Moraes transformou Bolsonaro num morto-vivo, antes mesmo de conseguir condená-lo

Charge reproduzida do Arquivo Google

Deu na Gazeta do Povo

Na aplicação do “Direito Penal do Inimigo à brasileira”, todos os cidadãos considerados “ameaças ao Estado” ou “ameaças à democracia” têm sido sumariamente destituídos de todos os direitos legais que uma sociedade civilizada lhes concede no curso de um processo penal.

Uma dessas aberrações jurídicas é a instituição ampla, geral e irrestrita do “castigo sem crime”, um gênero que admite diversas espécies: desde a simples imposição de punições sem que a decisão judicial aponte qualquer artigo do Código Penal que tenha sido violado, até a manipulação dos tipos legais para criminalizar atitudes que não constituem crimes.

ESTILO MORAES – Esta última modalidade é a empregada por Alexandre de Moraes na última sexta-feira, quando impôs uma série de medidas restritivas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Moraes alegou que Bolsonaro “está alinhado” com seu filho Eduardo – deputado federal licenciado e atualmente nos Estados Unidos – praticando “atos ilícitos” que, segundo a Polícia Federal, poderiam constituir os crimes de coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal), embaraço a “investigação de infração penal que envolva organização criminosa” (artigo 2.º da Lei das Organizações Criminosas, 12.850/13), “a negociação com governo estrangeiro para que este pratique atos hostis contra o Brasil” (que violaria o artigo 359-I do Código Penal), e, como não poderia deixar de ser, abolição violenta do Estado de Direito (artigo 359-L do Código Penal).

Que atos seriam esses? Moraes responde: a pressão junto a autoridades norte-americanas para que imponham sanções contra os responsáveis pelo que se considera uma perseguição política a Jair Bolsonaro.

ILEGALIDADES E DISTORÇÕES – Moraes nem se preocupa em ocultar a relação entre suas decisões de sexta-feira e a imposição de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos, anunciada pelo presidente Donald Trump em 9 de julho.

São tantas as ilegalidades, falácias lógicas, distorções do texto legal, arbitrariedades e abusos que, mais uma vez, se impõe a pergunta: como é possível que tão poucos se levantem contra o que vem acontecendo?

Antes de demonstrarmos como Moraes deturpou grosseiramente praticamente todos os dispositivos legais invocados para a recente operação contra Jair Bolsonaro, temos de lembrar que o pedido de socorro à comunidade internacional diante de regimes ou autoridades violadores de direitos humanos ou responsáveis por perseguição política é não só prática corrente, mas um direito legítimo de quem se vê agredido ou perseguido – dos dissidentes venezuelanos caçados pelo ditador Nicolás Maduro aos militantes do BDS (“Boicote, Desinvestimento e Sanções”) que criticam Israel, passando por todos aqueles que buscam o Tribunal Penal Internacional (TPI).

LULA FEZ O MESMO – Recentemente lembramos como Lula, enquanto respondia a processos na Lava Jato, enviou seus advogados à Europa para uma turnê de desmoralização do Judiciário brasileiro.

E mais: no fim de 2018, a então líder da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara – hoje ministra dos Povos Indígenas –, deu entrevista ao jornal britânico The Guardian pedindo que a União Europeia aplicasse sanções ao Brasil, boicotando produtos agrícolas brasileiros.

Todos esses pleitos podem ser mais ou menos razoáveis, mas não são nem ilegais, muito menos atentatórios à soberania de qualquer país; pelo contrário, são críticas legítimas a governos, amparadas pela liberdade de expressão.

DOBRAR A APOSTA – Por si só, esse fato já bastaria para mostrar o absurdo da argumentação de Moraes. Mas o ministro, em vez de reconhecer que não havia crime algum, resolveu dobrar a aposta. Por mais que um cancelamento de visto não tenha nenhum poder de interromper, atrapalhar ou suspender um processo penal, Moraes viu ali a tal coação (que, ainda por cima, exige o uso “de violência ou grave ameaça”, o que não aconteceu) e o tal embaraço à investigação.

Ao citar o artigo 359-I, todos os envolvidos na caça às bruxas – Polícia Federal, Procuradoria-Geral da República e Moraes – cometem uma omissão grave, pois o artigo citado não fala simplesmente em “atos hostis”, mas em “atos típicos de guerra contra o país”.

Nem o mais entusiasmado leitor de Tom Clancy ou autores semelhantes classificaria assim o tarifaço de Trump; a medida é um ato de política comercial, que cita, sim, motivações políticas – de forma bastante atabalhoada, como já lembramos neste espaço –, mas nunca um “ato típico de guerra”.

PERDEU O SENTIDO – Quanto ao artigo 359-L, a definição de “ataque ao Estado de Direito” já foi tão alargada, cabendo até pichações com batom em estátuas, que o texto legal já perdeu completamente o sentido.

Como se não bastasse, mas também de forma muito previsível, Moraes novamente impõe medidas completamente desproporcionais ao ex-presidente. Impedir o contato entre pai e filho, por exemplo, não apenas é decisão irrazoável, mas atentatória contra a dignidade humana – atentado em que Moraes é reincidente, pois já proibiu o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, de receber visitas do pai.

Além disso, a proibição do uso de mídias sociais, como já lembramos à exaustão, constitui censura prévia inconstitucional.

MONITORAMENTO – Se de fato há algum receio quanto à possibilidade de que o ex-presidente deixasse o país, o monitoramento eletrônico deveria bastar; todo o resto, que mais se assemelha a uma prisão em regime semiaberto, é bastante desproporcional e absurdo, ainda mais quando se trata de alguém que, recorde-se, nem sequer foi condenado por nada, ainda respondendo a processo.

