“Não há, ó gente, oh não, luar como este do sertão…”, cantava Catulo

Catulo da Paixão Cearense | Acervo

Charge da Aldo Malagoli

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor, compositor e poeta maranhense, Catulo da Paixão Cearense (1863-1946), através de belos versos, escreveu a letra de “Luar do Sertão”. Além de ser o maior sucesso de Catulo,  a música é considerada um dos maiores clássicos da MPB, consagrada popularmente como um segundo Hino Nacional. Essa toada foi regravada dezenas de vezes, mas foi lançada, inicialmente, por Eduardo da Neves, em 1914, pela Odeon.

LUAR DO SERTÃO
Catulo da Paixão Cearense

Não há, ó gente, oh não
Luar como este do sertão…

Oh, que saudade do luar da minha tema
Lá na serra branquejando, folhas secas pelo chão
Esse luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade do luar lá do sertão

Não há, ó gente, oh não
Luar como este do sertão…
Não há, ó gente, oh não
Luar como este do sertão…

Se a lua nasce por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata prateando a solidão
A gente pega na viola que ponteia
E a canção é a lua cheia a nos nascer do coração

Não há, ó gente, oh não
Luar como este do sertão…
Não há, ó gente, oh não
Luar como este do sertão…

Se Deus me ouvisse com amor e caridade
Me faria essa vontade, o ideal do coração:
Era que a morte a descontar me surpreendesse
E eu morresse numa noite de luar do meu sertão

Não há, ó gente, oh não
Luar como este do sertão…
Não há, ó gente, oh não
Luar como este do sertão

Houve uma época gloriosa, quando o Brasil cantava as próprias belezas

Nossos Vizinhos Ilustres : DAVID NASSER

Nasser, grande jornalista e compositor

Paulo Peres
Poemas & Canções

O  jornalista, escritor e letrista David Nasser (1917-1980), nascido em Jaú (SP),  autor de diversos clássicos do nosso cancioneiro popular, entre os quais o samba-exaltação “Canta Brasil”, em parceria com Alcir Pires Vermelho e gravado por Francisco Alves, em 1941 , pela Odeon, dois anos após o lançamento de “Aquarela do Brasil”, consolidando o prestígio do gênero.

Para isso, adotava como modelo o samba de Ary Barroso e até o citava nos versos: “Na Aquarela do Brasil’ / eu cantei de Norte a Sul”.

CANTA BRASIL
Alcir Pires Vermelho e David Nasser

As selvas te deram nas noites teus ritmos bárbaros
E os negros trouxeram de longe reservas de pranto
Os brancos falavam de amor nas suas canções
E dessa mistura de vozes nasceu o teu canto

Brasil, minha voz enternecida
Já dourou os teus brasões
Na expressão mais comovida
Das mais ardentes canções

Também, na beleza deste céu
Onde o azul é mais azul
Na aquarela do Brasil
Eu cantei de norte a sul

Mas agora o teu cantar
Meu Brasil quero escutar
Nas preces da sertaneja
Nas ondas do rio-mar

Oh! Este rio turbilhão
Entre selvas e rojão
Continente a caminhar
No céu, no mar, na terra!
Canta Brasil!!

Na beleza deste céu
Onde o azul é mais azul
Na aquarela do Brasil
Eu cantei de norte a sul

Mas agora o teu cantar
Meu Brasil quero escutar
Nas preces da sertaneja
Nas ondas do rio-mar

Oh! Este rio turbilhão
Entre selvas e rojão
Continente a caminhar
No céu, no mar, na terra!
Canta Brasil!!

Raquel de Queiroz sabia iluminar a vida numa casa velha de fazenda

Frases de Rachel de Queiroz: confira » Querido JeitoPaulo Peres
Poemas & Canções

A romancista, contista, tradutora, jornalista e poeta cearense Raquel de Queiroz (1910-2003), no poema “Telha de Vidro”, ensina que um simples toque de criatividade pode mudar tudo para melhor em nossas vidas.

