Ao depor, Anderson Torres terá de revelar como a minuta do golpe foi parar na casa dele

Entenda por que Anderson Torres foi preso pela Polícia Federal

Depoimento do ex-ministro é considerado fundamental

Roberto Nascimento

A chamada minuta do golpe, encontrada na casa do delegado Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, foi elaborada por diversas mãos golpistas. O delegado federal não pode pagar sozinho pela aventura, pois os comparsas antidemocráticos estão entrincheirados no Legislativo, no Executivo e no Judiciário, além dos empresários que financiaram o golpe.

Os brasileiros escaparam de um regime autoritário implacável, porque representantes da onipresente linha dura militar declararam, em várias ocasiões, que o erro do golpe de 1964 foi ter sido benevolente demais, apesar da comprovação de numerosos casos de tortura e assassinato de presos políticos.

VINDO À TONA – Os fatos escabrosos da atual tentativa de golpe começam a vir à tona, clareando a participação dos principais envolvidos, e as investigações já estão chegando aos financiadores desse movimento contra a democracia.

Para sorte do Brasil, os militares fiéis a Constituição ainda são maioria e não aderiram à sede de poder de Bolsonaro e de sua entourage militar e civil.

Ficou claro que o então presidente teve de recuar e não quis assumir sozinho a decretação do “estado de defesa”. Seu objetivo era mesmo a intervenção das Forças Armadas, para anular as eleições e prender meio mundo, de modo a justificar sua eternização no poder.

AMADORISMO GROTESCO – Importante assinalar que parlamentares, empresários, juristas e militares da linha dura estavam mancomunados nessa teia do mal contra a nação, que somente não seguiu adiante devido à discordância do Alto-Comando do Exército.

A minuta do decreto golpista demonstra o amadorismo grotesco de quem elaborou aquela insanidade. Com o depoimento do ex-ministro Anderson Torres, nesta semana, certamente ficaremos sabendo quem foi o autor de uma manobra que tinha tudo para dar errado, porque o estado de defesa ou estado de sítio precisam ser aprovados pelo Congresso, e essa possibilidade era e é inexistente. Liderados por Arthur Lira (Câmara) e Rodrigo Pacheco (Senado), os parlamentares jamais referendariam essas medidas de exceção.

O delegado federal Anderson Torres nega a autoria. Isso significa que terá de apontar quem lhe entregou a minuta, à época em que comandava o Ministério da Justiça. É um capítulo crucial nessa novela do golpe que quase foi cometido contra a democracia.

Atentados do domingo só ocorreram porque todos os setores de segurança fracassaram

Atentado à democracia, associação criminosa e mais: entenda possíveis  acusações judiciais a bolsonaristas por atos em Brasília | Política | O  Globo

Soldado apeado e agredido diante da estátua da Justiça

Roberto Nascimento

Um reparo sobre as saucessivas entrevistas do ministro da Justiça, Flávio Dino, para atualizar as ações do Ministério sobre as prisões dos vândalos. Considero que são didáticas e muito bem conduzidas. Dino passou em primeiro lugar no concurso para juiz federal, do qual Sérgio Moro também passou, logo Flávio Dino tem expertise na Ciência do Direito, foi governador do Maranhão por dois mandatos, enfim, seu protagonismo tem gerado ciúme na ala petista do governo.

Se pudesse, diria para ele tomar cuidado para não repetir o erro do ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Henrique Mandetta, que na pandemia era a voz diária do governo, chegando a atingir 80% de popularidade. Bolsonaro, enciumado, demitiu seu ministro.

ATOS DE VANDALISMO – Quanto aos atos de vandalismo deste domingo, a falha da segurança foi geral, ampla e Irrestrita. Dino errou por ter confiado no governador de Brasília, Ibaneis Rocha, filiado ao MDB, mas fechado até a alma com os objetivos do Bolsonaro.

Ocorreu uma tragédia anunciada, que vinha sendo preparada desde 2018 e o ensaio geral ocorreu no Sete de Setembro de 2021, com o discurso golpista de Bolsonaro na solenidade militar. Tentou novamente um ano depois no Sete de Setembro de 2022, em Copacabana, porque os chefes militares não concordaram com o ato em Brasília.

Já havia tentado em frente ao Forte Apache também em 2021, quando sobrevoou de helicóptero e depois desceu e participou de uma manifestação de apoiadores em frente ao Quartel- General. O ministro da Defesa e o comandante do Exército não concordaram e Bolsonaro os demitiu, nomeando subordinados que pensavam como ele.

SEM JUSTIFICATIVA – As falhas foram tantas, que não têm justificativa. O secretário de segurança nomeado pelo governador, Anderson Torres, (ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, viajou de férias para Orlando, nos EUA, para se encontrar com o ex-presidente. Antes, trocou um profissional especialista em sublevação e antiterrorismo.

Comandantes de batalhões da PM do Distrito Federal não estavam em Brasília. O secretário de Segurança substituto, interino de Anderson Torres, disse ao governador que estava tudo tranquilo, numa boa, sem problemas. Não estava.

E o Gabinete de Segurança Institucional no Planalto agiu com leniência diante dos vândalos e policiais mutantes foram filmados guiando os bandidos para áreas sensíveis do Planalto e do Congresso.

