Quando a farsa se desnuda: o que resta ao bolsonarismo após Mauro Cid

Charge do Gilmar Fraga (gauchazh.clicrbs.com.br)

Pedro do Coutto

Nos últimos dias, o Supremo Tribunal Federal voltou a ocupar o centro da cena política brasileira, não por vontade própria, mas porque os ecos do 8 de janeiro ainda reverberam com força no coração da República. O depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, outrora ajudante de ordens de Jair Bolsonaro e peça-chave da engrenagem que sustentava o ex-presidente, trouxe à tona uma revelação que  estreita de maneira dramática o espaço de defesa de Bolsonaro: ele teria alterado pessoalmente um projeto de decreto que visava interferir no processo eleitoral brasileiro.

Se Bolsonaro se deu ao trabalho de modificar esse documento, é porque ele de fato existiu. Essa constatação simples, quase ingênua em sua lógica, tem o poder de implodir toda a retórica de negação que o bolsonarismo vem sustentando desde que as urnas falaram em outubro de 2022. O projeto de ruptura democrática, que por tanto tempo foi tratado como ilação ou exagero, passa agora a ter corpo, nome e data. E isso muda tudo.

NARRATIVA – Durante meses, Bolsonaro e seus aliados orbitavam uma narrativa de que os atos golpistas eram obra de “infiltrados” ou de “descontrolados” que agiram por conta própria. Mas Mauro Cid, em seu depoimento, ofereceu mais do que indícios: entregou os bastidores, o clima, os gestos e, sobretudo, a caneta. A assinatura do ex-presidente, em um texto que previa o estado de sítio e a anulação das eleições, transforma um jogo de versões em uma evidência documental.

O bolsonarismo, que sempre apostou na negação como estratégia — negou a gravidade da pandemia, negou o valor das vacinas, negou os dados do INPE, negou a derrota eleitoral — agora vê-se diante de um muro: ou enfrenta as consequências legais e políticas da tentativa de golpe, ou afunda de vez no pântano do descrédito e do radicalismo marginal. O espaço para manobras diminuiu drasticamente, e a vitimização, tão explorada por Bolsonaro, perde eficácia diante de provas concretas.

Politicamente, o depoimento de Mauro Cid cria um dilema para os aliados ainda fiéis ao ex-presidente. Como manter o apoio público a alguém que, ao que tudo indica, tentou sabotar o próprio sistema democrático do qual se beneficiou? Parlamentares, governadores e prefeitos de perfil conservador, mas com apetite institucional, começam a recalibrar sua distância em relação ao bolsonarismo raiz. O risco de contaminação é real, especialmente às vésperas das eleições municipais.

DESDOBRAMENTOS – No campo jurídico, os desdobramentos são igualmente profundos. O STF, que já vinha sendo criticado por setores da sociedade por supostamente “politizar” a Justiça, agora age respaldado por fatos que não podem ser ignorados. Os ministros, sob o peso da responsabilidade institucional, sabem que qualquer passo em falso será usado como munição por aqueles que ainda sonham com o descrédito do Judiciário. Mas a verdade — fria, dura e incontornável — lhes confere um escudo inédito.

A democracia brasileira, embora machucada, mostra mais uma vez sua capacidade de regeneração. As instituições, tão atacadas ao longo dos últimos anos, seguem funcionando. E isso se deve, em grande parte, à coragem de servidores públicos, investigadores, jornalistas e operadores do Direito que, mesmo sob ameaças e pressões, insistem em iluminar as sombras. Mauro Cid, ao romper o pacto de silêncio, talvez tenha compreendido que a lealdade cega tem um preço — e que a História costuma cobrar com juros.

DILEMA – Há também um componente humano nessa história, frequentemente ignorado nos embates político-partidários. Cid, um militar formado sob valores de disciplina e hierarquia, se viu no dilema de proteger seu comandante ou resgatar sua própria dignidade. Sua escolha — tardia, é verdade — pode ser lida como um grito por redenção, mas também como uma confissão sobre os limites da obediência. Ninguém sai ileso de uma conspiração. Muito menos os que a executam em nome de um líder.

