
Campos Neto não pode trocar o rotativo estratosférico por juros espaciais
Pedro do Coutto
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em reportagem de Natalia Garcia, Folha de S. Paulo desta sexta-feira, e de Renan Monteiro no O Globo, afirmou que o BC está estudando acabar com as taxas do rotativo no cartão de crédito que hoje superam 400% ao ano por um sistema de parcelamento com uma taxa de 9% ao mês.
Os juros atuais do crédito rotativo cobrado pelos bancos é recorde mundial absoluto e constitui há muito tempo uma vergonha nacional e internacional para o Brasil. O sistema atravessa décadas e lembro que o escândalo veio à tona no governo João Figueiredo quando Delfim Netto retornou à equipe ministerial no Planejamento.
INADIMPLÊNCIA -Atravessou o tempo fomentando uma inadimplência inevitável já que é impossível a qualquer pessoa pagar juros nessa escala; como também será impossível pagar 9% ao mês quando a inflação prevista este ano oscila entre 3% a 4%.
É só fazer as contas e chegar à conclusão da impossibilidade absoluta. Não é possível cobrar juros nessa ordem num cenário em que a inflação oscila entre 3% a 4% no espaço de 12 meses. Como é que as pessoas podem arcar com um compromisso desse tipo? A saída, claro, seria não fazer dívidas de jeito algum. Mas isso é impossível diante da realidade. Economistas como Roberto Campos Neto, no fundo, têm horror à realidade.
Fala-se em juros praticamente todos os dias, mas não se toca no problema dos salários, que são os alvos dessas taxas e não têm como enfrentar uma realidade que remete à fome mais de 30 milhões de brasileiros e brasileiras. O déficit social brasileiro é muito maior do que a dívida interna do país que eleva-se a em cerca de R$ 6 trilhões sobre a qual incidem os juros de 13,25% da Selic por ano. Com isso, favorece-se incrivelmente as aplicações de capital no mercado guarnecido pela tradicional mão de tigre.
LUCRO – Agora mesmo, matéria de Lucas Bombana, Folha de S. Paulo, revela que o lucro dos grandes bancos no segundo trimestre deste ano alcançou R$ 24 bilhões. Entre os grandes bancos, Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander. O lucro da Caixa Econômica Federal certamente também se inclui entre os maiores. Detém um alto volume de cadernetas de poupança que rendem por ano de 6% a 7%. Basta a CEF aplicar os depósitos das cadernetas em títulos regidos pela Selic que rendem mais que o dobro.
Portanto, terminar com o rotativo dos cartões de crédito não é a solução. Na verdade é uma obrigação do poder público. Mas Campos Neto não pode substituir o rotativo estratosférico por juros espaciais de 9% ao mês. Não livrará a população brasileira das dívidas e da inadimplência. É preciso que a rota dos salários funcione para uma efetiva redistribuição de renda no país. É o único caminho.
DREX – Natália Garcia, na Folha de S. Paulo, em reportagem bastante ampla, explica como deverá funcionar a moeda real Drex destinada a modernizar as aplicações financeiras e também a compra de carros e imóveis. A moeda digital, portanto, está restrita a segmentos de renda elevada, repousando essencialmente na transferência de dinheiro. De forma nada surpreendente abrange as remessas internacionais de capital.
A contratação de serviços também integra o elenco da moeda digital que já tem até a sua característica gráfica produzida e reproduzida na edição de ontem da Folha. O Drex é uma ilusão. Não incentiva a economia, não influi no mercado de trabalho, muito menos redistribui a renda, não está voltado para a imensa maioria da população brasileira.
Diante do Drex, relembro uma história contada por Nélson Rodrigues ao longo das confissões que escreveu no O Globo numa sequência de suas memórias iniciadas no Correio da Manhã. Morava numa casa com um jardim à frente, perto do Grajaú. Sua mãe contratou um jardineiro para cuidar das plantas. Numa visita do jardineiro português, ela disse “É bom que o senhor venha aos sábados”. O jardineiro respondeu: “O sábado é uma ilusão”. Lembrei dessa história quando vi anunciado o Drex digital.
OBRAS PARADAS – Existem no Brasil, das mais variadas dimensões, 8600 obras paralisadas que estão causando um prejuízo enorme não só pelo custo de sua retomada, que supera R$ 30 bilhões no mínimo, mas principalmente, pelo efeito que teriam causado se tivessem sido realizadas dentro dos tempos previstos.
Esse déficit parece invisível, mas é real, embora não seja calculado pela elite monetária que atua no mercado financeiro. Mas é só imaginar em quantas pessoas perderam a vida por falta de equipamentos médicos e por falta de atendimento. Quantas pessoas deixaram de comer porque não conseguiram emprego que teria sido fornecido pela finalização de obras no tempo previsto?
Agora, por exemplo, o governador Cláudio Castro pensa em construir um muro ao longo da Linha Vermelha para evitar balas perdidas no caminho. Incrível. Aliás, Bernardo Mello Franco escreve um bom artigo no O Globo sobre tal projeto.