TELHA DE VIDRO
Rachel de Queiroz

Quando a moça da cidade chegou,
veio morar na fazenda,
na casa velha…
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô…
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha…

A moça não disse nada,
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro…
Queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade…

Agora,
o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda,
tão claro que, ao meio dia, aparece uma
renda de arabesco de sol nos ladrilhos
vermelhos,
que — coitados — tão velhos
só hoje é que conhecem a luz do dia…

A luz branca e fria
também se mete às vezes pelo clarão
da telha milagrosa…
Ou alguma estrela audaciosa
careteia
no espelho onde a moça se penteia.

Que linda camarinha! Era tão feia!
— Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta, fria,
sem um luar, sem um clarão…
Por que você não experimenta?
A moça foi tão vem sucedida…
Ponha uma telha de vidro em sua vida

Olhos tristes, que se curvam sob o olhar poético de Henriqueta Lisboa

Pode ser uma imagem de 1 pessoa e texto que diz "Hen iqueta Lisboa strelas são mariposas (faz az tanto frio na rua!) batem asas de esperança contra as vidraças dalua." Henriqueta Lisboa (1901-1985) efrases_mensagens_epoesias"Paulo Peres
Poemas & Canções

A renomada poeta mineira  Henriqueta Lisboa (1901-1985), no soneto “Olhos Tristes”, tem a sensação de uma despedida através de renúncias repetidas.

OLHOS TRISTES
Henriqueta Lisboa

Olhos mais tristes ainda do que os meus
são esses olhos com que o olhar me fitas.
Tenho a impressão que vais dizer adeus
este olhar de renúncias infinitas.

Todos os sonhos, que se fazem seus,
tomam logo a expressão de almas aflitas.
E até que, um dia, cegue à mão de Deus,
será o olhar de todas as desditas.

Assim parado a olhar-me, quase extinto,
esse olhar que, de noite, é como o luar,
vem da distância, bêbedo de absinto…

Este olhar, que me enleva e que me assombra,
vive curvado sob o meu olhar
como um cipreste sobre a própria sombra.

No Rancho Fundo, onde aperta a saudade desse povo brasileiro

Lamartine Babo criou clássicos da música brasileira e embalou carnavais -  Rádio Itatiaia

Lamartine Babo fez a letra dessa canção

Paulo Peres
Poemas & Canções

O radialista, músico e compositor mineiro Ary de Resende Barroso (1903-1964) e o advogado e compositor Lamartine de Azeredo Babo, na letra de “No Rancho Fundo”, falam das desilusões amorosas de um cantor humilde na cidade grande. O samba-canção “No Rancho Fundo” foi gravado por Elisa Coelho, em 1931, pela RCA Victor.

O RANCHO FUNDO
Lamartine Babo e Ary Barroso

No rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo
Onde a dor e a saudade contam coisas da cidade.
No rancho fundo, de olhar triste e profundo,
Um moreno conta as mágoas tendo os olhos rasos d’água.
Pobre moreno, que de tarde no sereno
Espera a lua no terreiro tendo o cigarro por companheiro.
Sem um aceno, ele pega da viola
E a lua por esmola vem pro quintal deste moreno.

No rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo, 
Nunca mais houve alegria nem de noite nem de dia.
Os arvoredos já não contam mais segredos
E a última palmeira já morreu na cordilheira.
Os passarinhos internaram-se nos ninhos
De tão triste esta tristeza enche de trevas a natureza.
Tudo por quê? Só por causa do moreno
Que era grande, hoje é pequeno para uma casa de sapê

A canção do recomeço, no quebra-cabeças da  poeta gaúcha Lya Luft

Morre Lya Luft, uma das maiores escritoras contemporâneasPaulo Peres
Poemas & Canções 

A professora aposentada, escritora, tradutora e poeta gaúcha Lya Fett Luft (1938/2021), no poema “Canção do Recomeço”, volta à casa onde viveu há muito tempo.

CANÇÃO DO RECOMEÇO
Lya Luft

A casa aonde voltei
depois de muitos anos,
bóia como uma ilha de aguapés na noite,
presa por uma raiz doce e dolorosa
que me define.

Na madrugada caminho pelos quartos
como no fundo do mar
onde essa raiz se finca.
Pelas vidraças, o jardim são algas;
meus filhos dormem como quando
eram meninos,
e suas respirações, como sentimentos,
fundem-se neste bojo.

