Jorge Béja
Fernando Ferry, volto a pedir: deixe o cargo que recentemente você assumiu de Secretário de Saúde do Estado do Rio de Janeiro e volte, imediatamente, a ser o diretor do Hospital Gaffrée e Guinle. Você gosta de mim. E eu gosto de você. Sabemos disso, que um gosta e respeita o outro. Você me respeita como pessoa humana e como advogado. Eu também o respeito como pessoa humana e médico.
E essa admiração recíproca não é recente. Tem mais de trinta anos. Quando você foi chamado pelo governador para assumir a Secretaria de Saúde, eu disse a você: não aceite, não vá. Mas você aceitou e assumiu.
OUTRO ALERTA MEU – Após à posse, outro alerta meu: Fernando, deixe o cargo. Você tem uma trajetória nobre de vida, como pessoa e médico. Você é superior, dedicado ao próximo, competente, honestíssimo e tantos e tantos outros predicados. Este não é o seu lugar. Peça exoneração. Mas você não pediu. Nem me respondeu.
Fernando, você há trinta anos curou o menino Wando Soares Costa. Você e a doutora Norma Rubini. Só você e doutora Rubini sabem o quanto foram importantes para o restabelecimento do menino. Aos nove de idade, Wando começou a ter febre, muita febre e apareceram caroços no pescoço do menino, morador em Belford Roxo. E você detectou: HIV.
Mas onde contraiu o vírus? Então, sua mãe, dona Diva, me constituiu advogado. A única hipótese teria sido a transmissão por causa das transfusões de sangue que Wando se submeteu num hospital público federal da zona sul do Rio, quando lá nasceu. E uma ação na Justiça Federal do Rio condenou a Previdência Social a pagar indenização vitalícia ao Wando (dano moral mais pensão mensal). Os peritos judiciais constataram que foram as transfusões de sangue que infectaram a pequena criança com o HIV.
VOCÊ FOI UM HERÓI – E você, Fernando, mais a médica Norma Rubini, cuidaram do Wando, numa época que ainda não se tinha os recursos que temos hoje. Você foi um herói. Curou muitos enfermos. Devolveu a felicidade, a esperança e o gosto de viver a milhares de pessoas que as tinham perdido. Tudo lá no Gaffrée, o hospital que você levantou e dele fez uma fortaleza no combate ao HIV.
Estávamos juntos. Eu ajudava você, seus pacientes e o Gaffrée. Sempre com a inestimável ajuda da repórter Beatriz Thielman do Fantástico e que já não está mais entre nós e com o punho forte da então juíza federal Salete Maria Polita Maccalóz, que já nos deixou também, após integrar o Tribunal Regional Federal do Rio, onde chegou ocupar o cargo de Corregedora-Geral.
Tudo era feito com integral dedicação e gratuitamente. Wando cresceu, casou e sobreviveu ao HIV. Wando Soares Costa, uma linda criança, um lindo rapaz, um belo homem e grande pai. A mãe dele, dona Diva, uma santa que viveu entre nós. Como dona Diva se dedicou à causa do filho Wando! E tudo isso graças a você, Fernando Ferry, à sua especialização, a dedicação, o empenho em salvar pessoas — pessoas pobres — que estavam perto de nos deixar.
NA SECRETARIA – Agora, Fernando, após entrevistas que você concedeu à TV Globo e à GloboNeews, ensinando, comentando, dissertando, alertando tudo sobre como se defender do coronavírus-19, você foi ser secretário de saúde do Estado do Rio de Janeiro. Não, Fernando, foi um passo errado. Deixe o cargo o mais rapidamente possível. A história da Secretaria de Saúde do RJ é história de corrupção.
Para lembrar apenas dois nomes: Gilson Cantarino (governo Garotinho & Rosinha) e Sérgio Cortes (governo Sérgio Cabral). Ambos foram presos. É uma secretaria marcada por histórias de corrupção. O doutor Edmar Santos, tão festejado e enobrecido pelo atual governador Witzel, foi exonerado.
Mas caiu pra cima e continuou no governo porque o próprio Witzel o nomeou, logo em seguida à exoneração, para integrar um grupo de “notáveis” para fiscalizar o dinheiro da saúde, a compra de material, de respiradores, a edificação de hospitais de campanha…. E tudo acabou escandalosamente. E quem paga por isso, quem é vitimado por isso é o povo fluminense.
AGIU O TRIBUNAL – Em boa hora o Tribunal de Justiça do RJ impediu que Edmar Santos tomasse assento no tal grupo de “notáveis”. Logo ele, suspeito (ou investigado) de conduta ilícita à frente da pasta. Enquanto isso um tal de Gabriel Neves (creio que o nome dele é esse), subsecretário de Edmar foi para a cadeia.
E você, Fernando Ferry, foi o chamado para ocupar essa vaga de uma secretaria com histórico sujo. Saia daí, Fernando Ferry. É mais um pedido que lhe faço. Ainda mais agora que o governador, no auge da pandemia, flexibiliza o isolamento social e autoriza o funcionamento parcial de shoppings, restaurantes, bares, a volta do futebol…Um retorno à festa, em meio ao flagelo.
Se você não deixa a Secretaria fica implícito que você concorda com esta desequilibrada flexibilização do governador Witzel. Volte para o Gaffrée, Fernando Ferry. Lá é que é o seu lugar. Não comprometa a sua biografia. Aceitar ser secretário de saúde do Estado do Rio de Janeiro, que seja por um dia só, já é desonra para quem é honrado.