Vinicius Torres Freire
Folha
O Congresso andava quieto depois de aprovar uns projetos econômicos que até remendam o país e, mais impressionante, até uma promessa de Reforma Tributária. Então saiu para as férias. A seguir, entrou na muda, entretido com a barganha de ministérios. Voltou à ativa para tratar de assuntos cooperativos e corporativos. Ameaça agora aprovar uma rajada de medidas que podem estourar e desmoralizar as contas públicas, um tabefe no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e no país.
Sim, “assuntos cooperativos e corporativos”. O Congresso mais e mais é uma cooperativa privada de direito público, destinada a criar uma casta de negociadores de dinheiros públicos (de emendas a fundões eleitorais) e de garantias de permanência no poder (com, de novo, fundões partidários e regulações contra a concorrência político-eleitoral). Considere-se essa dita “minirreforma eleitoral” e a anistia que vão se dando para trambiques em contas partidárias.
O CALDO ENGROSSA – Há sinais preocupantes. Já seria de qualquer modo difícil reduzir o déficit e o crescimento da dívida pública. A situação ficou ainda mais delicada com a queda em parte inesperada da arrecadação de impostos. Com a saraivada de projetos gastadores, o caldo engrossa.
Aprovou-se no Senado uma emenda constitucional que coloca na conta do governo federal mais servidores de ex-territórios federais, um trem da alegria que, vez e outra, roda desde a aprovação da Constituição, por inspiração e com apoio de lideranças do governo.
O governo combinara com estados e municípios tapar parte das perdas causadas pela redução da alíquota do ICMS (combustíveis, energia etc., obra eleitoreira inspirada pelo governo das trevas). Mas a conta está saindo mais cara, inclusive por iniciativa de petistas.
REFORMA DESFIGURADA – Há projetos para beneficiar indevidamente servidores — obra de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado (PSD-MG). Pode haver dinheiros federais para policiais etc. Enfim, há risco de a Reforma Tributária ser desfigurada no Senado.
Entretanto, gente graúda no Congresso faz cara feia para aumento de impostos, em particular sobre mais ricos (fundos exclusivos, offshores). Vem com a conversa de que “o governo tem de cortar” em vez de apenas pedir dinheiro (que o Congresso quer gastar a rodo). Que cara de pau.
Um dos assuntos econômicos mais importantes, imediatos, de conjuntura, é: Haverá dinheiro e vontade para ao menos cortar o déficit primário em 2024? Déficit zero não vai ter, afora milagres. Mas é essencial reduzir o déficit, com aumento de imposto, redução de despesa e preservação total ao menos desse “arcabouço fiscal” um tanto relaxado;
ESTABILIDADE DA MOEDA – A inflação continuará caindo ou controlada mesmo com a quase estabilidade de salários e algum crescimento mínimo da população ocupada? Parece esotérico, mas é importante. Pode ser que a capacidade de crescimento da economia seja maior do que imaginávamos, o que terá (deve ter) consequências práticas (em juros, por exemplo).
Quanto ao segundo tópico, nada se pode fazer, no curto prazo. Quanto ao déficit, estamos com água pelo nariz. Uma frustração grande do controle do rombo vai, no mínimo, evitar queda maior das taxas de juros. Pode resultar apenas em rebaixamento de perspectivas de crescimento. Mas, a depender do tamanho da lambança, cresce muito o risco de uma reviravolta maior de expectativas (de crescimento, de inflação, de ânimo empresarial para investir).
Não raro, o Congresso se dedica a um esforço concentrado de destruição. Para citar apenas dois casos graves, fez assim com FHC, no final de seu primeiro mandato (1998). Fez assim com o programa Dilma 2 de remendar os estragos, em 2015. Convém prestar atenção.