VANDALISMO ANTERIOR – Além de tudo isso, não foram levados em conta os atos de vandalismo do dia 12 de dezembro e a tentativa de explodir uma bomba no Aeroporto de Brasília, que só não ocorreu devido à incompetência dos autores e à ação rápida da PM.

Portanto, o ministro Dino é um elo da corrente, que tem a sua cota-parte, porém a tragédia anunciada foi negligenciada por todo o governo Lula, que não teve a malícia suficiente para perceber a armadilha montada contra o Estado de Direito.

Se aquela bomba explodisse no dia 12 de dezembro e o ataque dos vândalos de oito de janeiro resultasse em mortes e feridos, a Primavera brasileira (ou Verão Antidemocracia) seria deflagrada e os esquerdistas, jornalistas, artistas, intelectuais etc… seriam novamente encarcerados nos porões dos quartéis com passagem de ida, sem direito a nada.

SOB AMEAÇA – O perigo ainda existe, é latente e vai durar por muito tempo. Qualquer deslise do novo governo, o Estado será outro, forte, autoritário, mortífero e sem nenhuma possibilidade de reação da sociedade.

No golpe de 1964, as forças democráticas consideravam lunáticos aqueles que diziam da preparação da deposição de João Goulart. Pois bem, em 31 de março, as tropas tomaram as ruas do país e a ditadura furou longos 21 anos.

Todo cuidado ainda é pouco, é preciso cautela e pensar o que podemos fazer para não provocar a fera com vara curta. Por falar nisso, o papel dos militares legalistas que não foram na onda do golpista e não aderiram ao golpe com Bolsonaro no Poder deve ser preservado e enaltecido. Esses militares legalistas estão no controle, mas, podem perde-lo, se as Forças Armadas e o atual ministro da Defesa forem atacadas pelos políticos.

Especialista na arte da traição, o clã Bolsonaro agora colhe o que plantou

Diário Oficial sai sem demissão de Gustavo Bebianno

Primeiro a ser traído foi Gustavo Bebianno, amigo íntimo

Roberto Nascimento

O pronunciamento do general Hamilton Mourão, como presidente interino, foi uma mensagem direta às Forças Armadas, para lembrar aos oficiais mais jovens que o golpismo não é novidade entre os militares e precisa ser mantido sob permanente controle. Fica adormecido, mas pode ser acordado a qualquer momento, como ocorreu no governo do presidente Ernesto Geisel.

Na época, os conspiradores eram liderados pelo próprio ministro do Exército, general Sylvio Frota, e tentaram um golpe de Estado para impedir que houvesse a redemocratização do país.

DEMISSÃO DE FROTA – O serviço de inteligência avisou o presidente sobre a movimentação, e Geisel agiu de imediato. Convocou ao Palácio do Planalto todos os comandantes das unidades do Exército. Levou o general Fernando Belfort Bethlem, que então comandava o III Exército, para uma sala reservada e lhe comunicou que seria ministro do Exército a partir daquele momento.

Geisel então voltou à sala, pediu aos comandantes que esperassem, e seguiu rumo ao Quartel-General, chamado de Forte Apache, e foi sozinho, para comunicar ao general Sylvio Frota a  demissão.

Não por mera coincidência, o atual general Augusto Heleno, ministro no governo Bolsonaro, era na época, o Ajudante de Ordens de Frota. Ou seja, a chamada “linha dura” está viva e atuante. Todo cuidado é ainda pouco.

A FORRA DE MOURÃO – Voltando ao pronunciamento de Mourão, está tudo lá, diretamente ou nas entrelinhas, como uma forra do general-vice, que foi humilhado nos quatro anos de Bolsonaro, mas soube se portar com dignidade. Aguardou o momento certo para ir à forra. Esta foi a lógica de Mourão, que esperou a sua vez e bateu forte em Bolsonaro, sem direito a réplica, pois o ex-presidente estava na Flórida, ainda enfrentando a ressaca da derrota.

Os filhos 02 e 03 então vieram a público falar em máscaras que caem, em traíras e aquelas bobagens que vivem repetindo. Mas todos sabem que o clã Bolsonaro domina a arte da traição. Logo no início do governo, o presidente traiu Gustavo Bebianno, demitindo o ministro palaciano por fofocas dos filhos.

Depois, fez o mesmo com um amigo de 40 anos, o general Santos Cruz, por causa de uma fake news com suposta crítica nas redes sociais. Santos Cruz provou que tudo foi armado, mas Bolsonaro gritou, se exasperou com o amigo e manteve a demissão.

SEM LIBERDADE – No governo Bolsonaro, os ministros não tinham a menor liberdade. Todos sabiam que colocar a cabeça de fora significava ser detonado, como aconteceu com Bebianno, Santos Cruz e Sérgio Moro. O personagem único se chamava Jair Bolsonaro.

Quando o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, atingiu 80% de popularidade, por conta da pandemia, porque aparecia todo dia na televisão, o clã Bolsonaro começou a fritura até detonar o competente auxiliar, e com requintes de crueldade.

Então, não assiste razão ao clã para falar em traição agora, pois Bolsonaro e os filhos 01, 02 e 03 foram os primeiros a trair. Mas todas essas ações têm repercussão ao longo do tempo. E o que está acontecendo com Bolsonaro nessa quadra da sua vida é um exemplo do que não se deve fazer para não sofrer depois.