Este é o meu lugar
aonde voltei depois de tanto tempo,
como quem, misturando peças
dos enigmas mais arcaicos,
montasse laboriosamente o seu quebra-cabeça.

“Nunca mais vou fazer o que o meu coração pedir”, diz a famosa Canção da Volta

Antônio Maria: a sedução do sofrimento amoroso

Antonio Maria,  jornalista e compositor

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, radialista e compositor pernambucano Antônio Maria Araújo de Morais (1921-1964), na letra de “Canção da Volta”, em parceria com Ismael Netto, um dos criadores do grupo Os Cariocas, escreveu uma canção de amor que ficará para sempre entre as melhores da música popular brasileira. “Canção da Volta” foi gravada no LP Dolores Duran Viaja, em 1955, pela Copacabana.

CANÇÃO DA VOLTA
Ismael Netto e Antônio Maria

Nunca mais vou fazer
O que o meu coração pedir
Nunca mais vou ouvir
O que o meu coração mandar
O coração fala muito
E não sabe ajudar

Sem refletir
Qualquer um vai errar, penar
Eu fiz mal em fugir
Eu fiz mal em sair
Do que eu tinha em você
E errei em dizer
Que não voltava mais
Nunca mais

Hoje eu volto vencida
A pedir pra ficar aqui
Meu lugar é aqui
Faz de conta que eu não saí

O amor aos amigos, na poesia eterna de Machado de Assis

Não se deliberam sentimentos; ama-se ou... Machado de Assis - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, crítico literário, dramaturgo, folhetinista, romancista, contista, cronista e poeta carioca Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) é amplamente considerado como o maior nome da literatura nacional. Neste poema, Machado de Assis afirma que amou “Os Amigos”, especialmente para dividir a sede da alegria, por mais amarga que ela fosse.

OS AMIGOS
Machado de Assis

Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham;
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria –
por mais amarga.

O feitiço das palavras na poesia de Manoel de Barros

O Fim: Manoel de Barros: "Prezo insetos mais que aviões."Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, fazendeiro e poeta mato-grossense Manoel Wenceslau Leite de Barros, no poema “Deus Disse”, menciona os seus desejos depois que recebeu um dom Divino.

DEUS DISSE
Manoel de Barros

Deus disse: Vou ajeitar a você um dom:
Vou pertencer você para uma árvore.
E pertenceu-me.
Escuto o perfume dos rios.
Sei que a voz das águas tem sotaque azul.
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras.

Uma canção de protesto que ficará para sempre na política brasileira

Um enigma chamado Geraldo Vandré | Eu & | Valor Econômico

Vandré compôs um extraordinário hino

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, cantor e compositor Geraldo Vandré, nome artístico utilizado pelo paraibano Geraldo Pedroso de Araújo Dia, em 1968 participou do III Festival Internacional da Canção com “Pra não dizer que não falei de flores”, mais conhecida por “Caminhando”.

A música surgiu como um apelo nacional de mudança e veio ao encontro das aspirações do povo brasileiro que vivia um regime de opressão e instabilidade econômica, social e política. A letra trazia toda a força, inconformidade e chamado de luta e de mudança, características próprias da juventude. 

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES
Geraldo Vandré

Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Pelos campos há fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo o canhão

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria e viver sem razão

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição

Calmaria e perigo, no mar do amor de Sueli Costa e Cacaso

CARTÃO POÉTICO-MUSICAL - CACASOPaulo Peres
Poemas & Canções

O professor, poeta e letrista mineiro Antônio Carlos de Brito (1944-1987), conhecido como Cacaso, nos versos de “Amor, Amor”, em parceria com Sueli Costa, explica que calmaria e perigo são condições contraditórias existentes no mar e no amor.

