Na imagem, o “agressor” está de costas para o “agredido”
Rayssa Motta
Estadão
O sigilo sobre o vídeo das hostilidades ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no aeroporto de Roma, virou uma polêmica em si. De um lado, o ministro Dias Toffoli insiste em manter as filmagens armazenadas no próprio gabinete, sem direito à cópia para a defesa dos empresários investigados ou para a Procuradoria-Geral da República (PGR). De outro, a Polícia Federal (PF) não submeteu as imagens à perícia técnica e se limitou a entregar um relatório de análise, que não crava se houve agressões.
O agente que analisou o vídeo afirma que, “aparentemente”, o filho de Moraes levou um tapa no rosto.
TOFFOLI IMPÕE RESTRIÇÕES – Nova decisão de Toffoli, na segunda-feira, 30, deu cinco dias para o delegado Hiroshi Sakaki, responsável pelo inquérito, indicar um perito da Polícia Federal para acompanhar as partes que quiserem ir até o STF assistir às filmagens.
Toffoli tem dito que manterá as imagens em sigilo para preservar os envolvidos. Qualquer análise deverá ser feita no tribunal e cópias do arquivo não poderão ser extraídas, conforme o ministro já havia decidido.
Peritos criminais federais, que vêm cobrando uma perícia técnica no material, afirmam ao Estadão, sob a condição de reserva, que essa decisão piora as coisas. Um deles ironiza que “a emenda sai pior que o soneto”.
NÃO HOUVE PERÍCIA – Um dos pontos mais problemáticos, segundo narraram à reportagem, é que o perito a ser designado pela PF deverá acompanhar o trabalho de assistentes técnicos privados, contratados pela defesa, mas que a própria corporação não fez sua perícia. Ou seja, a defesa poderá produzir um laudo para refutar um “não laudo”.
Os peritos federais também afirmam que não está claro qual será exatamente a função do perito da Polícia Federal ou de qual setor ele virá. A Diretoria de Inteligência da PF, por exemplo, tem peritos que dão suporte às investigações, mas segundo as fontes ouvidas pelo blog não possuem expertise para elaboração de laudos periciais e sequer têm acesso ao sistema de criminalística.
O relatório sobre as imagens, entregue pela Polícia Federal ao STF no mês passado, foi feito a partir da análise minuciosa de cada frame do vídeo. Como as imagens não têm som, o trabalho levou em conta expressões corporais e reações dos funcionários e de passageiros do aeroporto.
MAIS CONTROVÉRSIAS – A PF afirma que uma instrução normativa do diretor-geral da corporação, Andrei Passos, publicada em julho, autorizou servidores designados pelo delegado do caso a produzirem relatórios de provas audiovisuais, exceto quando houver questionamento sobre a autenticidade do material. Peritos federais, por sua vez, afirmam que a profundidade do relatório excedeu o status de análise.
Os questionamentos da classe levaram a Corregedoria da Polícia Federal a abrir uma prévia de sindicância contra o perito Willy Hauffe Neto, presidente da Associação dos Peritos Criminais Federais (APCF), depois que a entidade veio a público reivindicar uma perícia no material.
Como mostrou o Estadão, a Assessoria Nacional de Perícia em Tecnologia da Informação e Comunicação e a Coordenadoria de Investigação em Evidências Digitais e Eletrônicas da Procuradoria-Geral da República afirmaram que a decisão de manter as filmagens em sigilo é “temerária”, “desnecessária” e contraria boas práticas.
COM CÓPIAS – “A boa prática preconiza que toda a análise pericial e investigativa, sempre que tecnicamente possível, seja realizada em uma cópia de trabalho absolutamente fiel à original, justamente, para evitar contaminação da evidência ou prova digital”, diz um trecho do parecer entregue pelos setores à PGR.
O documento afirma que a perícia nas imagens é uma atividade “sensível”, que pode se estender por semanas, e que analistas e peritos não teriam os recursos necessários, como computadores de alta performance e softwares especializados, para analisar as imagens no STF, como sugeriu Toffoli. “Aos olhos destes subscreventes, obrigatoriamente realizar essas atividades, por exemplo, nas dependências do STF, em dias marcados, em suma, na prática, tende a inviabilizar a execução dessas atividades”, concluem.
O laudo levou a procuradora-geral da República Elizeta Paiva Ramos a questionar o sigilo das imagens. Ela criticou o que chamou de “privilégios” a Moraes e insistiu para ter cópia dos arquivos.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Como se vê, Toffoli não respeita as leis nem as boas práticas periciais. Faz um esforço desesperado para evitar que Moraes se desmoralize, sem perceber que essa desmoralização já ocorreu, porque a Polícia italiana não constatou agressão e a Polícia Federal brasileira afirmou que “aparentemente” teria havido agressão. Ora, ninguém pode ser condenado por cometer crime “aparentemente”. O único caso que se conhece no Direito Universal foi a recente condenação do deputado Deltan Dallagnol no TSE por “presunção de culpa”, uma circunstância que “non ecziste”, como diria Padre Quevedo. (C.N.)