Não me comovo ao ver velhos censores pedindo clemência aos novos

O X da questão

Charge de Júlio César Barros (O Antagonista)

João Pereira Coutinho
Folha

“Discurso de ódio”, diziam eles, pedindo leis e prisão para opiniões ofensivas. Eu sorria. Não saberão esses iluminados que “discurso de ódio” depende sempre de quem está olhando?

Esse é o ponto. Existem duas defesas típicas da liberdade de expressão. Primeira: a liberdade de expressão é importante porque respeita a autonomia do sujeito. Segunda: a liberdade de expressão é importante porque permite o confronto de ideias e, com sorte, a obtenção da verdade.

Vejo méritos em ambas, mas com limitações. Nem tudo o que brota da minha autonomia tem valor social. E a verdade, como lembrava John Stuart Mill, pressupõe um verdadeiro confronto de ideias —coisa rara entre idiotas.

HIERARQUIA DO PODER – Existe uma terceira defesa, porém, que podemos chamar de teoria cínica: a liberdade de expressão é importante porque você nunca sabe em que ponto da hierarquia do poder vai estar no futuro. É um raciocínio à la John Rawls aplicado ao tema.

Rawls propunha que imaginássemos uma sociedade sem saber que lugar ocuparíamos nela —ricos ou pobres, maioria ou minoria, instruídos ou ignorantes. Atrás desse “véu de ignorância”, concluiu, o mais racional seria escolher regras que protegessem os mais vulneráveis, porque poderíamos ser um deles na grande loteria social.

O mesmo vale para a liberdade de expressão: enquanto está no poder, você pode sonhar em censurar os outros; mas, se amanhã for minoria, vai desejar desesperadamente as proteções que hoje tenta destruir.

EXEMPLO DOS EUA – É o caso: Donald Trump vai esmagando a liberdade de expressão nos Estados Unidos porque também não tolera o “discurso de ódio”. E o cancelamento, tão defendido por alguns progressistas americanos, é agora usado contra eles, nos mesmos termos e com o mesmo fanatismo. A suspensão de Jimmy Kimmel ilustra o que digo.

Pessoalmente, como sempre abominei a cultura de cancelamento dos progressistas, também abomino este previsível ajuste de contas pelos republicanos.

Mas não me comovo com a choradeira dos velhos censores que pedem clemência aos novos. Achavam o quê? A censura, quando nasce, é para todos.

13 thoughts on “Não me comovo ao ver velhos censores pedindo clemência aos novos

  1. Vamos lá, gente. Presta atenção.

    Foi a avaliação do Barba que melhorou ou foi a cotação do bolsonarismo que caiu?

    A política no país vive momentos estranhos.
    Há alguns dias, por exemplo, Tarcísio já se ‘achava’ na Presidência da República.

    Hoje, o fantoche do ex-mito já não tem certeza nem mesmo de que se reelegerá para o governo de SP.

  2. Blindagem da bandidagem: PEC aprovada expõe fratura entre políticos e sociedade

    Uma democracia se faz com poucas leis e muita civilidade. Quando um país precisa de uma constituição com “zilhares” de páginas e “zilhões” de artigos é porque falhou miseravelmente, na origem, como sociedade pretensamente evoluída.

    “Platão dizia que uma das características fundamentais de uma sociedade apedeuta, de ignorantes, é a quantidade excessiva de leis. Desde a Constituição de 1988, mais de quatro milhões de novos dispositivos legislativos foram publicados.”

    Mas pior do que a quantidade de leis, é sua qualidade duvidosa, ou melhor, baixa e enviesada. Porque leis que servem ao propósito de corporações e grupelhos organizados, em detrimento da sociedade, não são leis. São salvo-condutos para desmandos.

    “Um número muito pequeno de leis será suficiente em um estado bem ordenado, com um bom príncipe e magistrados honestos. E se as coisas forem diferentes, nenhuma quantidade de leis será suficiente”, afirmou Erasmo de Roterdã.

    O que o pensador holandês deduziu, o Brasil provou e comprovou: a despeito de um arcabouço jurídico interminável, com códigos civis, penais, tributários, ambientais e sei lá o mais o quê, criados e recriados de tempos em tempos, tudo por aqui se emporcalha.

    Poço sem fundo

    Tanto pior as leis quanto o Legislativo que as cria. E, cá entre nós, poucas democracias no mundo sofrem com uma pobreza intelectual e moral tão grande quanto a observada historicamente nos parlamentos brasileiros (municipal, estadual e federal).

    A cada dois anos, o show de horrores se renova e dobra a aposta no “quanto pior, melhor”. A cada legislatura perdemos os poucos bons quadros e ganhamos péssimos novos quadros. O resultado é um país que insiste em caminhar enquanto o mundo civilizado corre.

    O que foi aprovado na Câmara dos Deputados (PEC da Blindagem) e o que encontra-se em curso – vulgo “acordão” -, a manutenção do mandato parlamentar de Dudu Tarifaço e a anistia para os criminosos da “trama golpista”, são de causar profundos engulhos.

    À beira do abismo

    Exatos 344 deputados decidiram proteger-se das garras das leis. Pretendem-se livres, leves e soltos para delinquir à vontade, sendo necessária a aquiescência dos próprios para que até mesmo se investiguem seus incansavelmente corriqueiros trambiques.

    Essa turma deslocou-se de vez da sociedade e da razão de ser de um parlamento. Não aprenderam nada desde as violentas manifestações de rua em 2013. Aliás, são incapazes de olhar para a Hungria, para a Primavera Árabe e para, recentemente, o Nepal.

    Vivemos tempos de imensa intolerância e extremo radicalismo, somados a frustrações e rancores de toda a sorte, aglutinados e impulsionados por redes sociais e seus algoritmos.

    Fonte: O Antagonista, Opinião, 17.09.2025 15:03 Por Ricardo Kertzman

    • O diploma eleitoral e o salvo conduto

      É preciso manter inviolabilidade de congressistas por opiniões, mas PEC da blindagem é passaporte para o crime

      Uma das regras básicas de uma investigação criminal é que ela se dê de maneira discreta e sigilosa, até para impedir que o investigado tome medidas que possam dificultar ou impedir a apuração.

      O ideal é que a pessoa investigada só se dê conta da operação na fase ostensiva –seja pela intimação para depor, pela busca e apreensão ou até mesmo pela prisão.

      Imagine a autoridade comunicar ao investigado que seu telefone está sendo interceptado? Parece piada de mau gosto.

      Por isso mesmo, sedimentou-se na jurisprudência brasileira que o advogado regularmente constituído tem acesso a tudo o que foi encartado nos autos, menos às diligências em curso.

      Sem uma reserva, um certo sigilo, a investigação tem um grau de dificuldade inúmeras vezes maior. E pode ser, até mesmo, inviabilizada.

      Pois a Câmara dos Deputados aprovou –por 353 a 134 no 1º turno e 344 a 133 no 2º– a chamada PEC da blindagem.

      (…)

      Poder360, Opinião, 19.set.2025 – 5h57 Por Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado criminal

      https://www.poder360.com.br/opiniao/o-diploma-eleitoral-e-o-salvo-conduto/

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