rebeldes ao império.

Seus modos de organização eram múltiplos, não havia qualquer intenção de unidade. Praticavam a cultura oral, sem apelo à escrita. Enfim, sem a linhagem de bispos, esse tipo de cristianismo teria acabado ao fim de 200 anos.

7 thoughts on “Cristianismo só se fortaleceu dois séculos depois da morte de Cristo

  1. IRRELEVANTE, LULA É IGNORADO NO EXTERIOR

    TRUMP, ZELENSKY E MILEI NÃO DERAM A MÍNIMA ATENÇÃO PARA LULA EM ROMA.

    CHEGOU A SER CONSTRANGEDOR. A MAIOR PARTE DA COMITIVA DE LULA FICOU RELEGADA AO ESQUECIMENTO.

    A IGREJA CATÓLICA NÃO DEU NENHUM ‘JEITINHO’ PARA LULA SE APARECER: PARECE TER SE AFASTADO DO PETISTA.

    ___________

    Lula a um passo da debacle irreversível

    Lula já mexeu com os pobres (inflação), já mexeu com a classe média (Pix) e agora mexe com os aposentados e pensionistas.

    Sem falar na corrosão política em seu próprio berço, por passar a defender causas estranhas aos ambientalistas (exploração de petróleo na foz do Amazonas) e sindicalistas (incentivo ao empreendedorismo).

    Com índices de rejeição superiores a 50% nas pesquisas de opinião, o calvário do chefão petista parece longe de terminar.

    Fonte: O Antagonista, Política, 24.04.2025 11:29 Por Ricardo Kertzman

  2. Voltaire cita no seu Dicionáio Filosófico que Flavius Joseph, primeiro historiador Judeu, não manciona a existência de Cristo nem do Cristianismo na época em que viveu. O pai de Joseph era parente da rainha Mariamne, esposa do imperador Heródes, e viveu na época de Herodes (e Cristo, naturalmente).
    Joseph, o historiador, cita detalhes da vida de Herodes mas em nenhum ponto fala das matanças de crianças, dentre as quais estaria o Messias! (nem de Cristo).

    Mais ainda: Joseph nao cita a existencia da estrela que apareceu no oriente na época do nascimento do Senhor e a escuridão que cobriu toda a terra depois do meio dia por 3 horas pela morte do Salvador!
    Detalhe: o livro de Joseph deve estar disponível em boas bibliotecas. Eu tomei esse livro para ler mas só li algumas páginas. Era narrativo especialmente das viagens do imperador, etc.

    • Um H romano, pró “Estelionato da Fé”, ora pois:

      Abrólhos! (A alma, em jogo!)
      J=10=2
      E= 5=1
      S=19=2
      U=21=2
      S=19=2
      ======
      74X9=666
      A soma dos numeros correspondentes a cada letra, na escala alfabética(74), multiplicada pela soma do algarismos dessas mesmas letras(9), resultam ABERRANTEMENTEMENTE em 666, o nûmero da Bêsta, à quem TODOS, com uma mesma idéia, deram um trono e assim enriquecem.
      Abrólhos, para o “Fundamento”!
      O que importa para ser negociado como troca, nessa concessão?
      “E disse-lhe o diabo: Dar-te-ei a ti todo este poder e a sua glória; porque a mim me foi entregue, e dou-o a quem quero.” (Lucas 4 : 6)

  3. Trump na 1ª fila, Milei em ‘área VIP’: Como Vaticano organizou os assentos no funeral do Papa

    Na missa fúnebre ao ar livre de Francisco na Praça de São Pedro, os membros das delegações estrangeiras foram divididos em grupos, como monarcas e chefes de governo, e então acomodados em ordem alfabética com base no nome de seu país em francês, a língua oficial da diplomacia, de acordo com uma lista divulgada pelo Vaticano.

    Os monarcas reinantes sentaram-se primeiro, seguidos por chefes de Estado, chefes de governo, membros da realeza e assim por diante, incluindo ministros e outras autoridades.

    Apenas os chefes de Estado da Itália e da Argentina, terra natal do Papa, tiveram assentos privilegiados.

    Fonte: Cidade do Vaticano, 26/04/2025 07h20 Por O Globo com New York Times

  4. Sem Constantino I, o homem chamado Jesus que viveu na Galileia hoje seria um ilustre desconhecido no ocidente e o mundo seria outros, provavelmente bem melhor.

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