Trump, Netanyahu e o veto à Palestina: a geopolítica da exclusão

Proposta de Trump não oferece dignidade, apenas gestão

Marcelo Copelli
Revista Visão (Portugal)

A recente proposta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para encerrar o conflito entre Israel e o Hamas em Gaza volta a expor os impasses históricos em torno da questão palestina e a revelar os verdadeiros interesses que moldam a política internacional.

Trump afirmou que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, concordou com a ideia de criar em Gaza um “comitê palestino de transição, tecnocrático e apolítico”, formado por especialistas internacionais e representantes locais qualificados, responsável por administrar temporariamente a região. Ao mesmo tempo, criticou a posição da maioria dos países que apoiam a criação de um Estado da Palestina, reafirmando a tradicional recusa norte-americana e israelense em aceitar essa solução.

REIVINDICAÇÃO HISTÓRICO – O que se apresenta como proposta de paz soa, na prática, como um adiamento indefinido de uma reivindicação histórica. Ao substituir a soberania por um arranjo tutelado, os Estados Unidos e Israel mantêm o essencial: o controle político e estratégico sobre os territórios, impedindo que os árabes da região se constituam como Estado pleno, com fronteiras reconhecidas, governo eleito, capacidade de autodefesa e representação internacional.

A ideia de um comitê “apolítico” é, na verdade, profundamente política, porque retira da população local a possibilidade de escolher quem a governa e delega a gestão de suas vidas cotidianas a tecnocratas sem legitimidade popular.

O argumento central para negar o Estado continua a ser o da segurança. Israel insiste que não pode permitir a emergência de um vizinho soberano que, em sua visão, poderia servir de plataforma para novos ataques. Mas, ao colocar toda a ênfase na segurança, ignora-se que a ocupação prolongada, a ausência de soberania e a negação de direitos são, por si mesmas, fatores permanentes de instabilidade e radicalização.

RAZÕES TERRITORIAIS – A recusa também se apoia em razões territoriais e ideológicas: muitos setores do Estado israelense não admitem abrir mão de partes estratégicas da Cisjordânia, nem aceitar um rival com pretensões equivalentes de legitimidade histórica.

Para os Estados Unidos, as razões são múltiplas. No plano geopolítico, Washington mantém a pretensão de ser árbitro da região, mas raramente se posiciona de forma a contrariar os interesses de Israel. Internamente, a política em relação ao conflito é atravessada por pressões eleitorais, pelo peso do lobby pró-Israel e pelo discurso religioso de parcelas do eleitorado.

Externamente, a Casa Branca procura equilibrar-se entre o apoio incondicional a Israel e a necessidade de não perder aliados no mundo árabe, onde a causa da autodeterminação continua a ressoar fortemente. Não reconhecer a soberania reivindicada, portanto, é também uma forma de manter influência, controlar o ritmo das negociações e evitar compromissos que possam ser politicamente custosos.

SEM SOBERANIA – O problema é que a proposta de Trump não oferece dignidade, apenas gestão. Sem governo eleito, sem soberania real e sem voz própria, Gaza correria o risco de transformar-se em um protetorado indefinido, onde milhões de pessoas viveriam sob a tutela de organismos externos.

A história mostra que arranjos desse tipo tendem a prolongar os conflitos em vez de resolvê-los, porque não lidam com a raiz do problema: a falta de reconhecimento do direito de autodeterminação. Além disso, uma solução imposta de cima para baixo, que desconsidera a vontade popular, está condenada a ser vista como ilegítima, alimentando ainda mais ressentimento e violência.

Enquanto se discute em mesas diplomáticas, a realidade em Gaza continua a ser de destruição, deslocamento e sofrimento humano. Para aquele povo, a ideia de Estado não é um capricho, mas a condição mínima para reconstruir escolas, hospitais, energia, infraestrutura e, sobretudo, para recuperar a dignidade de viver com autonomia. Negar essa aspiração é condená-los a uma existência de dependência e humilhação, em que até os direitos mais básicos ficam sujeitos à boa vontade de outros.

SEM JUSTIFICATIVA – Os interesses estratégicos de Israel e dos Estados Unidos explicam a recusa, mas não a justificam. Uma paz verdadeira só poderá nascer de uma solução que reconheça plenamente a soberania reivindicada, que respeite o direito internacional e que permita aos dois povos coexistirem em condições de igualdade. O plano de Trump, ao contrário, parece apenas adiar indefinidamente essa possibilidade, criando uma gestão temporária que pode transformar-se em permanente e perpetuar a lógica da exclusão.

No fundo, o que está em jogo é a escolha entre oferecer dignidade ou impor tutela. Negar um Estado àquele povo é manter a região refém do medo, da insegurança e da desigualdade. Reconhecê-lo seria um passo arriscado para alguns, mas indispensável para qualquer paz que mereça esse nome.

Sem justiça e sem soberania, a paz será sempre uma miragem, e propostas como a que agora se apresenta não passam de sombras de solução, incapazes de oferecer futuro a uma nação que há décadas espera por ele.

2 thoughts on “Trump, Netanyahu e o veto à Palestina: a geopolítica da exclusão

  1. Nesses internacionais e maquinados jogos despopulacionais por servis fraternos genocidas os únicos visados são os desassemelhados, que acreditam estar defendendo suas pátrias, sequer assim consideradas por tidos mafiosos e estatutários “cidadãos do mundo”!

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