Helio Schwartsman
Folha
“Incerteza, um Ensaio”, de Eugênio Bucci, é um livro ao mesmo tempo despretensioso e profundo. O autor começa recapitulando ideias da física sobre incerteza e entropia, passa pela teoria da informação de Claude Shannon, e mostra como o mundo moderno, em especial a esfera digital, se tornou um campo de batalha pelo controle da incerteza. As big techs se garantem como monopólios porque são capazes de se apropriar da incerteza e geri-la.
Antes de seguir, devo assinalar que Bucci é meu amigo, o que me torna automaticamente meio suspeito para comentar seu livro. O leitor que aplique os descontos que julgar necessários.
PERSPECTIVAS – Tudo no livro é muito didático e bem argumentado. Faço, contudo, ressalvas a algumas das conclusões do autor, e isso tem a ver com uma diferença de perspectivas.
Bucci é mais marxista do que eu e isso faz com que ele veja as relações de mercado como um jogo de soma zero, no qual o lucro de um é o prejuízo do outro.
Minha matemática é diferente. Acho que ocorrem também muitas interações de soma positiva nas quais as duas partes ganham com a transação.
PLANTAR E COMER – Um exemplo? Circula na internet um vídeo genial em que Andy George faz um sanduíche de frango “ab ovo”, isto é, produzindo ele próprio os ingredientes. Resumindo, entre plantar o trigo para fazer o pão e viajar ao litoral para extrair sal da água do mar, ele leva seis meses e gasta US$ 1.500 (R$ 7.384). São os mecanismos de mercado que fazem com que os ganhos da especialização do trabalho sejam distribuídos pela sociedade.
Não é o suficiente para tornar o capitalismo uma força benigna, mas é o que basta para compor um quadro complexo, com bônus e ônus. Concordo com a maior parte das conclusões de Bucci, que pinta as big techs como entidades autoritárias que promovem ativamente a ignorância para lucrar. Precisamos regular melhor a gestão das incertezas. Como fazê-lo, porém, permanece para mim algo bastante incerto.