A imprensa não é nem pode ser usada apenas como tuteladora da democracia

Charge: Ultimo debate - Blog do AFTM

Charge do Cazo (Blog do AFTM)

Joel Pinheiro da Fonseca
Folha

A discordância é o que move o debate público. Quando é de alto nível, melhor ainda. Sendo assim, aproveito esta oportunidade para discutir o artigo de Leão Serva publicado na Folha (“Imprensa repete erro que levou Hitler ao poder ao chamar Marçal para debates”), do qual discordo profundamente.

Nele, Serva argumenta que não se deve dar espaço para candidatos como Pablo Marçal, Bolsonaro e Trump em debates políticos. Dar palco a candidatos que atacam a democracia e a imprensa é pavimentar o caminho da ditadura.

VALER PARA TODOS – Usar uma retórica agressiva com relação à imprensa ou que prometa “atos disruptivos” da democracia deveria ser motivo para excluir um político do debate público? Ia sobrar bem pouca gente. Se vale para Marçal e Bolsonaro, deve valer para todos. Inclusive para Lula quando ameaçou, em 2015, colocar o “Exército do Stédile” (o MST) nas ruas para brigar pelo PT? Sem dúvida seria disruptivo.

Mas há um motivo mais profundo para se discordar do artigo. Serva atribui à imprensa um poder que ela não tem, não deveria ter e nem conseguiria ter: o de tuteladora da democracia brasileira.

Trinta anos atrás, bastava as emissoras e jornais não mencionarem uma pessoa para ela ser condenada à irrelevância. Hoje, não é mais assim. Nas redes, é possível crescer e construir um público sem nunca ter sido mencionado por um jornal sério.

MUITOS EXEMPLOS – Toda a direita populista que hoje provoca horror no jornalismo profissional foi gestada longe dele e só recebeu sua atenção porque tornou-se incontornável. No Brasil, temos o exemplo de Olavo de Carvalho: longe da imprensa em suas últimas duas décadas de vida, formou uma legião de seguidores. Bolsonaro, idem: conquistou sua popularidade nacional graças às redes sociais e chegou num tamanho tal que qualquer emissora que se negasse a lhe ouvir estaria traindo sua missão de informar.

Serva observa, com razão, que o debate nas redes se utiliza do conteúdo produzido pelo jornalismo e, portanto, depende dele. Só que disso não se segue que, sem o jornalismo, esse debate cessaria; ele só perderia ainda mais a tênue ligação que tem com a informação objetiva. Em vez de notícias devidamente apuradas, teriam mais espaço vídeos caseiros, blogueiros e peças de relações públicas.

O papel da imprensa profissional hoje não é mais o de megafone de algumas poucas vozes. Hoje todos têm o megafone na mão. É o de ajudar a elevar o nível de um debate que ela não mais controla.

SEM CREDIBILIDADE – Se a imprensa exclui do debate um candidato com mais de 20% das intenções de voto, ele não perderá sua legitimidade perante o público. Muito pelo contrário: é a imprensa que minará sua própria credibilidade pela arrogância de se considerar dona do debate público e capaz de escolher pelos eleitores.

O jornalismo profissional segue imprescindível, mas enfrenta um desafio enorme: o de reconquistar a confiança do público. Em vez de se arrogar a tuteladora da democracia nacional na oferta de candidatos, pode olhar para o outro lado, o da demanda: por que uma parte expressiva da população quer esse tipo de candidato e ecoa seus discursos?

Aí sim poderá quem sabe persuadir os cidadãos de que o que ela tem a oferecer — informações devidamente apuradas e um filtro de qualidade do debate — é mais do que um desejo de controle sobre o homem comum.

5 thoughts on “A imprensa não é nem pode ser usada apenas como tuteladora da democracia

  1. Sempre disse e torno a repetir, a democracia é o regime político que tem que conviver com todas as correntes de pensamento, inclusive aqueles que querem acabar com ela, e que enquanto forem minorias, serão contidos naturalmente.
    O que não deve e nem pode, é a imprensa, com todos os defeito que tem, e mesmo que não os
    tivessem, querer tutelar a vontade popular.
    O povo é soberano e escolhe o que bem entender, e jornalista é apenas um informante de noticias, e não consciência de ninguém.
    Era só o que faltava, alijar alguém do debate público, por outrem que o julga “anti democrático”.

  2. A solução, pelo menos ao que se refere ao Pablo Marçal, é jogar os holofotes na direção deste vagabundo.
    Ninguém, eu repito NINGUÉM, tem condições de acumular fortuna declarada de mais de R$ 170 milhões em menos de 10 anos sem envolvimento com organizações e atividades criminosas. Cabe a justiça e a policia fazer as devidas investigações para colocar este criminoso na cadeia ou pelo menos impedir que um “elemento” como este chegue a Presidencia da República. Ou as instituições funcionam ou podemos ver algo parecido com o nazismo dos anos 30 do século XX.
    Infelizmente pelo menos 20% da população deem apoio a um marginal como este e pior ainda não são gente iletrada e ignorante no sentido de formação, há muitos médicos, engenheiros, advogados e mais “gente de bem” disposta a votar em um vagabundo como esse. È a estupidez e boçalidade imperando em vastas camadas da população, tudo isso impulsionado por um reacionarismo estúpido.
    Por estas e por outras as vezes dá vergonha de ser brasileiro, apesar de argentinos e até mesmo norte americanos escolherem coisas parecidas, mas de uma coisa tenho certeza, o Marçal é pior do que qualquer um deles, pior até mesmo que o Bolsonaro, porque é muito mais perigoso pois tem uma coisa que falta ao Bozo, quer seja, um minimo de inteligência.

    • Como o senhor conseguiu copiar meu raciocínio e entendimento da questão? Será a tal de IA? Aplausos!!! É reconfortante ouvis a verdade sobra a realidade!

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