Mario Sabino
Metrópoles
Sempre presto muita atenção às falas do ministro Luis Roberto Barroso, presidente do STF. Não só pela sua relevância institucional, mas porque o admiro intelectualmente, embora não esteja de acordo com todas as suas concepções. Em seminário promovido em São Paulo, cujo tema era “O papel do Supremo nas democracias”, Luis Roberto Barroso citou ameaças recebidas pelo tribunal e pela democracia brasileira nos últimos anos.
“Pedido de impeachment por atos jurisdicionais, ameaças de descumprimento de decisões, desfile de tanques na Praça dos Três Poderes, tentativa de volta do voto impresso, alegações falsas de fraude eleitoral, não reconhecimento da vitória, recusa em passar a faixa presidencial, articulação de golpe militar – tabajaras ou não, mas até com decreto – tolerância com acampamentos golpistas e invasão da sede dos três Poderes da República”, elencou o presidente do STF.
SEM INTOLERÂNCIA – Luis Roberto Barroso também diagnosticou, acertadamente, que o pensamento conservador foi capturado pela extrema direita e que é necessário que o centro político o resgate das mãos de uma gente “com discurso de intolerância, misógino, homofóbico e antiembientalista” e “recupere esse espaço e essas pessoas”.
Houve uma fala do presidente do STF, contudo, com a qual não concordo. Ele repudiou a crítica de que o tribunal pratica o ativismo judicial, afirmando que “com frequência, as pessoas chamam de ativistas as decisões que elas não gostam, mas geralmente o que elas não gostam mesmo é da Constituição ou eventualmente da democracia”.
Entre os cidadãos que repudiam o ativismo judicial do STF, há os partidários do autoritarismo, não há como negar. Mas há também partidários do autoritarismo entre os que o aprovam. Essa generalização do ministro é, além de injusta, perigosa. Deslegitima qualquer crítica que possa ser feita ao fato de o STF, muitas vezes, usurpar mesmo o papel do Legislativo, provocado por ações movidas por partidos políticos perdedores no plenário do Congresso.
SUPREMO TAPETÃO – O caso mais recente é o da descriminalização do aborto. O assunto deveria ser exclusivamente da alçada do Legislativo, onde a maioria é contra, mas o PSol resolveu ir para o tapetão.
Na minha opinião, e espero não ser considerado uma voz autoritária, porque gosto da Constituição e gosto eventualmente da democracia, é que o STF não deveria ter recebido a ação em favor da descriminalização do aborto.
O aspecto intrigante é que as pessoas que criticam a Suprema Corte dos Estados Unidos por ter revogado o entendimento que tornou o aborto legal no país inteiro, transferindo a aprovação ou não do procedimento para cada estado americano, são as mesmas que aprovam que o Supremo brasileiro interfira na legislação sobre o tema, em sentido contrário.
ABERTOS “DE OFÍCIO” – Salvo engano, no seminário que contou ainda com outros dois ministros do STF, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, não foi abordado um assunto que considero urgente: o encerramento dos inquéritos sigilosos abertos de ofício pelo tribunal. Acredito que, lá no seu íntimo, o presidente Luis Roberto Barroso também acha que a coisa já foi longe demais.
Como é possível, repita-se o que vem sendo perguntado retoricamente desde 2019, que haja processos, sem data para acabar, nos quais o magistrado é vítima, investigador e julgador e os advogados dos acusados não têm acesso a nada do que corre nos autos?
Esses inquéritos andam propiciando atitudes heterodoxas, digamos assim, de alguns ministros do tribunal, que agora cerceiam o trabalho de advogados.
GRANDE JURISTA – O seminário do qual Luis Roberto Barroso participou teve a presença de um criminalista, Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, um dos advogados mais caros e festejados do país. Longe de ser bolsonarista, fã de Lula, ele fez, nas suas próprias palavras, um “desabafo”.
Antonio Cláudio Mariz de Oliveira não se referiu especificamente aos inquéritos, estava falando sobre pedidos de habeas corpus, mas a sua fala vale igualmente para eles. Recomendou o advogado criminalista: “O STF deve voltar às origens de respeitar o advogado ou não teremos a implantação da Justiça e do Judiciário que almejamos”.
Se eu pudesse dar um conselho ao ministro Luis Roberto Barroso, eu diria que ele deveria reunir os seus pares e fixar uma data próxima para o término desses inquéritos sigilosos abertos de ofício. Com eles extintos, o STF voltaria ao seu leito natural, evitando, se não todos, grande parte dos transbordamentos de alguns ministros. Faria um bem danado ao tribunal, presidente Barroso, e levaria muita gente a abdicar da extrema direita e retornar ao centro, como o senhor gostaria.