William Waack
Estadão
Não há opções fáceis nem boas na questão da Venezuela e qualquer operador razoavelmente profissional em relações externas se empenharia em não tornar mais complicada uma situação já difícil. Foi o que Lula fez ao minimizar a fraude eleitoral cometida pela ditadura de Nicolas Maduro.
Lula é um operador apenas da própria imagem e, como tal, tem uma irrestrita confiança na própria capacidade de “moldar” retoricamente os fatos. Desta vez não conseguiu. Ao contrário, sua imagem foi consideravelmente abalada mesmo nos setores políticos condescendentes com qualquer coisa que ele diz, e dispostos a aceitar qualquer “escorregão” do presidente.
DOIS FENÔMENOS – A situação parece indicar dois fenômenos relacionados um ao outro. Lula fez uma leitura completamente equivocada da amplitude dos acontecimentos na Venezuela, tanto do ponto de vista doméstico quanto internacional. E a “flauta mágica” com a qual se acostumou a encantar plateias de vários tipos (em geral, falando o que elas gostariam de ouvir) parece que não funciona mais como antes.
Quais seriam as possíveis causas que ajudem a entender como um político com tanta experiência, como Lula, frustra uma audiência que sempre lhe foi simpática e, ainda por cima, limita suas opções diante de um complexo contexto, como o da Venezuela?
Uma causa evidente é o ranço ideológico, típico de uma esquerda ultrapassada e retrógrada que julga ser sua razão de existir opor-se “aos ianques”, e que o impede de ver os fatos.
ANTIAMERICANISTA – Lula nunca foi considerado “de esquerda” pelos velhos quadros do Partidão (os comunistas de Luis Carlos Prestes), mas manteve a visão de mundo segundo a qual o sistema internacional é uma luta de classes de ricos contra pobres, conduzida pelos Estados Unidos.
A outra causa do crasso erro cometido em relação à Venezuela é a certa “solidão” vivida pelo presidente, que não dispõe mais do mesmo Estado Maior com pensamento estratégico e cálculo político da velha guarda do PT.
Nessa questão específica, quem o aconselha sofre do mesmo ranço e da mesma limitação de horizontes.
PRINCÍPIOS MORAIS – Todo operador experiente de política externa sabe do dilema entre “moralidade” e “pragmatismo”. Ou seja, não é possível pensar em relações com outros países apenas do prisma dos “princípios”.
Mas também não cabe fazer de conta que eles não existem, ou que não importem (o desfecho da última Guerra Fria é um bom exemplo disso).
É isto que tornou a situação da Venezuela tão complicada para o Brasil. O problema para Lula não é o fato de ter sido “pragmático” e, com isso, ter ofendido princípios morais. O problema é a falta deles.