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Alisson não seria pardo, concluiu a comissão da USP
Hélio Schwartsman
Folha
A pedidos, comento o caso dos dois garotos que tiveram suas matrículas na USP barradas por não terem sido considerados pardos o bastante. O problema é insolúvel. A cor da pele se transmite por um complexo modelo de herança poligênica. Isso significa que um casal inter-racial pode gerar filhos com as mais variadas tonalidades de pele, do quase branco ao bem escuro. Outras características fenotípicas que costumamos associar a pretos, como tipo de cabelo e formato do nariz, seguem modelos igualmente complexos.
Nada disso é muito novo. Desde a Antiguidade temos uma literatura em torno dos paradoxos da indeterminação: quantos fios de cabelo um indivíduo precisa perder para ser considerado careca?
RECEITA DE INJUSTIÇAS – Tentar procustianamente forçar um amplo leque de possibilidades fenotípicas num juízo binário do tipo “pardo” ou “não pardo” é receita segura para produzir injustiças.
A primeira instituição republicana a ter de lidar com essa questão, o IBGE, contornou a aporia recorrendo à autodeclaração: cada um escolhe o grupo ao qual quer pertencer. Funcionou bem até virem as cotas raciais. Como elas oferecem uma palpável vantagem a membros de certas minorias, surgiu a possibilidade de pessoas abusarem do sistema. Como resolver isso?
Não sei, mas a resposta do STF, que foi autorizar os comitês de heteroidentificação, é, como vimos, ruim. Ela coloca a autodeclaração, que pode ser genuína mesmo para alguém de tez clara, contra a decisão da banca.
SUSPEITA DE FRAUDE – Pior, ela lança automaticamente sobre os reprovados pela comissão a suspeita de fraudadores.
Mas o juízo do comitê é essencialmente um juízo estético — e, se o seu filme favorito perde o Oscar, não parece muito apropriado acusar a Academia de fraude.
O irônico aqui é que, para justificar a heteroidentificação, é preciso rejeitar teses caras ao movimento woke, como o direito de escolher a própria identidade (transexuais) e a recusa a classificações binárias.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O Brasil não identificava os brasileiros por raça, apenas pelos nomes, incluindo mãe e pai. Aí o então senador Fernando Henrique Cardoso fez uma lei para obrigar o IBGE a registrar a cor, que o próprio entrevistado deveria indicar. Surgiram então respostas variadíssimas, tipo moreno, mulato, china, preto claro etc., e o IBGE então decidiu aceitar apenas cinco cores: preta, parda, branca, amarela ou indígena. A meu ver, para saber se o sujeito deve ser considerado pardo, deveria ser exigida identidade de pai e mãe, com fotos. Quem é filho de pardo, também é pardo. Duro é ser branco e pobre, neste país racista. Aliás, as cotas deveriam ser sociais (pelo imposto de renda dos país) e não raciais. (C.N.)