AMOR, AMOR
Sueli Costa e Cacaso

Quando o mar,
quando o mar tem mais segredo
não é quando ele se agita
nem é quando é tempestade
nem é quando é ventania
quando o mar tem mais segredo
é quando é calmaria

Quando o amor,
quando o amor tem mais perigo
não é quando ele se arrisca
nem é quando ele se ausenta
nem quando eu me desespero
quando o amor tem mais perigo
é quando ele é sincero

A garota mais famosa do mundo surgiu na poesia de Tom e Vinicius

Helô Pinheiro, Tom Jobim e Vinicius de Morais: os 60 anos da canção Garota  de Ipanema | Robb Report Brasil - Luxo sem compromisso

Helô PInheiro era a musa de Tom e Vinicius

Paulo Peres
Poemas & Canções

O maestro, instrumentista, arranjador, cantor e compositor Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (1927-1994) e o diplomata, advogado, jornalista, dramaturgo, compositor e poeta Vinícius de Moraes (1913-1980), ambos cariocas, frequentavam o Bar Veloso. Quase todo dia, viam passar um linda jovem (Helô Pinheiro) que voltava da escola. Vinicius começou a escrever a letra de “Garota de Ipanema”, e Jobim foi logo completando com outros versos, originando uma espécie de diálogo. “Garota de Ipanema” é uma das músicas mais gravadas no mundo, cuja primeira gravação ocorreu no LP Getz/Gilberto gravado por Stan Getz, João Gilberto e Antonio Carlos Jobim ao piano, em 1963, pela Verve.

GAROTA DE IPANEMA
Tom Jobim e Vinícius de Moraes

Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela menina
Que vem e que passa
Num doce balanço
A caminho do mar

Moça do corpo dourado
Do sol de lpanema
O seu balançado
É mais que um poema
É a coisa mais linda
que eu já vi passar

Ah, por que estou tão sozinho?
Ah, por que tudo é tão triste?
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha

Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo inteirinho
Se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor

Aqueles olhos negros realmente enfeitiçaram Gonçalves Dias

Um conto à eternidade - NOCA - O portal da credibilidade

Gonçalves Dias e a amada Ana Amélia

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, jornalista, etnógrafo, teatrólogo e poeta maranhense, Antônio Gonçalves Dias (1823-1864), revela sua paixão ao descrever os olhos da amada. A grande paixão do poeta foi Ana Amélia Ferreira do Vale.

Ele a conheceu no Maranhão em 1846 e se apaixonou por sua beleza. Em 1852, pediu-a em casamento, mas a família dela, devido ao preconceito racial e social, recusou o pedido, pois ele era mestiço. 

Gonçalves Dias, mesmo após se casar com outra mulher, nunca esqueceu Ana Amélia, e seu amor por ela inspirou vários poemas.

SEUS OLHOS
Gonçalves Dias

Seus olhos são negros, tão belos, tão puros, de vivo luzir,
estrelas incertas, que as águas dormentes do mar vão ferir;

seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, têm meiga expressão,
mais doce que a brisa, – mais doce que a flauta quebrando a solidão.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros, de vivo luzir,
são meigos infantes, gentis, engraçados brincando a sorrir.

São meigos infantes, brincando, saltando em jogo infantil,
inquietos, travessos; – causando tormento,
com beijos nos pagam a dor de um momento, com modo gentil.

Deus olhos tão negros, tão belos, tão puros, assim é que são;
às vezes luzindo, serenos, tranquilos, às vezes vulcão!

Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco, tão frouxo brilhar,
que a mim me parece que o ar lhes falece,
e os olhos tão meigos, que o pranto umedece, me fazem chorar.

Assim lindo infante, que dorme tranquilo, desperta a chorar;
e mudo e sisudo, cismando mil coisas, não pensa – a pensar.

Na poesia de Alvim, o jangadeiro que queria um emprego público

Francisco Alvim > Meu Lado Poético

Francisco Alvim, um poeta bem-humorado

Paulo Peres
Poemas & Canções

O diplomata e poeta mineiro Francisco Soares Alvim Neto, em “História Antiga”, reconta poeticamente o caso do homem que queria um emprego público, uma história iniciada no Brasil com a carta de Pero Vaz de Caminha, na chegada das caravelas de Pedro Álvares Cabral.

HISTÓRIA ANTIGA
Francisco Alvim

Na época das vagas magras,
redemocratizado o país,
governava a Paraíba
alugava de meu bolso
em Itaipu uma casa.

