
Se a delação for anulada, Cid vai pegar uma longa cadeia
Ana Gabriela Oliveira Lima e Arthur Guimarães de Oliveira
Folha
Dentre os argumentos das defesas de réus para tentar a anulação da colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, apenas uma eventual falta de voluntariedade do delator poderia prejudicar a utilização de provas e interferir no processo no STF (Supremo Tribunal Federal) que investiga a trama golpista de 2022, avaliam especialistas ouvidos pela Folha. Esse cenário, porém, é considerado remoto no caso do militar, que tem reiterado publicamente a higidez do acordo.
As outras possibilidades —como eventuais omissões ou quebra de sigilo, com a divulgação de informações referentes à colaboração— teriam potencial de prejudicar apenas Cid, que pode perder seus benefícios.
TRÊS PEDIDOS – As defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem Cid era ajudante de ordens, e do general Braga Netto pediram a anulação do acordo sob argumento de que Cid mentiu ao Supremo e contou detalhes de seus depoimentos a amigos.
O pedido foi inicialmente negado por Alexandre de Moraes, que citou a fase atual do processo, e pode ser analisado no julgamento final.
A nulidade da delação também foi pedida pela defesa de Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro e réu no caso da trama golpista, preso nesta quarta-feira (18) sob suspeita de obstrução de Justiça.
MAURO CID NEGA – Nesse caso, a solicitação cita também possível quebra de voluntariedade do pedido e conta com fotos e áudios de conversas entregues à Justiça por seu advogado e que comprovariam a quebra do sigilo feita pelo delator. Mauro Cid nega que isso tenha ocorrido.
Também comporia prova de descumprimento da regra um perfil que, segundo a revista Veja, teria sido usado por Cid nas redes sociais para falar da delação, episódio questionado pela defesa de Bolsonaro durante interrogatório em 10 de junho no STF.
Para o advogado Rogério Taffarello, especialista em direito penal e sócio do Mattos Filho, o vazamento do áudio e das mensagens pode dar base para a perda dos benefícios de Cid.
VIOLAÇÃO GRAVE – “Deverá haver uma avaliação de proporcionalidade, se isso é uma violação grave o bastante para a rescisão do acordo. Existe uma série de cláusulas, algumas cujas violações são menos relevantes, outras mais.”
Ricardo Yamin, doutor em direito pela PUC-SP, concorda que a quebra de sigilo pode ensejar a perda de benefícios combinados entre a Polícia Federal e Cid. O conteúdo da delação, entretanto, permaneceria intacto. O mesmo tenderia a acontecer se fosse comprovado que o militar mentiu.
A delação de Cid ajudou a fundamentar relatório da PF e denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre a trama golpista, mapeando a participação de Bolsonaro e outros atores e fornecendo detalhes sobre questões como a minuta golpista e o plano Punhal Verde Amarelo, que previa o assassinato de Moraes, do presidente Lula (PT) e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
CID NUMA BOA – O acordo prevê ao tenente-coronel perdão judicial ou pena privativa de liberdade inferior a dois anos, assim como a restituição de bens e valores apreendidos. Também está prevista a extensão dos benefícios a familiares de Cid, bem como ação da PF garantindo segurança.
O caso de omissão no depoimento de Cid também poderia resultar em perda de benefícios, mas a prática jurídica tem sido de pedido de ajuste no depoimento do colaborador, aponta Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio.
“Isso aconteceu com várias empresas na Lava Jato, como a Odebrecht e a Andrade Gutierrez”, diz.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Êpa! É uma tremenda maluquice, tipo Piada do Ano, quando advogado diz que a delação de Cid pode ser anulada, mas as acusações seguiriam valendo. Acusações de delação só valem se forem comprovadas por provas materiais, a lei é muito clara a respeito. Se a delação de Cid for anulada, só ficam valendo as acusações que obtiveram confirmação segura, por outros meios. (C.N.)