Vera Rosa
Estadão
A ameaça da Frente Parlamentar da Agropecuária de enfrentar o Supremo Tribunal Federal e obstruir votações no Congresso, enquanto o marco temporal das terras indígenas não for aprovado no Senado, conta agora com o apoio das bancadas evangélica e da bala. A aliança entre as três frentes provoca tensão entre os Poderes e preocupa o Palácio do Planalto.
O movimento, que conta com apoio da maioria dos partidos do Centrão e pode unir mais da metade do Congresso contra o Supremo, foi iniciado nesta quinta-feira, 21, depois que a Corte considerou inconstitucional o marco temporal das terras indígenas. Mas as articulações políticas abrangem outras pautas que opõem conservadores ao STF, como a descriminalização do aborto e do porte de drogas.
REUNIÃO MARCADA – Dirigentes ruralistas e das frentes parlamentares evangélica e da segurança pública vão se reunir nesta próxima semana, em Brasília, para definir uma estratégia conjunta. A ideia é pressionar o Senado a aprovar o marco temporal das terras indígenas e dar um “ultimato” ao Supremo.
A união de deputados e senadores tem potencial para prejudicar votações de temas prioritários para o governo Lula. Na lista estão a reforma tributária, novas regras de cobrança de impostos para fundos exclusivos e offshores e até a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
“Nós vamos usar todos os instrumentos regimentais para obstruir as votações na Câmara e no Senado, com o objetivo de garantir o direito à propriedade”, disse o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.
DE BRAÇOS CRUZADOS – O coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, Silas Câmara (Republicanos-AM), afirmou que o Congresso não pode ficar de braços cruzados diante do protagonismo observado do outro lado da Praça dos Três Poderes.
“O Supremo atropela o Poder Legislativo e tenta implantar uma ditadura da toga. Não podemos aceitar isso”, reagiu Câmara, numa referência ao voto da presidente do STF, Rosa Weber, favorável à descriminalização do aborto nas 12 primeiras semanas de gestação.
A ação que trata do aborto começou a ser analisada na Corte pelo sistema eletrônico de votação, mas o ministro Luís Roberto Barroso – que assumirá a presidência da Corte no próximo dia 28, com a aposentadoria de Weber – transferiu o julgamento para o plenário físico. Não foi fixado prazo para a retomada do tema.
MACONHA E TRÁFICO – O STF também interrompeu, no último dia 25, o julgamento que vai decidir se o porte de maconha para uso pessoal é crime e trata da fixação de critérios para diferenciar o traficante do usuário de droga. O ministro André Mendonça pediu vista do processo, o que significa mais tempo para análise.
Diante de um cenário de confronto frequente com a Corte, as bancadas do agro, da bala e evangélica decidiram iniciar o movimento de pressão pelo Senado. Motivo: é na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa que tramita o projeto de lei com a tese defendida pelo Centrão, segundo a qual a demarcação de territórios indígenas precisa respeitar a área ocupada até a Constituição de 1988.
O problema é que, caso seja aprovado na CCJ e passe pelo crivo do plenário do Senado, o projeto ainda terá de ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que é contra. Há também duas propostas de emenda à Constituição (PECs) no Congresso que preveem a demarcação das terras indígenas.
BANCADAS UNIDAS – “As nossas frentes parlamentares, juntas, têm condição de aprovar o marco temporal no Senado e as emendas constitucionais que estão na Câmara”, destacou o deputado Alberto Fraga (PL-DF), que preside a frente conhecida como bancada da bala. “Eu sempre digo que é melhor ser da bala do que da mala”, ironizou ele.
Para Fraga, a Câmara e o Senado precisam “tomar providências” para conter o “ativismo judicial” dos magistrados. “O Supremo ultrapassou todos os limites e está usurpando as funções do Congresso”, declarou. “Vamos até as últimas consequências para vencer essa batalha”, insistiu Lupion.
A ideia é que outras bancadas também se juntem ao movimento, como a Frente Parlamentar Católica Apostólica Romana, que se posiciona contra a descriminalização do aborto e reúne 193 deputados.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Conforme já assinalamos aqui, essa união das bancadas conservadoras é muito importante e perigosa, porque o Congresso pode cismar de ser o novo protagonista da República, abrindo guerra também contra o governo, o que agravará muito a crise institucional, que já existe, mas é pouco comentada. (C.N.)