Do Estado só um soldado
que lá ficava sentinela
um dia meio gripado
que passara todo em casa
fui dar uma volta na praia
e vi um pescador
com sua rede e jangada
mar adentro e saindo;

Perguntei se podia ir junto
não me reconheceu partimos
se arrependimento matasse
nunca sofri tanto jogado
naquela velhíssima jangada
no meio de um mar
brabíssimo.

Voltamos agradeci
meses depois num despacho
anunciaram um pescador
já adivinhando de quem
e do que se tratava
dei (do meu bolso) três contos
é para uma nova jangada
que nunca vi outra
tão velha.

Voltou o portador
com a seguinte notícia
o homem não quer jangada
quer um emprego público

Se não existisse a pessoa amada, nem mesmo a poesia poderia ter sentido

Mais Uma Vez O Tempo Me assusta | Poema de Flora Figueiredo com narração de  Mundo Dos PoemasPaulo Peres
Poemas & Canções

A tradutora, cronista e poeta paulista Flora Figueiredo pergunta, no poema “Reverência”, o que seria dela se não existisse a pessoa amada. 

REVERÊNCIA
Flora Figueiredo

Se não fosse você, eu andaria
a caminho do nada,
pra lugar nenhum.

Eu erraria por entre vagas abertas,
sobre páginas incertas
de um pobre verso comum.

Se não fosse você, eu perderia
a noção do sol e do vento,
de todo e qualquer elemento
que me induzisse à beleza.

Se não fosse você, eu ficaria presa
na trama dos desafetos,
dos amores incompletos
que o mundo encaixa nos cantos.

Se não fosse você, triste seria
e a memória por certo contaria
minha historia na pobreza de um clichê.
…..e eu certamente me demitiria
dos ternos devaneios da poesia.
Que seria de mim, se não fosse você?

Guilherme de Almeida, o Príncipe dos Poetas, guardava belas recordações

Guilherme de Almeida – Wikipédia, a enciclopédia livre

Guilherme de Almeida e a paixão pelos livros

Paulo Peres
Poemas & Canções

O desenhista, cinéfilo, jornalista, advogado, tradutor, cronista e poeta paulista Guilherme de Andrade de Almeida (1890-1969), considerado o Príncipe dos Poetas Brasileiros, no poema “Coração” invoca as lembranças do seu tempo de criança.

CORAÇÃO
Guilherme de Almeida

Lembrança, quanta lembrança
Dos tempos que lá se vão

Minha vida de criança,
Minha bolha de sabão!

Infância, que sorte cega,
Que ventania cruel,
Que enxurrada te carrega,
Meu barquinho de papel?

Como vais,como te apartas,
E que sozinho que estou!
Ó meu castelo de cartas,
Quem foi que te derrubou?

Tudo muda, tudo passa
Neste mundo de ilusão;
Vai para o céu a fumaça,
Fica na terra o carvão.

Mas sempre, sem que te iludas,
Cantando num mesmo tom,
Só tu, coração, não mudas
Porque és puro e porque és bom! 

O poeta da “Boca do Inferno” não perdoava os exploradores do povo brasileiro

Porém, se acaba o Sol, por que nascia? Se é tão formosa a...Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado e poeta baiano Gregório de Mattos Guerra (1636-1695), alcunhado de “Boca do Inferno ou Boca de Brasa” é considerado o maior poeta barroco do Brasil e o mais importante poeta satírico da literatura em língua portuguesa, no período colonial. Gregório ousava criticar o Reino de Portugal, assim como a Igreja Católica, muitas vezes ofendendo padres e freiras. Criticava também a “cidade da Bahia”, ou seja, Salvador, como neste soneto.

TRISTE BAHIA
Gregório de Mattos

Tristes sucessos, casos lastimosos,
Desgraças nunca vistas, nem faladas.
São, ó Bahia, vésperas choradas
De outros que estão por vir estranhos.
Sentimo-nos confusos e teimosos
Pois não damos remédios as já passadas,
Nem prevemos tampouco as esperadas
Como que estamos delas desejosos.
Levou-me o dinheiro, a má fortuna,
Ficamos sem tostão, real nem branca,
macutas, correão, nevelão, molhos:
Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna,
E é que quem o dinheiro nos arranca,
Nos arranca as mãos, a língua, os olhos.

