
Ascenso criou uma poesia realmente inovadora
Paulo Peres
Poemas & Canes
O poeta e folclorista pernambucano Ascenso Carneiro Gonalves Ferreira (1895-1965), pelas eternas naus do sonho viajou em versos por Oropa, Frana e Bahia, poema inspirado no canto composto pelo Heitor Villa-Lobos.
OROPA, FRANA E BAHIA
Ascenso Ferreira
Num sobrado arruinado,
Tristonho, mal-assombrado,
Que dava fundos pr terra.
( para ver marujos,
Ttituliluliu!
ao desembarcar).
Morava Manuel Furtado,
portugus apatacado,
com Maria de Alencar!
Maria, era uma cafuza,
cheia de grandes feitios.
Ah! os seus braos rolios!
Ah! os seus peitos macios!
Faziam Manuel babar
A vida de Manuel,
que louco algum o dizia,
era vigiar das janelas
toda noite e todo o dia,
as naus que ao longe passavam,
de Oropa, Frana e Bahia!
Me d uma nau daquelas,
lhe suplicava Maria.
Ests idiota , Maria.
Essas naus foram vintena
Que eu herdei da minha tia!
Por todo o ouro do mundo
eu jamais a trocaria!
Dou-te tudo que quiseres:
Dou-te xale de Tonquim!
Dou-te uma saia bordada!
Dou-te leques de marfim!
Queijos da Serra Estrela,
perfumes de benjoim
Nada.
A mulata s queria
que seu Manuel lhe desse
uma nauzinha daquelas,
inda a mais pichititinha,
pr ela ir ver essas terras
De Oropa, Frana e Bahia
Maria, hoje ns temos
vinhos da quinta do Aguirre,
uma queijadas de Sintra,
s pr tu te distraire
desse pensamento ruim
Seu Manuel, isso besteira!
Eu prefiro macaxeira
com galinha de oxinxim!
lua que alumias
esse mundo de meu Deus,
alumia a mim tambm
que ando fora dos meus
Cantava Seu Manuel
espantando os males seus.
Eu sou mulata dengosa,
linda, faceira, mimosa,
qual outras brancas no so
Cantava forte Maria,
pisando fub de milho,
lentamente no pilo
Uma noite de luar,
que estava mesmo taful,
mais de 400 naus,
surgiram vindas do Sul
Ah! Seu Manuel, isso chega
Danou-se de escada abaixo,
se atirou no mar azul.
Onde vais mulh?
Vou me dan no carros!
Tu no vais, mulh,
mulh, voc no vai lᅔ
Maria atirou-se ngua,
Seu Manuel seguiu atrs
Quero a mais pichititinha!
Raios te partam, Maria!
Essas naus so meus tesouros,
ganhou-as matando mouros
o marido da minha tia !
Vm dos confins do mundo
De Oropa, Frana e Bahia!
Nadavam de mar em fora
(Manuel atrs de Maria!)
Passou-se uma hora, outra hora,
e as naus nenhum atingia
Faz-se um silncio nas guas,
cad Manuel e Maria?!
De madrugada, na praia,
dois corpos o mar lambia
Seu Manuel era um Boi Morto,
Maria, uma Cotovia!
E as naus de Manuel Furtado,
herana de sua tia?
continuam mar em fora,
navegando noite e dia
Caminham para Pasrgada,
para o reino da Poesia!
Herdou-as Manuel Bandeira,
que, ante a minha choradeira,
me deu a menor que havia!
As eternas naus do Sonho,
de Oropa, Frana e Bahia..