Jorge Béja
Mais de oito anos depois de escrever e postar artigos na Tribuna da Internet (TI), hoje volto aos tempos em que fui repórter (1968 a 1972). Redator-repórter da Rádio Nacional do Rio de Janeiro e repórter do Jornal do Brasil. Naqueles anos fiz muitas matérias. E entrevistei gente famosa que veio ao Rio: Christiann Barnard, o médico cirurgião sul-africano que fez o primeiro transplante de coração no mundo; Jiddu Krishnamurti, filósofo, escritor e pensador indiano; Brigitte Bardot, Candice Bergen, a médica Ana Aslan, Alain Delon…e muitos outros
E agora, 50 anos depois, volto a ser repórter por um dia e entrevisto o renomado psiquiatra e psicanalista Ednei José Dutra de Freitas. Ele é meu vizinho aqui no bairro da Tijuca, RJ. É meu amigo. É leitor e comentarista da TI. E por causa do estrago à saúde mental que a pandemia tem causado em todos nós, em toda a Humanidade, fui ouvir o Dr. Ednei a respeito. E a ele fiz perguntas do interesse da coletividade e obtive respostas importantes, científicas e úteis para todos nós. Vamos à entrevista.
Quais as consequências para a saúde mental advindas do período de isolamento durante a pandemia?
Devido ao rápido avanço da doença e ao excesso de informações disponíveis, algumas vezes discordantes, o isolamento pode gerar consequências graves na saúde mental do indivíduo. Dentro deste contexto, a saúde mental é um componente essencial para a saúde como um todo. Assim, cabe parafrasear a definição de saúde mental elaborada pela OMS: é um estado de bem-estar no qual um indivíduo realiza suas próprias habilidades, pode lidar com o estresse normal da vida, trabalhar produtivamente e é capaz de contribuir com sua comunidade. Deste modo, pode-se afirmar que, juntamente com a pandemia, a sensação do isolamento social desencadeia angústia, insegurança, medo, depressão e até ideias suicidas, infelizmente.
Há estratégias para enfrentá-las? Em caso positivo, quais seriam?
É preciso fornecer atendimento humanizado às pessoas afetadas pela covid-19. Um paciente tratado de forma humana pode ter melhoria na imunidade e acelerar o processo de cura. Isso é especialmente importante. Além disso, também na sociedade é necessário haver apoio psicossocial. Ajudar outras pessoas pode beneficiar tanto quem recebe apoio quanto quem auxilia. Por exemplo, consulte por telefone os vizinhos ou conhecidos que precisam de assistência extra. Enfrentar uma crise em comunidade é muito mais fácil do que de forma individual.
Quais os sintomas para a saúde mental decorrentes dessa mudança brusca no estilo de vida das pessoas?
Em 1987, quando trabalhei em Natal, fui designado exatamente para tratar de pacientes de uma epidemia que não tinha cura na época: a Aids. A doença era absolutamente mortal, e me lembro de um paciente de família abastada que sabia que ia morrer logo, mas tinha esperança de estar vivo até que pudesse festejar a Festa de São João. Mas ele não pôde realizar o sonho. A gravidade da doença desestabilizava também as equipes médicas. Uma enfermeira teve um surto psicótico repentino, fora de seu horário, raspou toda a pintura da geladeira do setor de Aids. Tivemos de licenciá-la para tratamento psiquiátrico.
Os transtornos psiquiátricos podem se manifestar para quem teve Covid-19 e ficou curado? E para seus parentes?
Há transtornos psiquiátricos que podem se manifestar no isolamento social e também nos portadores da Covid-19, especialmente quando o paciente e seus familiares já têm alguma propensão. Não tenho lido artigos de epidemiologistas que falam a respeito da saúde mental de pacientes curados pela Covid-19. Mas sabemos que há aflição e desesperança, sobretudo quando ocorrem dificuldades no tratamento, sem vagas ou sem equipamentos nas UTIs, que levam ao desespero os pacientes e seus familiares, como temos visto nos noticiários de TV.
A impossibilidade de familiares verem seu ente querido no caixão e sepultá-lo pode causar transtornos?
Sem dúvida. Essa impossibilidade agrava a dor dos parentes e até de amigos das vítimas fatais.
Sendo a máscara facial uma necessidade, e não sendo costume usá-la pelos brasileiros, seu uso forçado também pode trazer danos à estabilidade mental?
Realmente, o uso forçado de máscara pode produzir mal estar psíquico, mas algumas pessoas desobedecem as recomendações de uso de máscara porque não conseguem fazê-lo. Nosso organismo não é feito para vivermos com máscaras, mas devemos usá-las para evitar o contágio. O pior é que, em muitas ocasiões, os governos estaduais e municipais, em jogo de cena, obrigam as pessoas a colocar a máscara quando estão em espaços abertos e semidesertos, onde não é necessário, e permitem não usar a máscara em igrejas, cultos e outras atividades, para atender a apelo de religiosos e empresários.