Rede bancária líquida do Capibaribe, no humor poético de Gastão de Holanda

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Holanda: antes de tudo, o humor

Paulo Peres
P0emas & Canções

O designer gráfico, editor, professor, advogado, jornalista, contista e poeta pernambucano Gastão de Holanda (1919-1997) revela num poema que o Rio Capibaribe possui uma rede bancária para a sua clientela das margens, tanto que o rio dá com o braço da maré e tira com o murro da cheia.

A REDE BANCÁRIA LÍQUIDA
Gastão de Holanda

O rio tem uma rede bancária
para atender aos flagelados,
sua clientela das margens.
Há um capital chamado pró-giro
feito de redemoinhos e febre amarela.

O rio tem um balanço exigível
pedindo a execução dos marginais
e há sempre passivo, lucro não há.
Perdas? Sim, essas são ganhas, fatais.
As mercadorias em consignação desfilam
no leito rancoroso, como um
gerente, de conta-corrente
que o banco do rio credita ao mar
e não ao devedoso cliente.

O rio empresta a prazos e juros altos
pois quem nele pesca uma tainha
tem que lhe endossar uma cesta de camorins.
Se a fome recorrer ao mangue
a pena é mil alqueires de caranguejos
cevados na lama da baixa-mar.

O rio dá com o braço de maré
e tira com o murro da cheia
que com ela traz o mar de meirinho.

A casa encantada e carnavalesca do baiano Walter Queiroz

Áudios da Metrópole - Walter Queiroz - Metro 1

Walter Queiroz, grande cantor baiano

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, publicitário, cantor e compositor baiano Walter Pinheiro de Queiroz Júnior usa várias figuras de linguagem, tornando mais bonito o conteúdo poético da letra de “Pode Entrar”, na qual ele fala da sua casa. Walter Queiroz gravou a música “Pode Entrar” no LP “Filho do Povo”, em 1975, pela Phonogram.

PODE ENTRAR
Walter Queiroz

A casa escancarada a lua ali
Meu cachorro nunca morde
Meu quintal tem sapoti
tem um roseiral crescendo lindo
Quem for louco ou for poeta
Pode entra r seja bem vindo

Aqui passa o bonde da Lapinha
Passa a filha da rainha
Passa um disco voador
As vezes ele gira para e pisca
Como quem quase se arrisca
A parar pra conversar

Mas não me sinto só tenho um vizinho
Que é um bêbado velhinho
que acredita no destino
Ele mora em cima do arvoredo
Ele tem muitos brinquedos
Ele sempre foi menino

Agora se vocês me dão licença
Eu vou ver um passarinho
Que me chama no quintal
Depois vou me deitar para sonhar
E dançar com a cigana
Que eu perdi no carnaval

A dívida infindável do país (e a nossa), na visão do poeta Carlos Nejar

Tribuna da Internet | E o poeta Carlos Nejar pagou alto preço pelo excesso  de amor a todas as coisasPaulo Peres
Poemas & Canções

O crítico literário, tradutor, ficcionista e poeta gaúcho Luís Carlos Verzoni Nejar, da Academia Brasileira de Letras, diz que nossa dívida já colocou até a eternidade à venda.

A DÍVIDA
Carlos Nejar

A dívida aumenta,
A do país e a nossa.

Cada manhã sabemos
que se acumula a dívida.
A grama que pisamos é dívida.
A casa é uma hipoteca
que a noite vai adiando.
E os juros na hora certa.

Ao fim do mês o emprego
é dívida que aumenta
com o sono. Os pesadelos.
E nós, sempre mais pobres,
vendemos por varejo ou menos
o Sol, a Lua, os planetas,
até os dias vincendos.

A dívida aumenta
por cálculo ou sem ele.
O acaso engendra
sua imagem no espelho
que ao refletir é dívida.

A eternidade à venda
por dívida.
A roça da morte
em hasta pública
por dívida.
A hierarquia dos anjos
deixou o céu por dívida.
No despejo final:
só ratos e formigas.