Fabio Victor
Folha
As queixas e denúncias de abusos de poder vindas de presos e réus do 8 de janeiro e de seus parentes e advogados, bem como de parlamentares, são do jogo democrático, mas parte delas soa incoerente com o que sempre pregaram seus críticos, afirma Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e atual presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Em entrevista à Folha, Moraes defende sua atuação como relator das ações penais do 8/1 e diz que seu trabalho tem sido referendado pelo plenário do Supremo. “Isso é o maior motivo de satisfação, mostrando que a minha conduta vem sendo dentro dos parâmetros constitucionais.”
Temos visto uma ofensiva de parentes e advogados de presos e réus do 8/1 contra o sr. e o STF. Queixam-se de penas elevadas, denunciam abusos, concentração de poder. Há casos de réus com pedido de liberdade provisória deferido pela PGR mas que continuavam presos, como o do homem que morreu na Papuda e virou como um mártir desses grupos. Em outros, houve erros, o sr. acabou voltando atrás. Como tem recebido essas críticas?
As penas são elevadas porque os crimes foram gravíssimos, não foi um único crime, são cinco crimes. Quando você soma a pena desses cinco crimes, obviamente é elevada. As penas poderiam chegar a mais de 40 anos, quase 50 anos se fossem as penas máximas. As maiores até agora foram 17. Só que, e isso é muito importante salientar, por uma previsão da legislação brasileira, as pessoas só vão poder, nesses casos, ficar presas em regime fechado um sexto da pena. Ou seja, não chega a três anos, dois anos e oito meses. Vários já estão presos há quase um ano. Então, em que pese toda essa gravidade da prática de um crime que tentou abolir a democracia, que tentou abolir os Poderes –queriam um golpe militar com a volta do AI-5, com a volta de tortura, com a volta de se cassar politicamente adversários –, essas pessoas ficarão presas mais um ano e meio, um ano e quatro meses, onde poderão progredir. Ou seja, o Supremo aplica a legislação que o Congresso Nacional aprovou. E aprovou em substituição à Lei de Segurança Nacional. Ou seja, é uma lei de defesa da democracia.
Como vê a volta às ruas de partidários do ex-presidente Bolsonaro, em atos em que o sr. é o principal alvo? Manifestações críticas, mesmo que sejam críticas ácidas, são parte da democracia, não há nenhum problema. O que não faz parte da democracia é a agressão, são injúrias, calúnias, ameaças.
O sr. faz algum mea culpa, assume algum erro nessa atuação? Teria feito algo diferente?
Eu deixo para os meus amigos e inimigos apontarem meus erros, eu sigo trabalhando. É importante colocar – e as pessoas às vezes, com razão, não têm essa noção – que eu tenho ao mesmo tempo a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, o meu gabinete no Supremo Tribunal Federal e uma vara criminal [ações do 8/1]. Eu tenho uma vara criminal hoje com quase 2.000 ações. Eu diria que poucas varas criminais no país têm tanto volume. E o gabinete vem trabalhando com celeridade, referendado pelo plenário do Supremo. Isso é o maior motivo de satisfação, mostrando que a minha conduta vem sendo dentro dos parâmetros constitucionais.
Que tipo de alteração pode haver na decisão de responsabilizar veículos de imprensa por declarações de entrevistados? Essa decisão pode afetar também as big techs?
A decisão se aplica a todo tipo de veiculação. Principalmente na Justiça Eleitoral, onde nós já definimos, desde 2021, que a utilização das redes sociais, das big techs, equivale a meios de comunicação para fins da Justiça Eleitoral. Eu não vejo nada diferente na repercussão geral aprovada do que já se aplica. Na verdade, houve uma interpretação errônea por vários meios de comunicação, alguns dizendo até, de forma absurda, que se essa repercussão geral estivesse valendo, não poderia ter tido a entrevista do Pedro Collor ou a entrevista do Roberto Jefferson. Com todo o respeito, não leram o que foi aprovado.
Porque o texto fala em responsabilizar a empresa jornalística se houver “indícios concretos da falsidade da imputação”. Isso não é muito etéreo?
Sim, sei. Então, para que não haja problema na interpretação, me parece correto substituirmos isso para dolo. Quando houver dolo do jornalista ou do meio de comunicação, se comprove o dolo, aí ele pode ser responsável.
E como podemos saber isso?
Eu teria aqui uns cem exemplos de dolo para te citar, que é o que eu chamo de lavagem de fake news. Algumas emissoras fazem isso. Pararam de fazer porque começaram a sofrer as consequências legais.
Num evento Planalto, com o padre Júlio Lancellotti e militantes de esquerda, o sr. foi muito festejado, gritaram o seu apelido, Xandão. Antes de virar ministro do STF, o sr. atuou na política e integrou governos mais de centro ou centro-direita. O bolsonarismo levou o sr. mais para a esquerda?
Na verdade, quem me identificava aqui e me identificava ali são vocês da imprensa. A minha conduta foi a mesma. O padre Júlio Lancellotti, por exemplo, eu tenho um trabalho conjunto com ele desde 2004, quando assumi a presidência da então Febem, ele me auxiliou a acabar com os grandes complexos da Febem e criar a Fundação Casa. Desde lá já vem essa, digamos, proximidade. Eu fui no evento dos moradores em situação de rua porque esse plano foi resultado de uma decisão minha – monocrática, depois referendada pelo plenário – que determinou o respeito à dignidade das pessoas em situação de rua. A pessoa em situação de rua já tem uma vulnerabilidade, ela ainda sofre agressão, quando se retira os bens, documentos, o cachorrinho delas, o pouco que ela tem, as pessoas retiram, é com violência. Não há saúde, alimentação, casa…
O bolsonarismo não levou o sr. mais para a esquerda não, então?
Não, não. Nem para a esquerda nem para a direita nem para o centro. Eu fico onde eu sempre estive, cumprindo a Constituição.
Vê chance de anistia para Bolsonaro, como aliados dele pedem?
Quem pode aprovar ou não é o Congresso. O Supremo, eventualmente, o que pode analisar é a constitucionalidade ou não, como fez em relação ao indulto. Comigo nunca ninguém conversou essa questão.
E o inquérito das fake news, tem alguma previsão de enfim conclui-lo?
Ele vai ser concluído quando terminar.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Faltaram duas perguntas que não querem calar. 1) Por que “invasores” estão sendo condenados como “vândalos” e “terroristas”, sem haver provas materiais, com as mesmas penas valendo para todos? 2) Por que os réus não tiveram direito à primeira instância, para poderem recorrer em caso de condenação? Por fim, uma observação: conduzir um inquérito sem data para acabar significa desrespeito às leis processuais e à Constituição. (C.N.)