Raquel de Queiroz sabia iluminar a vida numa casa velha de fazenda

Frases de Rachel de Queiroz: confira » Querido JeitoPaulo Peres
Poemas & Canções

A romancista, contista, tradutora, jornalista e poeta cearense Raquel de Queiroz (1910-2003), no poema “Telha de Vidro”, ensina que um simples toque de criatividade pode mudar tudo para melhor em nossas vidas.

TELHA DE VIDRO
Rachel de Queiroz

Quando a moça da cidade chegou,
veio morar na fazenda,
na casa velha…
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô…
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha…

A moça não disse nada,
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro…
Queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade…

Agora,
o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda,
tão claro que, ao meio dia, aparece uma
renda de arabesco de sol nos ladrilhos
vermelhos,
que — coitados — tão velhos
só hoje é que conhecem a luz do dia…

A luz branca e fria
também se mete às vezes pelo clarão
da telha milagrosa…
Ou alguma estrela audaciosa
careteia
no espelho onde a moça se penteia.

Que linda camarinha! Era tão feia!
— Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta, fria,
sem um luar, sem um clarão…
Por que você não experimenta?
A moça foi tão vem sucedida…
Ponha uma telha de vidro em sua vida

Candidatos da direita precisam explicar como se deve tratar o governo Trump

Trump arrives at Atlanta jail to surrender on charges he attempted to  overturn his 2020 election loss | PBS News

Na verdade, ninguém sabe como Trump deve ser tratado

William Waack
Estadão

Possíveis candidatos de direita para enfrentar Lula ainda não encontraram uma linha clara para definir como seriam as relações com os Estados Unidos caso vençam as eleições. Em parte, caíram na armadilha de acreditar que a crise bilateral seria um problema de Trump com o STF e se resolveria numa vitória contra Lula.

Nesse sentido, a crise ainda não produziu no Brasil personagens políticos vindos do espectro de direita com uma visão estratégica em relação aos Estados Unidos – desde décadas, ensinam os clássicos, um problema central para definir a própria “identidade” internacional brasileira.

É COMPLICADO – Não é simplesmente uma questão de quem está no poder lá ou aqui, seja de esquerda ou de direita, porque Trump usa tarifas e ameaças para pressionar nações a um recuo em metas climáticas

O Brasil revelado pela crise é uma potência decadente em relação ao que já foi no seu próprio entorno geográfico. De novo, não é por estar cercado de governos “amigos” ou “inimigos”. É por ter perdido capacidade de projeção de poder nos seus vários sentidos.

PAÍS ESTAGNADO – Do ponto de vista da política doméstica, a mesma crise expôs um país estagnado do ponto de vista institucional por uma permanente situação de desequilíbrio entre os poderes.

Agravada por falta de lideranças com “projeto nacional” em suas várias configurações – até mesmo os estamentos militares tem como única preocupação hoje sobreviver à falta de orçamento para qualquer coisa.

A lição principal da crise com os Estados Unidos até aqui é o fato de que vulnerabilidade brasileira tornou o País um alvo fácil. E suas vantagens competitivas (na transição energética, por exemplo) estão subordinadas ao grande quadro geopolítico.

SEM FORÇA – Nessa situação, exibir a condição de superpotência na produção de alimentos não garantiu ao Brasil o que se poderia chamar de “posição de força” (tem sido o contrário).

Trump tem exibido uma disposição brutal para frear quem considere adversário utilizando para isso preferencialmente a ferramenta das tarifas, mas acompanhadas de barreiras tecnológicas e financeiras.

No jogo pesado geopolítico, não há nada que garanta um tratamento preferencial ao Brasil na eventualidade de um “governo amigo” de direita – é só olhar para o que aconteceu com a “amiga” Índia.

MESMO ERRO – Em outras palavras, até aqui os presidenciáveis de direita se arriscam a cometer em relação aos Estados Unidos o mesmo erro de Lula em relação aos autocratas e governos de esquerda pelos quais sempre nutriu grande admiração: o de que “amizades” entre países compensam ou mesmo atenuam “interesses”.

Bolsonaro está deixando para eles uma saia justa formidável, da qual não conseguiram até aqui se libertar. O interesse nacional cabe ao próprio País decidir, e não ao presidente americano.

O julgamento que coloca o Brasil diante de si mesmo

Brasil não ganha nada se Lula decidir retaliar os Estados Unidos

Governo Lula termina decreto que regulamenta Lei de Reciprocidade para  retaliar EUA caso necessárioVinicius Torres Freire
Folha

Apenas a China reagiu à agressão comercial de Donald Trump. O Canadá ensaiou contra-ataque, mas recua. O restante do mundo por ora aceitou armistício em condição subalterna. O Brasil ensaia retaliação.

 O governo toma providências para que possa contra-atacar, com base na Lei de Reciprocidade, que, por falar nisso, tramitou porque o agro queria meios para reagir a restrições comerciais da União Europeia motivadas por critérios ambientais.

RISCO DE PERDER – O que o Brasil vai ganhar com isso? Nada, com risco de perder. O governo diz que tal reação pode ser meio de induzir os americanos a conversar. Não explica de onde tirou tal ideia. A desinformação a respeito do que quer Trump é total, como diz gente do governo brasileiro, em conversa reservada.

