Trump testa a fidelidade do militar americano ao regime democrático

Anna Moneymaker/Getty Images

Trump sonha com um terceiro mandato que não existe

Marcelo Godoy
Estadão

 

Uma reunião estranha. Um secretário que prefere ser chamado de secretário da Guerra e seu presidente mandam reunir 800 oficiais generais e sargentos vindos de todos os cantos do mundo em Quantico, na Virgínia, para mostrar que “ao meu comando” todos devem pensar como o chefe. Seria trocar o juramento de lealdade à Constituição pela lealdade ao líder?

Ao ouvir o discurso de Pete Hegseth, seguido pelo de Donald Trump, é impossível não se recordar do general Mark Milley, aquele que se desculpou por ter acompanhado fardado o chefe em uma saída de Trump próxima à Casa Branca, durante protestos, e que reagiu, prontamente, contra a tentativa de invasão do Capitólio, no dia da confirmação da posse de Joe Biden. O que a reunião em Quantico buscava mostrar aos generais é que um novo Milley não seria tolerado.

MUITAS BOBAGENS – Nada contra o que Hegseth pregou existe de fato nas Forças Armadas dos EUA. O espírito espartano em contraposição ao ateniense parece desconhecer que a guerra hoje é multidomínio e não mais combatida por hoplitas e gladiadores.

Nos EUA, não há uma epidemia de militares obesos e barbados. Nem os quartéis se transformaram em um clube da luluzinha. Mas a China continua sendo uma ameaça aos Estados Unidos. E outros polos de poder começam a despontar, como a Índia.

A coluna foi ouvir alguns militares brasileiros sobre suas impressões a respeito do discurso de Hegseth e as implicações para nova Estratégia Nacional de Defesa dos EUA. Um deles resumiu bem a cena e o espírito do que se viu.

DIZ O ESTRATEGISTA – O coronel Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, do Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEx). “Ouvi integralmente o discurso. Até 5 minutos e meio é um discurso com generalidades, que poderia ser dito por qualquer pessoa”, afirmou.

Paulo Filho continuou sua análise, assinalando: “A partir de então, ele fala do que vai tratar: ‘Essa conversa aqui hoje é sobre cultura, hoje vamos falar de cultura’. E começa a desenhar um quadro do Exército americano que não é real. Quantos oficiais americanos barbados você já viu na sua vida? Um ou outro, exceção. O Exército virou woke, perdeu poder combativo? Isso é uma falácia. O Exército americano é a mais poderosa força armada de todos os tempos; não tem comparação com nenhuma outra”.

MUDAR EM QUÊ? -O coronel Paulo Filho prosseguiu: “Hegseth disse que os padrões de mulher e de homem em funções de combate vão ser iguais. Mas eles já são iguais. Disse que vão fazer dois testes físicos por ano. Já são dois. O que chocou os generais presentes, com 30, 40 anos de serviço, é que eles sabem que o Exército que o Hegseth diz que precisa mudar, já é tudo isso. Isso é que chocou, essa guerra cultural sendo levada ao Exército americano”.

Paulo Filho não disse. Mas a vitória de Hegseth em sua guerra cultural interessa apenas ao seu grupo político. Só ele sairá vitorioso se o secretário tiver sucesso em sua cruzada.

A questão é: os militares americanos têm os anticorpos necessários para resistir à tentação autoritária de transformar as Forças Armadas em braço armado de um grupo político? Décadas de controle civil objetivo e de fidelidade à Constituição e não a um líder resistirão ao novo governo Trump?

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG –
Artigo importantíssimo de Marcelo Godoy. Mostra que Trump e a ala civil de seu governo desconhecem inteiramente o funcionamento das Forças Armadas. Trump quer mais um mandato, que depende da Suprema Corte, porque nunca ocorreu situação semelhante. Precisa ter apoio das Forças Armadas para pressionar os ministros a aceitarem sua candidatura a um terceiro mandato em 2028. Será uma longa novela. Comprem pipocas. (C.N.)

3 thoughts on “Trump testa a fidelidade do militar americano ao regime democrático

  1. Precisa ter apoio das Forças Armadas para pressionar os ministros a aceitarem sua candidatura a um terceiro mandato em 2028. Será uma longa novela. Comprem pipocas. (C.N.)

    E ainda chamam isso de democracia..!!

  2. Sr. Newton

    E a briga por uma “latinha” nas ruas deste Páis vai se intensificar.

    “Surto” de exportação compromete reciclagem de alumínio no Brasil

    Em entrevista exclusiva, Vice-Presidente da Novelis, maior recicladora do metal do mundo, afirma que está faltando sucata no país

    https://economia.ig.com.br/colunas/mariana-sgarioni/2025-10-03/-surto-de-exportacao-compromete-reciclagem-de-aluminio-no-brasil.html?utm_source=economia.ig.com.br_internal&utm_medium=internal&utm_campaign=economia.ig.com.br_internal&utm_content=1359432108&utm_term=1855881#google_vignette

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