Jorge Béja
O Estado parece adesconhecer que, mesmo condenado, o detento continua ser humano. Seus erros não lhe tiram a proteção da sociedade. Pelo contrário, dela exigem todas as atenções, cuidados e empenho no cumprimento do dever, legal e social, da sua recuperação. O Estado não pode lamentar as despesas que tem com o sistema penitenciário. O Estado não investirá em vão se recuperar, como deve, aqueles que concorreram para romper o equilíbrio social. É o múnus que a coletividade lhe impõe. É de sua natureza. É de sua função orgânica.
Das mais de trinta ações que, como advogado, patrocinei contra o Estado do Rio de Janeiro, em defesa de familiares de detentos assassinados no cárcere, colho este pronunciamento (voto) proferido pelo relator, desembargador Basileu Ribeiro Filho, da 6a. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RJ, ao julgar a Apelação nº 22.368:
“Ao Estado cumpre o dever de custodiar o “preso”, velando pela sua saúde física, pela sua integridade corporal. E não é relevante cogitar da causa da prisão. Legítima ou ilegítima esta, uma vez colocado o detido sob a vigilância e controle dos agentes policiais, compete à Administração prover para que, após a medida preventiva ou o cumprimento da pena, retorne ele incólume e ressocializado ao estado de liberdade”.
PRESÍDIOS VERTICAIS – O introito desde artigo, que será enviado ao senhor governador do Rio, Wilson Witzel e a seu braço-forte, o culto e experiente doutor José Luis Cardoso Zamith, ex-aluno beneditino como eu também sou, é para ingressar em tema relevante, qual seja, o projeto do senhor governador de edificar, no ERJ, presídios verticais, através de Parceria Público Privada (PPP). Foi o que declarou Witzel na entrevista concedida ao Jornal do Rio da TV Bandeirantes no último dia 30 de abril. O próprio governador, sempre elegante e fidalgo, se apresentou ao vivo nos estúdios da emissora, e foi entrevistado pela apresentadora Thais Dias.
Não devemos só perguntar o que Witzel e Zamith podem fazer por nós, e sim, também dizer a ambos o que nós, cerca de quase 17 milhões de pessoas, que é a população fluminense, podemos fazer para colaborar no êxito da administração do Rio e que teve início no 1º de Janeiro deste 2019. E aqui vai a minha, fruto de mais de quarenta anos no exercício contínuo e ininterrupto da advocacia sempre em favor de vitimados, em meio a muito estudo.
INDAGAÇÕES – Ainda que o motivo deste artigo não verse sobre a conveniência da edificação de presídios verticais, apenas uma de muitas e muitas indagações a respeito: em caso de incêndio, como se dará o salvamento da população carcerária, trancafiada em 20, 30, 40… cubículos por andar em prédio de 10, 15, 20….andares? .
Mas este artigo-colaboração é sobre a Parceria Pública Privada (PPP) que o doutor Witzel disse na entrevista na televisão. Não, senhor governador. Nem para a construção do prédio se pode recorrer às PPPs. A obra é para ser licitada. O vencedor a executa, recebe o pagamento pela construção e a entrega 100% pronta para ser usada pelo Estado.
E Parceria Público Privada para executar os serviços penitenciários, nem pensar, tamanha é a sua ilegalidade. Quem custodia o detento é o Estado, é o Poder Público. É uma obrigação indelegável, intransferível, irrepartível. Só o Estado a detém e só o Estado tem a obrigação de executar. É obrigação “intuitu persone” (destinada apenas a uma pessoa). Não admite parceria nem muito menos privatização ou outro qualquer meio que desnude o Estado, minimamente, desse seu múnus que dele é exclusivo.
TERCEIRIZAÇÃO – O serviço penitenciário é serviço estatal tanto quanto é o serviço das polícias, militar e judiciária. Tanto quanto é o serviço da prestação jurisdicional. É inimaginável terceirizar ou contratar Parceria com o particular para executar o serviço de um delegado e/ou de um detetive da polícia civil, de um oficial e/ou de um soldado da polícia militar, contratar um e/ou mais terceiros para substituir os magistrados na sua nobilíssima função de julgar a entregar a prestação jurisdicional. E os exemplos são muitos.
E quanto aos presidiários, o encarceramento da pessoa humana, provisório ou definitivo, também não pode se transformar em objeto e/ou mercadoria para a produção de lucro ao particular ou a quem quer que seja. O dever de guarda, custódia e ressocialização é exclusivo do Estado. É indelegável.
Como dito acima, estou enviando este artigo ao próprio governador doutor Wilson Witzel e a seu principal secretário, o erudito doutor José Luis Cardoso Zamith, ex-aluno do Colégio São Bento (onde também estudei). “Witzel afirmou que Zamith será uma especie de Sérgio Moro de seu governo” (O Antagonista, edição de 13.11.2018). Então, doutores Witzel e Zamith, fixemos nossos pensamentos no lema de São Bento: “Ora Et Labora”. Vamos orar. E vamos trabalhar. Tudo pela pacificação, pelo bem-estar das quase 17 milhões de pessoas que formam a população do Estado do Rio de Janeiro e pela ordem e pelo progresso do nosso Brasil.
PRIVATIZAÇÃO – O fato de já existir em algum ou alguns Estados a terceirização do serviço penitenciário, o crasso erro não justifica que o governo Witzel cometa aqui no Rio a mesma impropriedade. Ainda este mês, a convite da deputada de São Paulo, Janaína Paschoal, vou participar de audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo, por iniciativa da referida deputada.
A doutora Janaína também não concorda com o governador João Dória, que também pretende privatizar o serviço penitenciário naquele Estado.
Aproveito para acrescentar que a Lei 11.079 de 2004, que institui as normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública, é bastante clara quando, no artigo 4º, item III, dispõe sobre a “indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusiva do Estado “.
A GERÊNCIA – Em outras palavras: o particular pode até vencer a licitação e construir o presídio. Porém, não pode o particular — e seus empregados —- gerir a administração prisional, por ser esta da competência exclusiva do Estado, isto é, do Poder Público, o único a dispor da prerrogativa de regulação, jurisdicional, do poder de polícia, visto serem exclusivas do Estado.
Portanto, é inútil, por ser inconstitucional,o Estado atribuir ao particular e seus empregados, um poder indelegável e que só o Estado dele é detentor.
Assim, só o agente penitenciário, concursado e empossado no cargo, poderá cuidar dos presídios e nunca o empregado de empresa terceirizada, com quem o Estado contratou PPP.