Jorge Béja
Desde o início da pandemia que a questão da responsabilização civil não sai do meu pensamento. Nela reflito todos os dias. Afinal, foram mais de 40 anos, sem interrupção, patrocinando ações indenizatórias cíveis, com pedidos de reparação por danos de toda ordem.
Na sessão da CPI da Pandemia desta quarta-feira (11), seu presidente, senador Omar Aziz, disse que entraria em contato com a Defensoria Pública do Estado do Amazonas para que os defensores “acolhessem” os parentes dos vitimados que morreram em Manaus pela falta de oxigênio.
E em defesa deles dessem entrada na Justiça com pedido de indenização. Nada mais justo. Iniciativa oportuna e que tem fundamentação jurídica.
TODOS SÃO VÍTIMAS – Pela pandemia, à primeira vista, não se pode imputar a responsabilização ao poder público. No plano internacional, seria cabível examinar o dever de indenizar que recai sobre a República Popular da China, de onde partiu o vírus. Mas imputar responsabilidade pública no âmbito na administração nacional, a princípio creio que não. Todos fomos e somos vitimados, o Brasil e os brasileiros.
No entanto, se ficar constatado que o poder público não agiu a contento em defesa da saúde pública, do socorro aos cidadãos, daí nasce o dever de indenizar. Seja sob a ótica da Teoria Objetiva, que recai sobre o Poder Público, seja pela ótica da Teoria Subjetiva, também denominada Culpa Extracontratual ou Aquiliana, o dever estatal de reparar o dano passa a ser indiscutível.
DANO E NEXO CAUSAL – Na responsabilização estatal objetiva não se discute culpa. Basta a constatação do dano e o nexo causal com a ação omissiva ou comissiva do poder público, representado por seus agentes, para daí nascer o dever de indenizar.
Exemplo de um caso concreto. Foi na década de 80. Aqui no Rio, mãe e filho de 5 anos caminhavam de mãos dadas pela calçada. Inesperadamente a criança larga a mão da mãe e corre para rua. Atingido por um jipe do Exército, a criança morre em consequência.
Houve culpa da vítima?. De certa forma sim, ainda que não se possa atribuir culpa a uma criança de 5 anos. Mas nem isso livrou a União de ser condenada a pagar o dano pela morte da criança. Isto porque a Justiça Federal, corretamente, aplicou o princípio da Responsabilidade Civil Objetiva inscrita no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros…”.
CASO DA PANDEMIA – Mas a Responsabilidade Civil Objetiva não deve ser invocada nem aplicada no caso das mortes pela pandemia. Salvo, se ficar comprovado que o Poder Público teve sua parcela de culpabilidade, mínima que seja.
Para José de Aguiar Dias — o mais respeitado e consagrado jurista brasileiro —, na sua clássica e sempre consultada obra “Da Responsabilidade Civil”, ele ensina que, na excepcionalidade de haver necessidade da apuração da culpa estatal, como ocorre no caso da “faute du service”, esta se verifica quando 1) o serviço inexistiu; 2) o serviço existiu mas não foi prestado; 3) o serviço existiu, foi prestado, mas deficientemente. Daí, ensina Aguiar Dias, nasce o dever estatal de indenizar o dano causado.
É o caso de Manaus, onde a falta de oxigênio causou tantos óbitos. O serviço inexistiu. Faltou, quando dele precisava. Faltou, quando dele havia uma grita geral que estava acabando e não havia mais cilindros. Faltou, e por causa da falta ocorreram muitos e muitos óbitos que não ocorreriam se oxigênio houvesse.
A QUEM PROCESSAR? – Portanto, no caso da comprovação da morte pela falta de oxigênio, a responsabilização do poder público se mostra patente. Mas aqui se levanta uma questão que o senador Omar Aziz não comentou: contra quem dirigir as ações indenizatórias? Contra o Município de Manaus? Contra o Estado do Amazonas? Contra a União?.
Numa viagem ao passado e pela experiência acumulada por tantos anos, se advogado fosse dos parentes dos que morreram, ingressaria com as ações contra todos. Isto porque todos são solidariamente responsáveis. E onde a responsabilidade civil é solidária, o credor por dirigir seu pleito contra um, contra uns ou contra todos os devedores solidários. Eles é que se entendam e resolvam como pagar e quem vai pagar. A União, porque ciente do caos em Manaus, cruzou os braços, difundiu tratamento precoce e um tal de “tratcov”, e só depois socorreu. O Estado e o Município porque era de suas competências e obrigações prestar o socorro imediato e adequado. Não lhes socorre o retardo que veio depois do governo federal.
E nunca é demais fazer este alerta: o prazo para dar entrada com as ações na Justiça é de 5 anos. Depois deste prazo, consuma-se a prescrição. Portanto, todo cuidado é pouco. Toda a atenção se pede aos familiares dos que morreram.