É melhor amar, porque na política não se aproveita quase nada

A ilustração colorida de Ricardo Cammarota foi executada em técnica digital, em linguagem gráfica estilizada. Na horizontal, proporção 13,9cm x 9,1cm, a ilustração apresenta 2 imagens representadas em forma de ícones. À esquerda, na horizontal, uma flecha de cupido em preto com a ponta em formato de um coração vermelho. À direita, há um símbolo, em preto, de um braço forte humano, fechando os punhos, em postura de demonstração de força. Entre o muque e o punho, está o coração da flecha. O acabamento e estilo das imagens parecem estarem pixadas sobre um papel de fundo em cor craft envelhecido.

Ilustração de Ricardo Cammarota (Folha)

Luiz Felipe Pondé
Folha

Para amar é necessário ter coragem? Penso que sim. Pode-se ter de tomar decisões duras quando se é assolado por um amor “fora do lugar”. Mas essa frase está na moda, o que me faz, de partida, achar que devemos mantê-la a distância. Evite frases da moda caso você se preocupe com sua saúde mental.

Essa frase me lembra outra máxima de alguns anos atrás que era a seguinte: odeie o seu ódio. Só um idiota pode dizer uma bobagem dessa.

FASE RIDÍCULA – Mas, como sabemos, o século 21 será, provavelmente, até então, o mais ridículo da nossa história. Imagino os historiadores do futuro debochando da nossa época. O século 21, a besta vestida com plumas e paetês que mija na saia.

A frase “para amar é preciso coragem” conta com a aura do pedagogo Paulo Freire, que, independente de ter uma obra importante, foi canonizado pela esquerda melosa da nossa época.

A ideia estaria associada a “educação é um ato de amor, por isso é necessário ter coragem”. Será mesmo? A educação hoje é um terreno baldio de modas motivacionais, tecnologia, marketing e fúrias ideológicas. Não vejo ninguém “amando” ninguém.

AMOR ROMÂNTICO – Qual o primeiro tipo de amor que vem à mente quando se fala de amor? Que tal o amor romântico, mais famoso que todos? A coragem no amor romântico é virtude segunda, antes vem a obsessão.

Ainda que haja elementos de alto risco nas narrativas —damas casadas, risco de morte por traição e similares—, o motor do amor romântico desde a Idade Média, quando ficará conhecido como amor cortês, é o enlouquecimento que faria o homem perder o patrimônio e a mulher, a reputação.

O casal ferido pela flecha de Eros não tem propriamente escolha, o “senhor amor”, como diziam os medievais, é um senhor cruel, submete as suas vítimas à mais bela de todas as doenças da alma.

TRATADO DO AMOR – Tomando a definição do amor cortês —”Tratado do Amor” de André Capelão (1150-1220)— como “doença do pensamento”, forma de obsessão incontrolável, fica claro que não é uma questão de coragem que está em jogo, mas de infelicidade que se torna compulsiva, uma doce e bela forma de azar.

O caráter randômico da paixão cortês ou romântica é uma das causas do enlouquecimento descrito com frequência. O autor medieval recomenda cautela e mesmo fuga diante da ameaça amorosa.

A mulher pode desmaiar na presença do seu amado, e ele perder a cabeça ao vê-la em tal situação, destruindo o segredo do amor proibido. Roteiro clássico do amor infeliz, hoje fora de moda porque ninguém ama mais ninguém, salvo algumas raras exceções.

COM CORAGEM – E seria necessário coragem para o amor cristão? À primeira vista sim, já que, ao longo da história de muitos santos e cristãos, o risco de morte por levar adiante a ética cristã — na qual estaria envolvido, de alguma forma, o amor cristão — foi e é corrente.

Se entendermos essa forma de amor como “ágape” do grego, podemos entendê-lo como a partilha da vida e dos “bens”, assim como também o cuidado com o outro.

Na encíclica “Deus Caritas Est” de 2005, traduzida como “Deus É Amor” —”caritas” seria a versão latina do amor “ágape”— o então papa Bento 16 afirma que o amor Eros —desejo sexual— entre o casal deveria “evoluir” para o amor “ágape” pelos filhos que nascerão do casamento.

AMOR AOS FILHOS – É evidente que essa forma de amor pelos filhos, que, sim, exige algum tipo de coragem e investimento a longo prazo, está completamente fora de moda.

Quase ninguém está disposto a essa “forma de coragem”. Ter filhos exige coragem, mas aqui o que está na moda é a covardia e o egoísmo, quando não a paranoia.

TRÊS VIRTUDES – Resta lembrar que, na teologia católica, o amor —”ágape” ou “caritas”— é uma das três virtudes teologais, ou seja, virtudes dependentes da graça contingente de Deus. Portanto, segundo essa doutrina, nenhum homem ou mulher é capaz de ter tais virtudes —amor, esperança e fé— sem a interferência direta de Deus na personalidade e também no comportamento deles.

Quando tomados por essas virtudes teologais, a coragem enquanto tal se torna secundária na medida em que a graça contingente se assemelha, do ponto de vista da psicologia moral, ao amor romântico, pois, em ambos os casos, a pessoa “acometida” pela graça ou pelo amor romântico, não teria muita liberdade de escolha na ação.

Suspeito que a ideia de que, para amar, seja preciso coragem, difundida pela esquerda, e associada à figura emblemática da pedagogia do oprimido que foi Paulo Freire, tem o objetivo de santificar as pessoas desse espectro político, muito mais do que sustentar uma consistência em si da relação entre amor e coragem. Enfim, pura retórica vazia. Na política, não se salva quase nada que preste.

1 thoughts on “É melhor amar, porque na política não se aproveita quase nada

  1. A “esquerda”, se assim podemos chamar esta gente do ” amor”, propõe, pros incaultos, um mundo de prazeres gozosos, sem qualquer risco do desamor, onde não existe a palavra coragem, absolutamente desnecessária. Tudo lhe será acrescentado graciosamente. Mundo onírico em que se alcança-se o paraiso e pujança sem um pingo de suor dos rostos.

    É o bem estar na civilização. Que até agora tem sido o Éden dos descondenáveis.

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