Kissinger mandou bombardear civis, foi cúmplice de genocídios e apoiou golpes

Pelo conjunto da obra, Henry Kissinger foi um gênio do mal

Bernardo Mello Franco
O Globo

O secretário de Estado deu aval à invasão do TimorLeste pela Indonésia, em 1975. “Façam rapidamente o que tiverem que fazer”, disse ao ditador Suharto. O banho de sangue deixou cerca de 200 mil mortos. Dias antes, Kissinger pousou em Jacarta e expressou uma única preocupação: que os investimentos das multinacionais americanas não fossem “desencorajados”.

Em 2001, o jornalista e historiador britânico Christopher Hitchens lançou “O julgamento de Kissinger”. O livro empilha acusações contra um dos homens mais poderosos do século XX. Reúne provas do apoio a golpes e ditaduras, da cumplicidade com genocídios, das ordens para bombardear civis inocentes. Tudo em nome da liberdade e da segurança nacional.

HEGEMONIA AMERICANA – Kissinger deu as cartas em Washington entre 1969 e 1977. Comandou a política externa dos governos Nixon e Ford. Foi um período marcado pela Guerra Fria e pela afirmação da hegemonia americana.

Nixon ainda não havia tomado posse quando seu futuro secretário sabotou um armistício com o Vietnã. O conflito poderia ter acabado em 1968. Os EUA prolongaram sua presença até 1973, o que resultou na morte de mais 20 mil soldados.

Os números são modestos diante das baixas do outro lado. Só no Camboja, ataques ordenados por Kissinger mataram ao menos 150 mil civis. Antes da retirada final, ele reforçou a ofensiva para turbinar a campanha do chefe à reeleição.

500 MIL MORTOS – O chamado pragmatismo de Kissinger também abriu caminho a um golpe em Bangladesh. Ele ofereceu armas e enviou um porta-aviões para ajudar o general Yahya Khan a reprimir os bengali.

Seguiu-se um massacre com ao menos 500 mil vítimas. O episódio levou diplomatas americanos a redigirem um telegrama de protesto, ignorado pelo secretário de Estado.

Na América Latina, Kissinger ajudou a articular a derrubada de governos democraticamente eleitos. “Não vejo por que precisamos ficar parados vendo um país se tornar comunista pela irresponsabilidade de seu povo”, sentenciou, quando o socialista Allende venceu no Chile.

REGIMES MILITARES – Seu apoio ao golpe de Pinochet está documentado em papéis liberados décadas depois pela Casa Branca. O secretário também deu cobertura à repressão militar na Argentina e no Brasil.

Em 1978, já fora do cargo, foi a Buenos Aires assistir à Copa do Mundo ao lado do general Videla.

Com tantos crimes nas costas, Kissinger foi premiado com o Nobel da Paz em 1973. Saiu do governo, mas nunca deixou o poder. Abriu uma consultoria milionária, continuou a ser bajulado por empresários e virou uma espécie de conselheiro vitalício dos presidentes americanos.

DESAPARECIDOS POLÍTICOS – Em 2001, começou a receber intimações para depor sobre desaparecimentos políticos na Argentina e no Chile.

No livro lançado naquele ano, Christopher Hitchens anotou que seus principais “parceiros de crime” já haviam sido presos ou aguardavam julgamento. “Sua impunidade soa indecente e cheira mal à distância”, escreveu, após descrever Kissinger como uma figura “indiferente à vida e aos direitos humanos”.

Apesar dos protestos, o ex-secretário seguiu livre, leve e solto. Hitchens morreu aos 62 anos, sem escrever o obituário que planejava. Kissinger viveu até os 100, cortejado como um estadista.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
No Brasil e no mundo, as biografias são amaciadas quando as pessoas morrem. Ainda bem que existem jornalistas como Christopher Hitchns e Bernardo Mello Franco, para colocar as coisas em seus devidos lugares. Pelo conjunto da obra, Kissinger foi um gênio do mal. (C.N.)

12 thoughts on “Kissinger mandou bombardear civis, foi cúmplice de genocídios e apoiou golpes

  1. Kissinger foi o autor da frase: “não vamos permitir um novo Japão abaixo da linha do equador”. Naturalmente fazendo referência ao Brasil.
    João Goulart, Brizola, Darcy Ribeiro e todo ministério do governo Goulart, não havia comunistas.
    Com as reforma de base, que se fazem necessárias até os dias de hoje, João Goulart iria fazer a independência do Brasil e transformar o Brasil numa das grandes potências, mas isso não interessava aos EUA
    Parece-me que a política externa de dominação através pressões e de guerras dos EUA continuará independentemente de quem seja o presidente, é uma praxe a ser cumprida.

    • Quem veio e vem vendendo as empresas estratégica de base é a direita e extrema direita, basta ver quantas empresas lucrativas vendidas, sendo a maioria de ativos da Petrobrás lucrativos, á preço de banana,
      Castro no Rio de Janeiro e Tarcísio em São Paulo dois privatistas.

  2. Ambidestros na América Latina.

    O homem Kissinger faleceu, mas os seus métodos seguem atualíssimos.

    De Maduro a Milei; de Moraes a Obrador; de Ortega a…

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