Ferreira Gullar e suas reflexões sobre a vida, na janela do apartamento

Buenos Aires, 1975 . . . . . #ferreiragullar #poemasujo #poetaPaulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, crítico de arte, teatrólogo, biógrafo, tradutor, memorialista, ensaísta e poeta maranhense José Ribamar Ferreira, mais conhecido como Ferreira Gullar, fez muitos poemas de reflexão sobre a vida. Um dos mais famosos é “A Vida Bate”. criado em 1966.

A VIDA BATE
Ferreira Gullar

Não se trata do poema e sim do homem
e sua vida
— a mentida, a ferida, a consentida
vida já ganha e já perdida e ganha
outra vez.
Não se trata do poema e sim da fome
de vida,
o sôfrego pulsar entre constelações
e embrulhos, entre engulhos.
Alguns viajam, vão
a Nova York, a Santiago
do Chile. Outros ficam
mesmo na Rua da Alfândega, detrás
de balcões e de guichês.
Todos te buscam, facho
de vida, escuro e claro,
que é mais que a água na grama
que o banho no mar, que o beijo
na boca, mais
que a paixão na cama.
Todos te buscam e só alguns te acham. Alguns
te acham e te perdem.
Outros te acham e não te reconhecem
e há os que se perdem por te achar,
ó desatino
ó verdade, ó fome
de vida!

O amor é difícil
mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
E estamos na cidade
sob as nuvens e entre as águas azuis.

A cidade. Vista do alto
ela é fabril e imaginária, se entrega inteira
como se estivesse pronta.
Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade
é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém.
Mas vista
de perto,
revela o seu túrbido presente, sua
carnadura de pânico: as
pessoas que vão e vêm
que entram e saem, que passam
sem rir, sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro
sangue urbano
movido a juros.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes
e ruínas. És Antônio?
És Francisco? És Mariana?
Onde escondeste o verde
clarão dos dias? Onde
escondeste a vida
que em teu olhar se apaga mal se acende?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate. Subterraneamente,
a vida bate.
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina.

2 thoughts on “Ferreira Gullar e suas reflexões sobre a vida, na janela do apartamento

  1. Debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
    =====================================

    Tadinho é de mim!

    Morei na minha Olinda, perto de Nilópolis
    Fim do mundo, numa meia-água de fundo.
    Por lá havia um rio, que por desmazelo
    Ficava sujo e mal cheiroso o ano inteiro

    Oh, Olinda, como posso te esquecer?
    Um dia, sem dúvida, voltarei a te ver
    Coisa que sempre pensei e nunca fiz
    Pra recordar a infância pobre mas feliz

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