Conrado Hübner Mendes
Folha
Ministros do STF têm nos submetido a uma relação abusiva. Pedem adesão ao seguinte contrato: “Eu, ministro do STF, ignoro restrições éticas à minha conduta. Aberto a convites para novas amizades, ignoro ideias de imparcialidade objetiva e de conflito de interesses. Frequento a feira livre dos desejos e afetos. Ignoro colegialidade e institucionalidade e uso de meus poderes individuais pelos critérios que, sozinho, defino. Ignoro críticas, injustas implicâncias”.
Também sozinho, escolho se e quando o país vai decidir uma urgência constitucional. Escolho até se prefiro negociar a julgar. Sempre que do meu gosto, sonego o plenário e denego explicação à cidadania. Não presto contas da minha inércia, minha agenda ou minha eventual promiscuidade. Respeite minha vontade monocrática. Não devo publicidade dos meus rendimentos extras. Respeite minha privacidade.
Eu e minha coragem viabilizamos as eleições de 2022. Salvamos a democracia, portanto. Mas podemos não estar a fim de salvá-la na próxima. Depois dessa façanha, mais abusado ainda vou ficar. Se me cortejar e me chamar para reuniões no além-mar, recompenso com minha companhia, meu tempo e minha palestra improvisada sobre o Brasil. Meus impressionismos sociológicos valem o quanto pesam.
Concedo escuta a todes —indígenas, ativistas, trabalhadores. Mas janto e socializo, mesmo, só com os empregadores. Ou você está comigo ou é meu inimigo. Meu inimigo não, inimigo do STF. Assine aqui.
NINGUÉM ACEITA – Enquanto isso, do outro lado da Praça dos Três Poderes, extremistas e o centrão esperam a primeira oportunidade para fechar o STF. Sabemos haver muitas formas de fechar o STF sem fechar a porta do prédio.
No Congresso Nacional, tramitam projetos para que o legislador se dê o poder de revogar decisões do STF e a interpretação constitucional dissonante configure crime de responsabilidade. Dois caminhos para um único destino: impedir que um STF forte e legítimo possa controlar leis e práticas que violem a Constituição e perpetuem violência e sofrimento. Como o orçamento secreto e a usurpação de terras indígenas, por exemplo.
O Congresso não quer aperfeiçoar o STF. Apenas ameaçar e receber deferência em contrapartida. Ainda que haja outros arranjos possíveis de proteção da Constituição em democracias, as propostas quebram o modelo constitucional brasileiro de separação de poderes.
OUTRAS REAÇÕES – Os mesmos legisladores propõem também restringir decisões monocráticas. Inadvertidamente, justo por limitar poder individual de ministros, podem contribuir para fortalecer a instituição do STF. Sem querer, ajudariam o STF a fazer mais e melhor.
A liberdade monocrática, contudo, ao fragilizar a corte, agrada interesses. Um ministro sozinho é mais capturável. Argumentam que o STF não responderia a urgências sem liminares monocráticas. Afirmação empiricamente falsa. Houvesse suficientes ministros do STF comprometidos com a instituição do STF, o plenário conseguiria responder a urgências de modo mais inteligente.
A conduta anti-institucional de ministros está do jeito que o diabo gosta. O centrão, que joga a democracia brasileira numa relação abusiva desde sempre, emplacou representantes lá dentro. De Roma a Londres, de Lisboa a Nova York, o lobby empresarial, político e advocatício os hospeda.