Sem consenso sobre as regras de aplicação, a lei se torna inútil

Desmatamento no Brasil: causas, dados, efeitos - Brasil Escola

Multas ambientais “prescrevem” sem terem sido pagas

Muniz Sodré
Folha

“O Brasil já se encontra em estado de máfia”, diz o secretário nacional da Segurança Pública. A frase é tão alarmante quanto a do novo presidente do Superior Tribunal de Justiça: “O maior incentivo ao desmatamento no Brasil é a desmoralização das forças da lei”. Esta tem alcance prático e teórico.

O Ibama aplicou 57,8 mil penas por crimes ambientais nos últimos cinco anos, mas só 8,8% foram pagos. Entre este ano e 2026, 9.100 punições completarão cinco anos. Isso significa que prescrevem, cerca de R$ 2,4 bilhões não mais precisarão ser pagos. Já se foi o ministro da motosserra, o Freddy Krueger da mata, mas a boiada continua passando impune.

FALTA LATÊNCIA – Em termos formais, essas normas punitivas têm plena legalidade, que é o fundamento de sua validade, a adequação a estatutos corretos segundo processos de direito. Mas falta aquilo que a sociologia norte-americana de T. Parsons chama de “latência”, a necessidade intrínseca a qualquer sistema social de acumular e difundir motivações capazes de incitar os indivíduos a agirem coletivamente.

Não é pela virtude legal em si mesma que isso ocorre, e sim pela força política, traduzida em pressão por instituições e grupos de inteligência social.

Outra maneira de considerar a questão é abordar a diferença entre lei e regra. Toda lei é uma forma vazia, porque abstrata, abrangente de situações diversas.

VAZIO DA LEI – Ainda que o cidadão não conheça a lei, é obrigado a obedecer. Esse é o drama kafkiano em “O Processo”: o protagonista Josef K é preso sem que se conheçam motivo ou lei. Criticando o Judiciário, Kafka expõe o vazio impositivo da lei.

A regra, ao contrário, é concreta e compartilhada. Conhecê-la implica vida plena em sociedade e respeito às instituições, o que requer uma sociabilidade integrativa, portanto, uma latência motivadora. O que de fato leva as pessoas a obedecerem às leis não é nenhuma abstração jurídica, e sim o respeito às regras do grupo.

Isso depende de instituições e de peculiaridades culturais. No Brasil, o arcabouço jurídico parece ter sido estruturado para não funcionar, exceto quando se trata de manter os pobres no lugar, pela regra de “tudo aos amigos, aos inimigos, a lei”.

SÓ ENGANAÇÃO – Algo como se o sistema fosse montado ao modo da técnica pictórica do “trompe l’oeil” (engana-o-olho), em que uma fruta é pintada de forma tão realista que o pássaro chega a bicá-la. É o caso das leis que parecem reais, mas enganam os olhos em sua aplicação. Não têm força política, desmoralizam-se.

Essa histórica precariedade foi aprofundada no governo Bolsonaro em vários planos. Primeiro a disseminação de um sentimento de impunidade que estimulou “escritórios do crime” e expansão miliciana. Punições ambientais arrefeceram: o próprio presidente vingou-se mesquinhamente de um fiscal que o havia multado por pesca ilegal. Em paralelo à retórica exacerbada de destruição institucional, todo meliante passou a cobiçar um assento legislativo.

O ministro do STJ está coberto de razão. Se as leis já nascem alheias à sua aplicação, e os fatos esquivam-se às regras, a máfia de que fala o secretário da Segurança Pública pode acabar reescrevendo o mote da bandeira como Desordem e Regresso.

6 thoughts on “Sem consenso sobre as regras de aplicação, a lei se torna inútil

  1. “Multas ambientais “prescrevem” sem terem sido pagas.”
    PS. Simples: Decretem que toda multa seja depositada numa Conta CPF cujos valores sejam distribuídos equitativamente pela Receita Federal aos portadores de CPF, únicos prejudicados e merecedores desse ressarcimento, cuja sonegação à exemplo do FGTS, deverá ser considerada apropriação indébita, sujeita a prisáo!

  2. “O Brasil já se encontra em estado de máfia” Mentira: está em estado de narcotráfico. Se tem dúvida, observe que os irmãos Brasão (milícia) estão presos, mas os narcotraficantes (vários) estão todos soltos.

    É óbvio que os cúmplices ficaram decepcionados com o destino – provisório !!! – dos irmãos e de Rivaldo, mas foram eles, o que fazer.

    É tão coesa a relação entre políticos – de Brasília e daqui do RJ – que os vagabundos cúmplices das autoridades ordenaram a seus “recolhedores” de impostos diários para não atacarem pessoa alguma entre Praça Mauá e Zona Sul durante o tal evento G20. Enquanto isso, nas zonas norte e oeste (o município do RJ não tem zona leste), a farra foi geral. Hoje, já estão liberados para assaltarem onde quiserem.

    Obs; as “narrativas” são incríveis. Matar bêbado é uma covardia.

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