Mario Sabino
Metrópoles
O meu refúgio é a minha pequena biblioteca. É lá que encontro paz, reencontro amigos e procuro explicações para fatos espantosos, como o ocorrido ontem neste Brasil de cidadãos cada vez menos livres e, agora, também desprovidos de Twitter. Sob o impacto da retirada da rede social X do ar, recorri ao francês Étienne de La Boétie. Ele morreu muito cedo, antes de completar 33 anos, em 1563, mas deixou dois legados.
Graças a ele, Michel de Montaigne escreveu o ensaio sobre a amizade. E o próprio La Boétie produziu outro texto que julgo também seminal. É o Discurso da Servidão Voluntária, que li na faculdade, onde tive aula com quem o traduziu para o português, o professor Laymert Garcia dos Santos. A edição bilíngue, com folhas já soltas pela má costura do volume, tem trechos grifados pelo estudante de 20 anos.
CONSTATAÇÃO – A tese de La Boétie, melhor seria dizer constatação, é que só há senhores porque há quem se disponha a sujeitar-se como servo — daí a “servidão voluntária”. Ele chegou a essa expressão depois de se perguntar por que tantos se submetem docilmente a um opressor:
“Mas, ó Deus, o que é isso? Como chamaremos esse vício, esse vício horrível? Não é vergonhoso ver um número infinito de homens não só obedecer mas rastejar, não serem governados mas tiranizados, não tendo mais bens, nem parentes, nem crianças, nem a sua própria vida que lhes pertençam. Aturando os roubos, os deboches, as crueldades, não de um exército, não de uma horda de bárbaros, contra os quais cada um deveria defender sua vida a custo de todo o seu sangue, mas de um só: não de um Hércules ou de um Sansão, mas de um homenzinho”, escreveu o pensador francês, indagando: “Chamaremos isso de covardia?”
PROPENSÃO HUMANA – La Boétie conclui que não é covardia. É essa propensão humana à servidão voluntária da qual não poucos tiram proveito, para além do senhor a quem se submetem:
“Como dizem os médicos, se há em nosso corpo alguma coisa estragada, essa parte bichada atrai para si as partes onde antes não havia nada. Do mesmo modo, logo que um rei declara-se tirano, tudo o que é ruim, toda a escória do reino, reúne-se à sua volta e o apoia para participar da presa e serem eles mesmos tiranetes sob o grande tirano.”
La Boétie falava do absolutismo, mas lá do século XVI as suas palavras ecoam atuais nas latitudes nas quais há uma Justiça que prefere ser só obedecida e temida a ser respeitada.
(Artigo enviado por Duarte Bertolini)
Realmente é isto mesmo, no Brasil não temos só um tirano, temos pelo menos onze tiranos, pessoas que sob o argumento de que estão “defendendo” a Democracia pisoteiam a Lei, passam por cima dela, e em “nosso nome”, como se a sociedade precisasse deste tipo de “defensor”. Este país sempre foi uma piada, mas até há algum tempo atrás era engraçada, hoje ela nos faz chorar.
Os outros dez também estariam sob a servidão voluntária Assim mesmo, o “senhor” um só, por sobre.
Excelente texto: fluido, agradável de ler, altamente instrutivo e educativo. Alguém poderia enviar a suas Excelências. As mais diversas.
Só chorumelas. Grande dia aliás! Espero que agora nossos nobres políticos trabalhem um pouco, em vez de ficar mitando ou lacrando no X.
O uso errado de uma ferramenta não justifica a eliminação de sua existência.
E a culpa pelo fechamento é do próprio dono do X.
Pimba, na escultura!
Magistral o artigo.