Por fim, o Brasil precisa olhar para esse episódio com a sobriedade que ele exige. Não se trata de perseguir um ex-presidente por ideologia, mas de apurar responsabilidades por atos que colocaram em risco a ordem constitucional. A democracia não pode ser refém de populismos, sejam eles de esquerda ou de direita. E, se queremos que a política recupere seu prestígio, é preciso que a verdade venha à tona — doa a quem doer.

Este é um daqueles momentos em que a nação se vê diante do espelho. E o reflexo, embora incômodo, é necessário. Que os próximos passos sejam dados com firmeza, mas também com justiça. Porque sem justiça, não há reconciliação possível.

18 thoughts on “Quando a farsa se desnuda: o que resta ao bolsonarismo após Mauro Cid

  1. O custo benefício do “derrotasmo o bolsonarismo” é um delírio de elevafo custo/benéfico que o inviabiliza.

    Vejamos o quadro eleitoral.

    https://www.brasildefato.com.br/2025/06/05/eventual-2o-turno-para-2026-tem-lula-e-nomes-da-direita-em-empate-tecnico-aponta-quaest/

    Vão ter que embalsamar o Painho, pois não há candidatura viável para o substituir.

    E nem a censura dará conta de conter o exponencial crescimento do bolsonarismo que será maximizado pela sua eventual prisão.

    A Organização Petista e composta por um vando de bocós, que acham que é possivel esconder sei real caráter.

    • Estãogastando fortunas, nos colocando em situação vexatória mundial e colocando em risco nossas relações comerciais e diplomáticas pra censurar e perseguir politicamente meia dúzia de bolsonaristas sob jurisdição norte-americana inocuamente. Acham que dinheiro público e reputação são inesgotáveis e caem do céu, sem precisarem ser construídas.

      Delirantes, perderam qualquer noção de realidade.

      Que só a sentirão quando quebrarem a fuça ao toparem com o muro da concretude.

      Muito loucos!

  2. 1. O povo brasileiro sabe muito bem que, primeiro quem tentou não, quem realmente sabotou o sistema eleitoral brasileiro foi o próprio stf, quando tirou da cadeia um condenado por corrupção para se candidatar a presidência da república. 2. O próprio supremo desmoralizou a justiça brasileira. 3. Pergunto, com qual legitimidade ele pode condenar alguém?

  3. A assinatura do ex-presidente, em um texto que previa o estado de sítio e a anulação das eleições, transforma um jogo de versões em uma evidência documental

    O álcool é uma desgraça mesmo, cria miragens.

  4. Fazia mais de ano que não acompanhava o site, voltei hoje e essa é a primeira notícia que me deparo. Comecei a ler, notei tendenciosa e falaciosa para o nível de qualidade que a página representa.

    Houve algumas atrocidades que podem ser indagadas, como a manifestação e como ela ocorreu, mas o pouco que assisti dos depoimentos deixou claro que Bolsonaro queria agir dentro dos limites da constituição *caso encontrasse fraude nas urnas*. Oras, se a fraude nas urnas não aconteceu e ele nada fez, onde o ex-presidente poderia ser condenado? Onde planejar algo dentro do permitido na constituição pode ser considerado um golpe do estado democrático? Se é que apenas o ato de planejar um suposto golpe, como alguns assim definem, sem colocar em prática, pode ser considerado algum crime.

    Felizmente as incontáveis narrativas criadas não conseguem se sobressair contra a verdade. É possível omitir fatos, cortar e picotar trechos de provas e dos depoimentos para forçar algo, mas felizmente, com o livre acesso a internet junto com os diversos meios de comunicação disponíveis hoje (que se encontram ameaçados de censura pelo Estado), é possível descobrir a origem e a veracidade dos fatos.

  5. Magistral análise do jornalista Pedro do Coutto, nosso mestre e decano. Considero quase impossível discordar de seus artigos, verdadeiras teses de mestrado, tal a clareza solar embutida no seu inteiro teor.

    Considerando, (a palavra mais usada pelos réus estrelados) as perguntas dos advogados de Bolsonaro, Braga Neto e Almir Garnier endereçadas ao réu delator, tem Cel. Mauro Cid, ajudante de Ordens de Bolsonaro, a linha utilizada foi a desconstrução da Delação.
    Tentaram de todas as formas e meios, através das perguntas, encontrar uma falha, uma contradição e mesmo supostas inverdades cometidas pelo réu delator.

