Marcos Augusto Gonçalves
Folha
Foi aprovado em comissão da Câmara o relatório da PEC que amplia benefícios fiscais concedidos pelo Estado às instituições religiosas. A proposta é do problemático deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ). O parlamentar é bispo licenciado da Igreja Universal, comandada por seu tio Edir Macedo, foi ministro da Pesca, na gestão de Dilma Rousseff, e prefeito do Rio, afastado pela Justiça ao final de seu mandato.
A votação preliminar contou com o apoio governista. O presidente Lula, entre outros luminares da esquerda, insiste que os progressistas precisam se aproximar dos evangélicos, que tendem ao conservadorismo, quando não à ultradireita. Será esse o caminho?
ESTADO LAICO? – Não faz sentido o Estado, que é laico e deve zelar pela boa administração dos recursos públicos, patrocinar entidades religiosas concedendo vantagens fiscais abusivas. A atual legislação já parece por demais concessiva para padrões republicanos.
Resumindo o noticiário: além da isenção em vigor para patrimônio, renda e serviços “relacionados às finalidades essenciais” de templos religiosos, a PEC acaba com tributações indiretas, por exemplo, na compra de cimento para obras ou construção de igrejas. Segundo Crivella, Lula estaria disposto a promulgar a sandice na Páscoa, dando uma de coelhinho em feriado religioso.
Não é segredo para ninguém que a criação de Igrejas no Brasil tornou-se um ramo do empreendedorismo que envolve a busca de lucro e a formação de conglomerados empresariais. A figura do bispo ou do pastor milionário com carrão importado e mansão –ou mesmo aeronaves– é sobejamente conhecida.
Nesse business bem fidelizado nem sempre as veredas do dinheiro doado de boa fé são as mais iluminadas. Não é preciso refinar as buscas para se deparar, numa consulta ao Google, com um sem número de desvios e golpes encetados por sacerdotes de araque que exploram a credulidade popular.
O colunista Hélio Schwartsman, desta Folha, demonstrou, em reportagem de novembro de 2009, a facilidade de ingressar nesse mercado ao criar ele mesmo a Igreja Heliocêntrica e ser contemplado com isenções de impostos em aplicações, além de ganhar o direito a prisão especial em caso de condenação.
AÇÕES MERITÓRIAS – Sim, há que se reconhecer ações meritórias e iniciativas em prol das comunidades – mas essa é a finalidade da atuação social de religiosos. Os incentivos deveriam se limitar ao arcabouço da filantropia, que tem lá seus problemas também, e as movimentações financeiras precisariam ser fiscalizadas.
Outro aspecto pernicioso dessa onda de Igrejas que se avolumou nas últimas décadas é a ingerência na política. A chamada bancada da Bíblia, com hegemonia evangélica, tem notórias tendências teocráticas, além de imiscuir-se em assuntos públicos com o intento de obter ganhos materiais para seus negócios.
Certo moralismo religioso, que chegou como nunca a postos de alto comando na trevosa administração de Jair Bolsonaro, acredita na mesma lógica de teocracias como a do Irã: a ideia de que a lei de Deus ou a suposta de lei de Deus deve presidir a gestão da sociedade.
RETROCESSO – No catecismo de setores terrivelmente religiosos, homens devem vestir azul, mulheres cor de rosa, casamento entre pessoas do mesmo sexo não se admite, homossexuais são doentes que precisam ser curados e por aí vai, com toda a série de postulações retrógradas que tecem nossa nova Idade Média do futuro.
Que essas e outras convicções sejam adotadas como princípios na esfera privada, nada a opor, é um direito democrático, mas a esfera republicana não deveria ser invadida.
Se Lula e o PT consideram que se aproximar da base evangélica é apoiar essa PEC e oferecer o paraíso fiscal na terra às Igrejas, não merecem perdão, afinal sabem muito bem o que estão fazendo.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Em nome de Deus, tudo é permitido e cometem-se as maiores barbaridades. O Brasil já foi um Estado laico. Hoje, não é mais. (C.N.)