A cereja do bolo (até o momento) veio nesta segunda-feira, com nova ordem impedindo “transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas [do ex-presidente] em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros (…) sob pena de imediata revogação e decretação da prisão”.

É maquiavelismo puro: Moraes não impede Bolsonaro de conceder entrevistas – proibição que o ministro tem imposto a vários dos réus e condenados do 8 de janeiro, afrontando a jurisprudência do próprio STF –, mas, caso fale à imprensa, o ex-presidente poderia ser preso caso uma mísera frase, seja em texto, áudio ou vídeo, apareça nas mídias sociais, algo que poderia ser feito inclusive por adversários políticos.

SILENCIAMENTO TOTAL – A consequência lógica disso é o silenciamento total de Bolsonaro, que optará por não falar para não correr riscos. E, ao menos enquanto não vier um esclarecimento da parte de Moraes, há dúvidas até mesmo sobre a divulgação de entrevistas já realizadas desde a última sexta-feira até a publicação deste novo despacho.

Impedido de falar por meio dos próprios perfis, e vendo inviabilizadas as entrevistas coletivas ou a veículos de imprensa específicos, por medo de ir preso caso qualquer trecho acabe divulgado nas mídias sociais, Jair Bolsonaro foi totalmente calado por Alexandre de Moraes.

Comunicar-se, fazer-se ouvir, é um direito humano básico, é uma capacidade que faz parte da própria natureza humana.

SEMIMORTO – Quem tem sua voz eliminada de forma tão autoritária – tão ditatorial, é preciso dizer, chamando as coisas pelo nome – continua a existir, mas está praticamente morto para a sociedade, pois já não pode dizer o que pensa.

E assim descobrimos que o antigo instituto jurídico da “morte civil”, pelo qual uma pessoa seguia viva e livre, mas sem os demais direitos, não foi de fato abolido, mas apenas modificado e adaptado à era digital.

 São tantas as ilegalidades, falácias lógicas, distorções do texto legal, arbitrariedades e abusos que, mais uma vez, se impõe a pergunta: como é possível que tão poucos na sociedade civil organizada e entre formadores de opinião se levantem contra o que vem acontecendo?

IGNORÂNCIA E CONSCIÊNCIA – Quantos são os profundamente ignorantes em relação aos princípios básicos do direito e à interpretação dos textos legais? Quantos são os que até têm consciência do abuso, mas temem criticá-lo publicamente por medo de represálias?

E quantos são os que se mostram indiferentes ou até entusiasmados com a perseguição, já que os alvos são seus desafetos políticos?

Diante de um momento como este, cada brasileiro que se mantém calado precisa se examinar e entender, de uma vez por todas, que situações como essa só se constroem graças ao “silêncio dos bons”, nas palavras atribuídas a Martin Luther King.Diante de um momento como este, cada brasileiro que se mantém calado precisa se examinar e entender, de uma vez por todas, que situações como essa só se constroem graças ao “silêncio dos bons”, nas palavras atribuídas a Martin Luther King.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Belíssimo editorial, enviado por Mário Assis Causanilhas. Realmente, Moraes ultrapassou todos os limites. Como se dizia antigamente, isso não é democracia, nem aqui, nem na China. (C.N.)

7 thoughts on “Moraes transformou Bolsonaro num morto-vivo, antes mesmo de conseguir condená-lo

  1. Arrogante, prepotente e sem nada produzir de interesse da nação, o ex-mito talvez não tenha passado mesmo de um ‘zumbi’ na política brasileira.

  2. “São tantas as ilegalidades, falácias lógicas, distorções do texto legal, arbitrariedades e abusos que, mais uma vez, se impõe a pergunta: como é possível que tão poucos se levantem contra o que vem acontecendo?”. No todo ou em suas partes esse editorial deve ser reiterado somando-se a tantos outros que constatam as aberrações supremas cometidas de modo sarcástico e longe das previsões legais e, principalmente, constitucionais.

    Consideração 01:

    A Constituição Federal de 1988 (CF/88) proíbe a censura, garantindo a liberdade de expressão e de comunicação. O artigo 5º, inciso IX, estabelece que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Isso significa que o Estado não pode impedir, prévia ou posteriormente, a divulgação de ideias ou informações, exceto em casos específicos previstos na própria Constituição.

    Consideração 02:

    O Marco Civil da Internet, no Brasil, estabelece que provedores de aplicações só podem ser responsabilizados por conteúdo gerado por terceiros após ordem judicial específica, visando garantir a liberdade de expressão e evitar a censura prévia. O texto legal proíbe a remoção de conteúdo antes de uma decisão judicial, exceto em casos específicos previstos em lei.

    Consideração 03:

    O livro “1984”, de George Orwell, é um romance distópico que explora os perigos do totalitarismo, da vigilância em massa e da manipulação da verdade. A história se passa em um futuro onde o estado, liderado pelo Grande Irmão, controla todos os aspectos da vida dos cidadãos, incluindo seus pensamentos e ações. O livro critica a supressão da liberdade individual e a manipulação da história por regimes autoritários.

    Curtinhas

    PS.: Deu na Coluna Cláudio Humberto: “Planalto ressuscita “regulamentação” para abrir caminho à censura nas redes”.

    PS. 02: “Jabuticabeiro. Rogério Marinho (PL-RN) cobrou seriedade de Lula para negociar a crise após a tarifa imposta por Donald Trump. Para o senador, o petista perdeu o tom e “se esconde atrás de bravatas e jabuticabas”.”. (Cláudio Humberto)

    PS. 03: Chanceler de Lula revela o “contato” que fez com Secretário de Estado dos EUA e vira piada: “Tão logo foi anunciado o nome dele, eu fiz uma carta. Eu não tive depois disso contato com ele. Porque ele não respondeu a carta e não me chamou.”

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