No final de um processo de meses, o Brasil poderia adotar retaliações com base nessa lei. Aumentar impostos de importação sobre produtos americanos é idiotice, prejuízo para empresas daqui. Tributar empresas de serviços baseadas no Brasil e quebrar patentes ou outros direitos seriam alternativas.

Afora o fato de que o Brasil correria riscos de reputação no mundo (quebrando patentes, por exemplo) por ganho duradouro nenhum, a medida não faria coceira nos EUA.

ALVOS PIORES – Agora ou depois, o risco óbvio de retaliar com estilingue é incentivar um ataque com mísseis em alvos ainda mais sérios do que o comércio, como finanças e investimento. Como se não bastasse, o momento é inoportuno. Nesta semana, empresas brasileiras vão aos EUA vender seu peixe e começa o julgamento de Jair Bolsonaro, outro risco de que Trump volte a dar dois minutos de atenção agressiva ao Brasil.

 

O restante do mundo engoliu o que são por ora diretrizes de acordo (ainda não há acordos), o que ajuda a ganhar tempo e a enrolar.

]União Europeia, Japão ou Coreia do Sul, entre outros, estavam aturdidos pela pancada, temiam prejuízos grandes e imediatos. Agora, fazem conta de perdas e observam a reconfiguração mundial.

FAZER ACORDOS – Ainda muito incipiente, começam a pensar em como fazer acordos ou frentes informais a fim de ainda manter o comércio ex-EUA (85% dos negócios) sujeito a alguma regra. Recuaram, talvez além da conta, a fim de se reorganizarem e lidarem com mudança ou conflito longos.

Parece improvável que a Suprema Corte aceite a decisão de tribunais que barrou o tarifaço indiscriminado de Trump baseado na Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional.

A corte é trumpista, seria golpe forte no poder de Trump, doméstico e externo, e problema grave para as contas do governo (que tapa parte do déficit extra de Trump com imposto de importação).

ALGUMAS MUDANÇAS –  Mas pode haver mudanças. Trump teria de recorrer a outros instrumentos legais, com tarifação mais caso a caso. De qualquer modo, além do tarifaço mundial, Trump já projeta mais tarifas sobre chips, farmacêuticos, químicos, veículos pesados, móveis, madeira, produtos de minerais críticos, aviões, motores, o diabo, como já o fez com aço e alumínio.

Haverá rodadas periódicas de abertura de novos processos, a pedido de empresas que se julguem prejudicadas. Enfim, a guerra comercial parece ser apenas o começo de um projeto diferente de domínio americano.

Para variar, o Brasil estava despreparado. Tem raras políticas de longo prazo atualizadas e pensadas. Retaliar com estilingue é não entender o tamanho da encrenca. Discurseira nacionalista é irrelevante. O momento é de atenuar prejuízos, respirar e pensar em

Moraes avisou Bolsonaro sobre a possibilidade de acabar na cadeia

Alexandre de Moraes e Bolsonaro

Quando estava no TSE, Moraes deu o aviso a Bolsonaro

Josias de Souza
do UOL

Todas as pessoas são inocentes até prova em contrário. Bolsonaro é diferente. Deixou tantos rastros que virou prova em contrário de si mesmo. Não há em Brasília uma mísera alma capaz de apostar na sua absolvição. No julgamento sobre o complô do golpe, a guilhotina da Primeira Turma do Supremo é feita de evidências de aço fornecidas pelo réu.

Bolsonaro consolidou-se como um outro nome para o desequilíbrio. Sua condição normal é o estado crônico de crise. No momento, vive a apoteose da crise dos ‘Três Cs’. Sempre lhe faltaram Compostura e Compromisso democrático. Faltou-lhe também Comedimento para interpretar os sinais de fumaça emitidos por Alexandre de Moraes.

LÁ NO TSE – Moraes soltou dois alertas sobre o risco de Bolsonaro ser preso caso o melado antidemocrático não parasse de escorrer. Os avisos soaram em julgamentos da Justiça Eleitoral. Num, o TSE livrou a chapa Bolsonaro-Mourão da cassação por difundir mentiras no Zap na sucessão de 2018. Noutro, baniu Bolsonaro das urnas por mentir para embaixadores na campanha de 2022.

Na sessão em que o TSE decretou a inelegibilidade de Bolsonaro até 2030, Moraes repetiu o alerta que fizera no julgamento anterior. Releu a frase que usara para avisar o que ocorreria com quem repetisse em 2022 o modelo de difusão de mentiras que marcou a campanha bolsonarista em 2018: “Irão para a cadeia”.

Além de falar pela segunda fez sobre prisão num tribunal eleitoral, Moraes inseriu no voto pela inelegibilidade de Bolsonaro o raciocínio segundo o qual “a Justiça é cega, mas não é tola”. Recitou a mesma frase dias atrás em despachos sobre a tornozeleira e a prisão domiciliar do capitão.

CHEIO DE DISPOSIÇÃO – Moraes chega ao dia do julgamento com disposição redobrada para converter seu vaticínio em realidade. Apertou a vigilância sobre o domicílio prisional do réu.

Colocou a polícia no quintal de sua casa. Ordenou a revista minuciosa dos carros que saírem do imóvel. Não se perdoaria se Bolsonaro, cuja prisão farejou com tanta antecedência, fugisse escondido num porta-malas.

O que é singular no caso brasileiro é que o ataque à Corte não parta do titular do Poder Executivo para quem o STF passou de usurpador a defensor de direitos. O adversário agora é um governo estrangeiro.