    Os nobres advogados, nada contestaram as provas obtidas pela Polícia Federal, que contavam nos celulares e computadores apreendidos por ordem judicial nos escritórios e casas dos réus acusados de Tentativa de Golpe de Estado e Abolição do Estado Democrático de Direito com uso da força e violência, se o resultado planejado corresse como desejavam. Permanecer no Poder para utilizar as estruturas do Estado ao seu brl prazer.
    Patriotismo e nacionalidade, fazer a nação crescer, não fazia parte das conversas captadas nos ZAP e áudios obtidos pela Polícia Federal.

    Essa é uma página cruel, vivida pelo Brasil. Que não ocorra nunca mais, por favor.

    • Resumo:

      1) “Condeno o réu Jair etc etc a etc etc, sob regime fechado”

      ou

      2) “Ok, libero todos, mas, por favor, lei Magnitsky para nós da primeira turma não”

  6. O que pude compreender dos depoimentos dos réus, na segunda e na terça, Jair Bolsonaro não será preso pela tentativa de Golpe.
    Ele até pediu desculpas ao Relator e o convidou para você na sua chapa presidencial.
    O jogo só acaba quando termina.
    Os advogados são estrelas do Direito Penal, logo tem condições técnicas para encontrar uma saída

  7. O depoimento do general Paulo Sérgio comprometeu Bolsonaro. O general disse, que não reunião com os Comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, quando apresentou o documento com os considerandos do Golpe,o brigadeiro Batista Junior saiu da sala e Freire Gomes também discordou. Somente o Almirante anuiu.
    Então, Paulo Sérgio o general, levou Bolsonaro para a biblioteca do Alvorada e o convenceu a desistir do plano golpista Foi a palavra do ministro da Defesa ao vivo e as cores.

    E ainda o general durão, bateu na mão do seu advogado, incomodado com a pergunta endereçada a ele. Entendeu que não foi combinado. Primeiro Paulo Sérgio riu depois bateu.no nobre defensor. Mal educado total.

    Essa falta de educação toma conta do país. Um pior do que o outro

  8. Impressionante o astral do general Braga Neto, preso no Batalhão do Exército de Deodoro/RJ.
    Negou tudo, até a evidência constatada em áudios tô ZAP dele, mandando o major Ailton pressionar a família do general comandante do Exército ,Feire Gomes e o próprio general, chamado de cagão e covarde, pelo fato de ser contrário ao Golpe.
    Disse no depoimento de ontem, que as falas foram tiradas de contexto. Relatou que não tinha empatia, eufemismo de odiar, com o general comandante do Exército Freire Gomes e o brigadeiro comandante da Aeronáutica Batista Junior.

    Braga Neto está abatido com o abandono dos seus colegas de farda no Alto Comando. Em vários momentos, ficava com a cabeça baixa, talvez envergonhado com a exposição pública.

    Terminada a fase de depoimentos do núcleo principal da trama golpista, logo sem perigo do réu interferir na instrução criminal, o ministro Alexandre de Morais deve revogar a prisão preventiva do general nos próximos dias, a pedido da Defesa.

    Quanto ao general Mário Fernandes, preso em Brasília, nas palavras do te. Cel Mauro Cid, o réu colaborador, como o mais bolsonarista e radical entre os generais e coronéis golpistas, somente será revisto o pedido de soltura, após os depoimentos dos réus do grupo de ação da Tentativa de Golpe.

    OBS: O tratamento do general Paulo Sérgio dispensado ao seu advogado ao vivo e a cores, ontem dia 10/05, quando o general, incomodado com as perguntas do defensor direcionada a ele, deu um tapa no braço dele, fica para encerrar as perguntas.
    Todo mundo riu, humilhando ainda mais o advogado Andrew.

    Se Paulo Sérgio agiu assim, com quem está defendendo sua causa, imagine o tratamento dispensado aos soldados, quando estava na Ativa?

  9. Esse espaço TI , é um dos raríssimos onde pessoas de diferentes ” matizes e ideias ” podem participar livremente , logo , o respeito mútuo não faz mal a ninguém , pelo contrário nos edifica e dignifica cada vez mais , onde não há supremacia de ideias e todos somos iguais , vamos respeitar nesse nobre espaço .

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