Charge do Cazo (Blog do AFTM)
Eliane Cantanhêde
Estadão
Assim como o governo prometeu e dificilmente entregará o déficit zero em 2024, vai ficando cada vez mais difícil, deslizando para o improvável, a votação e aprovação de projetos de regulamentação da reforma tributária. Tão louvada no governo e em boa parte do setor privado, a reforma pode chegar manca a 2025. E, desta vez, a culpa é tanto do governo quanto do Congresso, que insiste em guerrear também contra o Supremo e contra a própria imagem junto à opinião pública.
O governo tem culpa por ter perdido o bonde, ou o timing. Fernando Haddad, da Fazenda, ficou dando murro em ponta de faca ao confrontar o Congresso. Enviou no fim de 2023 a MP que reonerava a folha de pagamentos de 17 setores da economia e acabava com a renúncia fiscal para o setor de eventos. Conseguiu três derrotas: recuo na reoneração da folha e, depois, também para eventos e atraso perigoso tanto na regulamentação da reforma tributária quanto no próximo passo dela – o do Imposto de Renda.
REGULAMENTAÇÃO – Agora, Haddad promete enviar os projetos de regulamentação da reforma até o final de março, mas as cúpulas e lideranças do Congresso não se comprometem com a aprovação ainda neste ano, usando como pretexto a falta de tempo e escamoteando um outro dado da realidade: a guerra com o Planalto pela perda de R$ 5,7 bilhões em emendas de comissões.
O cronograma é realmente bem complicado. Veio a abertura do ano legislativo em fevereiro, depois Carnaval, agora Semana Santa, em seguida a janela partidária (que permite troca-troca de partidos sem punição) e as desincompatibilizações de prefeitos e ministros que pretendem se candidatar às eleições de outubro.
Tudo isso mobiliza muito os deputados e senadores, mas tem mais: festas de São João em junho em julho, atraindo bancadas inteiras, principalmente do Nordeste. E daí? Daí começa o recesso de julho.
QUANDO VOTAR? – O primeiro semestre, portanto, está praticamente lotado. Quando construir consensos? E quando votar? E, se não for agora, no segundo semestre vai ficar tão ou mais difícil, justamente por causa das eleições municipais, que mexem com interesses e ambições de todos os políticos, estejam na Câmara, no Senado ou no próprio governo.
Ou seja, se abrir alguma janela de oportunidade para avançar na reforma será já no fim do ano, entre o segundo turno e o Natal. Isso, claro, se houver boa vontade dos presidentes da Câmara, Arthur Lira, do Senado, Rodrigo Pacheco, e dos líderes.
Ok, o governo errou com a demora, mas o Congresso não é nenhum paraíso e os parlamentares estão longe de serem santos e, por exemplo, acabam de indicar e aprovar a deputada considerada mais radical da oposição, Caroline de Toni (SC), para a presidência da “mãe das comissões”, a de Constituição e Justiça (CCJ), e o deputado, “influencer” e chocante Nikolas Ferreira (MG) para a de Educação.
LAVANDO AS MÃOS – Ambos foram escolhidos pelo PL, engolidos por Lira e votados pela maioria, para indignação de quem acompanha a política, a justiça e a educação, já tão sofrida, depois da lista de ministros do setor, absurdos, no governo anterior.
É um exemplo de como Arthur Lira lavou as mãos, usando uma comparação que ele, aliás, já deu para Lula na última conversa olho no olho: a de que é como um presidente de sindicato, o que Lula conhece bem, e tenta convencer os “sindicalizados”, mas é obrigado a acatar as votações e decisões. E acrescenta a regra: o PL tem o maior número de deputados, logo, direito a escolher as comissões e indicar os nomes.
Objetivamente, sim, mas todo mundo sabe que, quando quer, o presidente da Câmara é muito convincente e soube atrair o Centrão, por exemplo, para a aprovação da pauta econômica do governo no ano passado, inclusive o corpo da reforma tributária.
FAZER O SUCESSOR – Como ele vai sair da presidência em 2025 e não abre mão de fazer o sucessor, agora está mais preocupado em atrair o apoio do PL e de todo o Centrão (inclusive com a liberação das emendas vetadas por Lula) para os seus próprios projetos pessoais e políticos do que para a pauta do governo.
Conclusão do imbróglio: o Congresso virou um caldeirão fervendo, com a Câmara apresentando à sociedade nomes absurdos para-postos chaves e botando a faca no pescoço de Lula.
E o Senado confrontando o Supremo pelo marco temporal das terras indígenas e agora também pela distinção entre porte e tráfico de maconha. Enfim, pondo a pauta econômica em risco. E a vítima não é Haddad, nem Lula nem o governo, é o País.