Se estivesse vivo, Darcy Ribeiro não deixaria André Mendonça citar seu nome em vão

Darcy Ribeiro sobre os direitos dos povos indígenas - YouTube

André Mendonça fez uma leitura errada da obra de Darcy

Bernardo Mello Franco
O Globo

O ministro André Mendonça levou dois dias para ler seu voto a favor do marco temporal. A tese inexiste na Constituição, mas está em debate no Supremo. Se aprovada, pode inviabilizar a demarcação de terras indígenas no país.

A opinião do ministro “terrivelmente evangélico” não surpreendeu. Ele foi indicado por um presidente que hostilizou os povos originários e incentivou a mineração ilegal em seus territórios. Ainda assim, houve espanto quando Mendonça citou aliados da causa indígena para defender o contrário do que eles pregavam.

DIREITO DE RESPOSTA – A principal vítima do truque foi Darcy Ribeiro, mencionado nove vezes em 203 páginas de voto. Morto em 1997, o antropólogo não pode pedir direito de resposta.

Mas é seguro dizer, com base em suas próprias palavras, que ele não deixaria barato. Vamos conferir suas verdadeiras palavras.

“O que os índios pedem? A garantia da posse tranquila das terras, das matas, das águas onde eles vivem. E o direito de viver segundo seus costumes”, sintetizou Darcy em 1991, em entrevista na TV Cultura.

PRECISAM DA TERRA – “Eles estão a nos dizer, desde sempre: só queremos um pedaço da muita terra que tínhamos, porque a necessitamos para sobreviver”, escreveu cinco anos depois, em artigo na Folha de S.Paulo.

Em 1995, o antropólogo foi à tribuna do Senado e relatou um diálogo com o cacique Juruna, a quem definiu como muito inteligente.

“Um dia ele me perguntou: ‘Darcy, quem é que inventou o papé?’ Tentei explicar como se fabrica papel, com madeira. Ele disse: ‘Não, papé de verdade’, acrescentando: ‘A gente está lá, sempre esteve lá, chega um com o papé e é o dono’.”

FORÇA CARTORIAL – “Observem o agudo sentido do Juruna para perceber a força cartorial, a força burocrática, que permite a alguém criar concessões de terras sem limites para quem nunca as viu, expulsando de lá quem as cultiva desde sempre. O Brasil é feito, em grande parte, dessa realidade”, emendou.

No livro “O Brasil como problema”, de 1990, Darcy expôs a hipocrisia por trás das críticas às demarcações. “Pessoas que não se preocupam com o fato de que particulares tenham propriedades de até um milhão de hectares, que mantêm inexploradas numa operação puramente especulativa, não estão dispostas a dar aos índios aquilo que é a condição de sua sobrevivência: terras que a nossa Constituição reconhece que são deles. Para isso, estão dispostos a levá-los ao extermínio. Essa postura corresponde à pior tradição brasileira”.

TESE ANTI-INDÍGENA – Na ausência do professor, a Fundação Darcy Ribeiro se manifestou sobre o julgamento em curso no Supremo.

Para a entidade, que guarda o acervo do antropólogo, o marco temporal é uma “tese anti-indígena” porque significa “a negação do direito mais fundamental aos povos indígenas: o direito à terra”. A nota foi divulgada em junho, dois meses antes do voto de Mendonça.

E vai piorar… Quem se irritou com Nunes Marques e André Mendonça deve preparar o espírito para ouvir Gilmar Mendes. Na quinta-feira, em aparte a um colega, o supremo ministro defendeu o garimpo em terras indígenas. Como decano da Corte, ele será o penúltimo a votar sobre o marco temporal. O julgamento deve ser retomado no dia 20.

9 thoughts on “Se estivesse vivo, Darcy Ribeiro não deixaria André Mendonça citar seu nome em vão

  1. Na minha opinião os indígenas deveriam ser aculturados.
    Se fossemos viver conforme nossos costumes temporais ainda estriamos saindo das cavernas.
    Do jeito que vivem hoje vão ser explorados de um lado ou de outro.

  2. Em 1942, os nativos das américas, descobrira que eram índios, descobriram que viviam na América, descobriram que viviam nus, descobriram que deviam obediência a um rei e uma rainha de outro mundo e um Deus de outro céu , e que esse Deus havia inventado a culpa e o vestido e que havia mandado que fossem queimados vivos quem adorasse o Sol, a Lua, a Terra e a chuva que molha essa terra. ( Eduardo Galeano).

    O que os governos vem fazendo com os indígenas, é uma desumanidade covarde, principalmente no governo Bolsonaro, que não mexeu uma palha para socorrer os yanomamis a beira da morte por fome e doenças

  3. Galeano: Desse esquerdista aí só tinha lido As Veias Abertas da América Latina.
    Nem Darci Ribeiro e Galeano gostariam de viver na idade da pedra correndo atrás de um cervo com um porrete na mão para garantir o jantar.
    Vivemos na era das pesquisas espaciais e visitando outros astros celestes, não temos que manter os indígenas como seres de um jardim zoológico. Ele tem que ser aculturados para viverem em sociedades modernas ou serão extintos.
    Bem ou mal os nativos da velha África avançaram.
    Os aborígenes australianos estão se adaptando.
    Tutelar nossos indígenas eternamente é um erro que contraria a evolução da sociedade humana.

  4. Quem não tem noção do valor da cultura, pensa como Bolsonaro, pensa rasteiro.
    Esquerda, é o lado dos mais necessitados e dos mais fracos.
    direita é o lado das elites dos mais forte
    A extrema direita é prima irmã do fascismo.

  5. E por falar em Darcy.
    Brizola uma vez comentou:
    Talvez Darcy Ribeiro esteja com a razão: “O PT é uma droga. É a esquerda que a direita gosta.”

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