Uma cantiga para não morrer de amor, na poesia de Ferreira Gullar

Como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena embora o ...Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, crítico de arte, teatrólogo, biógrafo, tradutor, memorialista, ensaísta e poeta maranhense José Ribamar Ferreira (1930/2016), conhecido como Ferreira Gullar, expressa no poema “Cantiga para não morrer” o desejo de ser lembrado de diferentes maneiras pela moça branca como a neve, moça esta com quem viveu uma profunda relação amorosa durante o seu exílio, em Moscou.

CANTIGA PARA NÃO MORRER
Ferreira Gullar

Cantiga para não morrer
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

1 thoughts on “Uma cantiga para não morrer de amor, na poesia de Ferreira Gullar

  1. 1) Licença …. lembrei do grande Gonçalves Dias, clássico da Literatura Brasileira: “Se se morre de amor” …

    2) Se se morre de amor! — Não, não se morre,
    Quando é fascinação que nos surpreende
    De ruidoso sarau entre os festejos;
    Quando luzes, calor, orquestra e flores
    Assomos de prazer nos raiam n’alma,
    Que embelezada e solta em tal ambiente
    No que ouve, e no que vê prazer alcança!

    Simpáticas feições, cintura breve,
    Graciosa postura, porte airoso,
    Uma fita, uma flor entre os cabelos,
    Um quê mal definido, acaso podem
    Num engano d’amor arrebatar-nos.
    Mas isso amor não é; isso é delírio,
    Devaneio, ilusão, que se esvaece.

    Ao som final da orquestra, ao derradeiro
    Clarão, que as luzes no morrer despedem:
    Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,
    D’amor igual ninguém sucumbe à perda.

    Amor é vida; é ter constantemente
    Alma, sentidos, coração — abertos
    Ao grande, ao belo; é ser capaz d’extremos,
    D’altas virtudes, té capaz de crimes!
    Compr’ender o infinito, a imensidade,
    E a natureza e Deus; gostar dos campos,
    D’aves, flores, murmúrios solitários;
    Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
    E ter o coração em riso e festa;
    E à branda festa, ao riso da nossa alma
    Fontes de pranto intercalar sem custo;
    Conhecer o prazer e a desventura
    No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
    O ditoso, o misérrimo dos entes;
    Isso é amor, e desse amor se morre!

    Amar, e não saber, não ter coragem
    Para dizer que amor que em nós sentimos;
    Temer qu’olhos profanos nos devassem
    O templo, onde a melhor porção da vida
    Se concentra; onde avaros recatamos
    Essa fonte de amor, esses tesouros
    Inesgotáveis, d’ilusões floridas;
    Sentir, sem que se veja, a quem se adora,
    Compr’ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,
    Segui-la, sem poder fitar seus olhos,
    Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
    E, temendo roçar os seus vestidos,
    Arder por afogá-la em mil abraços:
    Isso é amor, e desse amor se morre!

    Se tal paixão porém enfim transborda,
    Se tem na terra o galardão devido
    Em recíproco afeto; e unidas, uma,
    Dois seres, duas vidas se procuram,
    Entendem-se, confundem-se e penetram
    Juntas — em puro céu d’êxtases puros:
    Se logo a mão do fado as torna estranhas,
    Se os duplica e separa, quando unidos
    A mesma vida circulava em ambos;

    Que será do que fica, e do que longe
    Serve às borrascas de ludíbrio e escárnio?
    Pode o raio num píncaro caindo,
    Torná-lo dois, e o mar correr entre ambos;
    Pode rachar o tronco levantado
    E dois cimos depois verem-se erguidos,
    Sinais mostrando da aliança antiga;
    Dois corações porém, que juntos batem,
    Que juntos vivem, — se os separam, morrem;
    Ou se entre o próprio estrago inda vegetam,
    Se aparência de vida, em mal, conservam,
    Ânsias cruas resumem do proscrito,
    Que busca achar no berço a sepultura!

    Esse, que sobrevive à própria ruína,
    Ao seu viver do coração, — às gratas
    Ilusões, quando em leito solitário,
    Entre as sombras da noite, em larga insônia,
    Devaneando, a futurar venturas,
    Mostra-se e brinca a apetecida imagem;
    Esse, que à dor tamanha não sucumbe,
    Inveja a quem na sepultura encontra
    Dos males seus o desejado termo!

    Poema retirado de Novos Cantos, de Gonçalves Dias.

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